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Memórias do Natal
Ivone Boechat

Véspera de Natal. Lembro-me, perfeitamente que eu, minha irmã Zilda e uma tia da mesma idade, estávamos de vestidos brancos, engomados, com lindos bordados feitos a mão, esperando a hora da estréia da roupa e o momento do culto de Natal. Era tanto pedido de cuidados para não se destruir a roupa que gente acabava caindo e sujando aquilo tudo ou despencando algum laçarote. Um horror! Mamãe, incansável, nunca nos deixou de vestidos velhos nas festas, era infalível. O Natal era um dia misterioso. Sempre caía um forte temporal à tarde, num clima indescritível. Não havia presentes para as crianças e ninguém ficava infeliz. Mamãe dizia :
-     Tomem banho rápido que vou deixar vocês ficarem na frente do templo, vendo os filhos dos vizinhos brincarem com os brinquedos que ganharam hoje.
Era tão comum isto, porque era todo ano, que a gente se conformava e ainda se divertia com a alegria dos outros.
O temporal, sim, este nos preocupava. Poderia impedir que muitas pessoas chegassem para a festa tão esperada o ano inteiro. A chuva na faltava, e a toda hora, a gente olhava pela janela. De repente, as nuvens pesadas iam dando lugar a uma nesga azul entre as nuvens e a noite estrelada aparecia como uma princesa...era lindo.
O Natal sempre foi o dia melhor de nossa infância.Com toda aquela pobreza,(nós não sabíamos que éramos pobre, não enxergávamos) éramos alegres. Na igreja e lá em casa (uma era extensão da outra) ninguém sabia quando começava uma e outra, as atividades começavam cedo. Papai já amanhecia de serrote na mão, à procura de um pinheiro que poderia ser qualquer árvore, desde que bonita. Era o que não faltava por lá. Não demorava muito e lá estava, enorme, deitada no chão. Agora, ele saía à procura de um latão de vinte litros de banha. A gente, querendo ajudar, atrapalhava o dobro. Para falar a verdade, já entrei dentro da lata. Faltei pouco morrer de falta de ar.
Na hora de “plantar” o pinheiro que ia virar árvore de Natal, quanto susto ! Plantava de um lado, caía do outro. Quando o pinheiro ficava firme, era uma festa! Era transportado para um canto, bem próximo do púlpito e aí vinham as recomendações :
-     Não fiquem perto, o pinheiro pode cair.
Como não ficar perto ? O ideal mesmo era ficar em cima dele, debaixo, do lado, mas longe, nem pensar ...
O melhor de tudo era ver enfeitar a árvore. Sininhos, bolas, lindas estrelas e quantos sonhos... Minha mãe fazia dezenas e dezenas de saquinhos de papel crepom coloridos e enchia de doces e balas. Tudo ela fazia. A criançada, eufórica, não desgrudava, até a hora final.
No dia vinte e cinco de dezembro, a multidão ia chegando para o culto que começava, às dezenove horas e trinta minutos, britanicamente.
Só existia no templo um órgão de pedal velho, pesado, um coral de crianças e outro oficial da Igreja. Muitas peças representadas, num palco improvisado (a cortina sempre enguiçou) e as crianças tinham que seguir à risca as recomendações: não podia rir. Era proibido. Isto sim era difícil para a criançada. Imagine um “irmão” de cavanhaque postiço, de saia, representando um mago.? Era um sacrifício que podia levar a comissões de disciplina, exclusão de outras peças e até a pancadas. Aquilo era chamado de “comédia”. Tão logo começava o culto, quem fosse fazer uma “comédia”, tinha que ficar preso numa sala quente, fechada, de roupas de papel crepom ou enrolado em lençóis, com turbante, esperando a hora de entrar para fazer “comédias”. A gente suava e não podia sentar, senão amassava o traje. Mas, o pior ainda viria. Era o momento de subir ao palco e não rir. E o medo de esquecer o papel ? Um dia, ri, a ponto das cortinas serem fechadas e ali apavorada levar uma bronca histórica. Abriram-se as cortinas, com fiscais para todo lado, vigiando para a gente não rir. De cabeça baixa, sem olhar para ninguém, falei minha parte, sai dali e fui chorar. Também, de moringa na mão, turbante, enrolada num pano, olhando as colegas daquele mesmo jeito, quem não ria ?
Para evitar constrangimentos, no outro Natal deram-me um monólogo para fazer. Por trás da cortina, ficava a irmã Ulda com o “ponto”. Esqueci tudo. Não me deixei abater, inventei novo texto, ali, na hora! Fui criada ouvindo falar textos de Natal, era só sair falando. Deixei o “ponto” desesperado, mas, ao final, ganhei um abraço e muitos elogios dessa irmã. Até que enfim. Ali, elogio era muito parecido com bronca. Só entendi a diferença, muito mais tarde.




Biografia:
Natural do Estado do Rio; Membro da Academis Munsial de Cultura e Literatura: Membro da Academia Duquecaxiense de Letras e Artes de Duque de Caxias-RJ; Autora de 16 livros, Consultora em Educação.
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