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As Crônicas do Céu e da Terra
Diego Costa

Prólogo
     
     Ele caminhava perdido em um lugar onde as trevas tomavam sua forma mais tenebrosa. Um lugar consumido pelo medo e sofrimento, onde a esperança se tornara um elemento daqueles contos de fadas, que no fundo, não passa de uma consolação para os terrores do mundo real.
     É difícil explicar com palavras o que viu. Mas daquele penhasco onde o garoto acabou parando sem saber como, ele percebeu que a escuridão tingia eternamente aqueles céus que não possuíam estrelas e nunca recebiam a luz do sol. Era uma terra de vastos campos em erosão que se estendiam até onde os olhos conseguiam alcançar - sem planícies verdes, florestas ou bosques. Muito embora, tudo permanecesse seco e infértil, um negro rio serpenteava calmo, cortando o vale que naquelas terras se instalava; esse mesmo vale compunha-se de pedregosas altas montanhas que buscavam beijar o céu, e tão altas como titãs, ameaçavam engolir para si qualquer um que por elas tentasse se aventurar.
     Todo o lugar parecia ser tão morto que o garoto, às vezes, conseguia sentir o odor da morte trazido pelo vento seco que ricocheteava seu rosto. Odor que subia graças a uma espécie de líquido negro, borbulhante e viscoso que fervia no interior de diversos fossos, localizados em certos pontos das planícies secas, como piscinas escaldantes. Para o espanto do garoto, que não era alto e não passava dos dezessete anos, algumas pessoas jaziam dentro delas, sendo completamente pintadas de negro, ao mesmo tempo em que gritavam de pavor e agonia, enquanto seus olhos pediam, sem palavras, por algum tipo de ajuda que provavelmente nunca viria.
     O garoto notou, também, que muitas pessoas caminhavam por entre aquele vale. Elas não se importavam com as outras que jaziam nas piscinas ferventes, e pareciam estar em total estado de miséria. Muitas delas gritavam enquanto caminhavam. Como se fossem obrigadas a fazê-lo através de uma força invisível.
     Aos seus olhos, toda aquela gente parecia não saber exatamente o porquê de estarem ali. Todos mantinham uma direção única e desordenada que, certas vezes, mudava de direção; pareciam completamente sem objetivos ou perspectivas, tanto homens, mulheres e crianças; seus rostos apenas transpareciam expressões de medo e sofrimento, com olhos opacos e sem vida, e de fundas olheiras. Além disso, estavam nus e mal possuíam forças para se movimentar, o que frequentemente era causa certa para vários tropeços e tombos em direção ao chão. Entretanto, nunca deixando de se levantar e continuar a caminhar.
     Aquele cenário causava terror no garoto. Perturbava-o. Por todo lugar havia pessoas naquele estado, vindas sem ele saber de onde. Como se brotassem da terra para continuar a lotar aquele vale. Mas como?
    Observou que muitas daquelas pessoas, às vezes, ajoelhavam-se em dados momentos. Como se rezassem; outras que, quando caíam, começavam a chorar; algumas iniciavam brigas sem motivo algum, ensandecidas sabe-se lá com o quê; e, por vezes, algumas delas se jogavam em precipícios preenchidos por uma espécie de mar um tanto diferente do que estamos habituados a conhecer. Um mar de estranhas chamas negras, envoltas por uma tonalidade bruxuleante de roxo, localizado nas extremidades do vale, tanto a oeste quanto a leste, no interior de grandes formações de cânions.
    Aquelas chamas constantemente subiam em direção ao céu, vivas, ferozes e hipnotizantes vindas do fundo, tomando rapidamente aqueles corpos que, aparentemente, de tão boa vontade, iam ao seu encontro. E alguma coisa dizia ao garoto que, a mesma força invisível que forçava as pessoas a caminhar, forçava também às outras a se jogarem dentro daquele mar de fogo.
     Mas não importava o que ele achava. No fim, nada mais restava dos corpos do que cinzas cintilantes dispersas no ar.
     O garoto observava a tudo chocado. Ainda sem acreditar em tudo aquilo que presenciava. Do alto daquele penhasco, aos poucos, conseguia compreender a vastidão e o terror que era todo aquele lugar. Um mundo sombrio, porcamente iluminado, onde o sofrimento parecia ser a única forma de vida.
     Se ele pudesse dar um nome a tudo aquilo, chamá-lo-ia de inferno.
     De repente, uma gélida rajada de vento, que seguia soprando ferozmente vindos do norte, ouriçou seus cabelos castanhos e cacheados, interrompendo seus pensamentos. E com certa dificuldade, da mesma direção, ele pôde avistar ao longe uma espécie de estrutura grande ao pé das montanhas do norte, mais parecida com um castelo construído à base de ônixes, e não muito longe do rio, que reluzia hipnoticamente à luz produzida pelas labaredas dos cânions. Suas torres apontavam ameaçadoramente para o céu em forma de agulhas, transparecendo uma imponência descomunal de poder e soberania, e uma ponte de pedra, suja e coberta de lodo, erguia-se em arcos sobre o rio para dar passagem àqueles que desejassem entrar na estrutura.
     Desviando a atenção do estranho castelo, ocorreu ao garoto o porquê de ele ter ido parar ali. Pouco a pouco, uma confusão de pensamentos começou a tomar conta de sua mente. E, estranhamente, uma mistura de sentimentos, que pouco havia sentido na vida - como pena, sofrimento, angústia, ódio e raiva – passara a preencher seu coração. Tudo misturado a uma espécie de medo que, estranhamente, se apossava de sua alma.      
     Aqueles sentimentos passaram a corroer sua alma, consumindo-lhe as forças e a vontade de viver. Domou-o e lhe convenceu de que a vida não importava mais.
     No momento seguinte, e completamente confuso, o garoto se deixou levar por um estado de transe, onde o que mais desejava era a paz que apenas a morte poderia lhe proporcionar. Era como se todo o sofrimento daquele lugar, de alguma maneira, tivesse se apossando de sua alma.
     Era isso que todas aquelas pessoas estavam sentindo?

     Em pouco tempo, o desejo de morte já havia tomado-o por completo. E mais, sentia como se merecesse morrer.
Aliás, a morte seria pouco para ele, pensava. E para sua surpresa, a resposta para acabar com tudo aquilo se encontrava bem à sua frente, tomando a forma de um abismo tão profundo, que era impossível enxergar o que havia em seu interior.
Por um momento, o garoto se indagou de onde aquele abismo havia surgido.           
     Segundos atrás ele não existia, pensou.
     E para sua surpresa, todo o lugar que ele havia presenciado antes, com todas aquelas pessoas e sofrimento, tivesse simplesmente desaparecido. Agora, era apenas ele e o abismo à sua frente.
Talvez eu esteja ficando maluco.
     Não importava. Aliás, era perfeito. Só alguns passos e tudo estará terminado.
     O garoto se postou diante do abismo. Olhou para o fundo e nada viu. Mas, lá de dentro, onde o interior era habitado apenas pelas trevas, ele encontrou sua resposta. Algo lhe dizia que era o certo a se fazer, já que sua vida não valia mais de nada, a não ser causar sofrimento a todos que o rodeavam. Até achou que o abismo estava vivo, como se entendesse tudo que se passava dentro de sua alma.
     Sorriu.
     Então é assim que aquelas pessoas se sentem.
     Mergulhe, pensou escutar. Mas algo o impedia, pois sabia perfeitamente que, quem quer que ousasse cair ali dentro, não teria nada além da dor e sofrimento eternos.
     O garoto sorriu novamente.
     Certamente seria perfeito.
     
     Como é frágil e tolo, meu pobre mortal, pensara escutar de repente. Mas com certeza era apenas fruto de sua confusa consciência.
     
     No momento seguinte, uma rajada de vento tão fria quanto gelo evadiu contra seu rosto vinda do abismo. Aquilo o fez sentir não apenas em sua pele, mas também, em toda sua alma, dando-lhe a certeza de que aquilo em sua frente continha uma espécie de vida, e que clamava por ele. E mesmo sabendo que aquilo era errado, o garoto deu o primeiro passo em direção à morte, onde em menos de um minuto, estaria terminada. Pôs o pé direito sobre o abismo certo sobre o que estava prestes a fazer, e se preparou para mergulhar.
     No mesmo instante sentiu a satisfação daquela coisa em lhe possuir, mas sem compreender o porquê. Alguém que não tinha nada de especial ou precioso em seu poder. Alguém simplesmente normal.
     Contudo, nada daquelas coisas importava mais. Livrou-se de todas as dúvidas que o consumiam e simplesmente se entregou ao abismo, fechando os olhos sem questionamentos e completamente entregue ao instinto.
     Para seu espanto, algo o impediu.
Uma delicada mão segurou-lhe pelo ombro direito e o puxou de volta.
     Em seguida, foi invadido por uma paz arrebatadora que o livrou de todos os sentimentos que ele fora induzido a sentir. O mundo pareceu girar e tudo se esvaneceu por completo graças aos olhos castanhos e doces - e sempre cheios de esperança - de sua mãe que o admiravam de cima.
     - Hora de ir para a escola. – disse ela, olhando-lhe nos olhos enquanto tentava fazer o garoto levantar da cama.



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dih_scosta@hotmail.com




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Romance As Crônicas do Céu e da Terra Diego Costa


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