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Conversa Entre Amigos
Contos Policiais
Rodrigo Magalhães Mesquita

Conversa entre Amigos

     Lá estavam os dois, um olhando nos olhos do outro. Eram amigos desde criança, ou melhor, desde quando se lembravam. Mais será que ainda eram amigos? Difícil dizer. A vida os havia levado para caminhos muito diferentes. Caminhos que eventualmente os fizeram se encontrar de novo, mas não da forma que eles esperavam.
- Eu esperava que a gente fosse se encontrar de novo, só não queria que fosse dessa forma.- disse Rogério, um mulato alto com a farda da policia militar.
- Esperava ou receava?- ele viu o olhar do amigo.- O que foi? Só porque não tive a educação de primeira não posso usar “palavras difíceis”?
- Bem, você tem que reconhecer que para alguém com a sua profissão, não é uma coisa normal.
- Verdade, não é. Te ver falando assim me faz lembrar do nosso tempo de colégio.
- Foram bons tempos. Uma época em que as coisas não eram tão complicadas. Agora, respondendo a sua pergunta, eu receava sim o nosso encontro. Não sabia o que poderia acontecer.
- Eu também, mas agora nos sabemos, não é?
     Rogério teve que concordar. Na situação em que estavam deixava as coisas bem claras.
- Sim, sabemos. Deus sabe que eu não queria que as coisas terminassem assim.- disse Rogério triste.
- Certas coisas nós não escolhemos, elas simplesmente acontecem. Como essa situação em que nos encontramos agora.
- Concordo.
     Carlos engatilhou a pistola. Os dois estavam do lado de fora da casa de Carlos na favela. Rogério estava de joelhos com as mãos amarradas nas costas. A arma estava carregada e pronta para atirar, mas então porque hesitava? Porque não matar esse PM que já lhe deu tanto trabalho? Seria o sentimento de amizade mais forte do que ele imaginava? Pensava que entre eles – e dentro de si – já não existia mais esse sentimento. Estava errado. O sentimento ainda estava muito vivo no seu coração.
- Então vai ser agora que você me mata?- perguntou Rogério. Estava com essa pergunta na cabeça desde que viu Carlos engatilhar a arma.
- E por acaso eu tenho escolha? Se fosse o contrário com certeza você me mataria.- afirmou Carlos.
- Se fosse o contrario, eu o prenderia para que você pudesse pagar pelos seus crimes. Porém eu nunca iria sair do seu lado. Estaria sempre do seu lado lhe dando apoio e ajuda. Não importa o que tenha acontecido e o que nos tornamos, eu ainda o tenho como um irmão.
     Ele disse a mais pura verdade. Carlos ficou pasmo que, mesmo naquela situação, Rogério ainda pense isso. Mas, em vez de acreditar e vê-lo como o seu amigo, Carlos ainda o via como o policial e não acreditava em suas palavras.
- Esta mentindo! Eu sou um traficante e você um PM. Nós somos inimigos jurados e odiados. Não amigos!
     Rogério sentiu um aperto no peito. Não esperava esse repudio todo. Havia marcado aquele encontro com ele para conversar apenas, não para prende-lo. Queria ver se conseguia fazer Carlos sair dessa vida. Mas ele percebeu triste que não havia volta para o seu amado amigo. Palavras não o fariam mudar de idéia. Teria então que partir para uma ação mais drástica, coisa que ele queria evitar fazer. Havia uma parte dele que ainda não tinha desistido de convence-lo com palavras. Por isso ele tentou mais uma vez, apelando para o lado mais sentimental. Apelando para o seu coração.
- Carlos, por favor, escute a voz da razão. Esse não é você. Onde esta aquele garoto que começou a trabalhar aos dez anos, sem parar de estudar, para ajudar a mãe com as despesas de casa? Um garoto cheio de amor, carinho e responsabilidade, que lutava todos os dias para por comida na mesa. Um garoto que estava sempre disposto a ajudar a qualquer um. Onde ele esta, Carlos?
- Ele está morto! Morreu junto com a mãe que foi morta por um PM a troco de nada. Muito obrigado por me dar mais um motivo para te matar!
     Seu amigo não existia mais. Por mais duro que pudesse ser para ele pensar isso, era a verdade. O Carlos que conheceu havia morrido, dando lugar a Carlão, o traficante mais perigoso do Rio de Janeiro. Deus sabe que ele tentou salvar o seu amigo, mas falhou. Não iria conseguir trazer de volta o que já estava morto. Sem mais ter como adiar a decisão final, ele gritou:
- Agora!
     Carlos olhou confuso para Rogério, só entendeu quando sentiu algo penetrar no seu corpo. Havia sentido isso algumas vezes a ponto de saber o que era. Havia levado um tiro no peito. Devia de ter um atirador escondido no telhado de uma das muitas casas da favela. Rogério o havia enganado dizendo que havia ido ali sozinho. Mas era isso que se podia esperar de um policial. São todos uns mentirosos! Mas se sentiu um idiota por ter confiado na palavra do inimigo. Enquanto caia no chão sentindo seu sangue jorrar para fora do seu corpo junto com sua vida, ele viu lágrimas saindo dos olhos de Rogério. Lágrimas? Porque ele estaria chorando? Não de derrama lágrimas por um inimigo morto. O que ele não entendia era que, para Rogério, quem caia na sua frente não era um inimigo. Mesmo tendo visto que não existia mais nada no homem a sua frente que lembrava o seu antigo amigo, ele ainda sentia uma forte dor no peito. Isso porque ele não via o traficante Carlão morrendo na sua frente, mas sim outra pessoa.
     O seu amado amigo e irmão Carlos.


Biografia:
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Contos Conversa Entre Amigos Rodrigo Magalhães Mesquita
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Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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