A depressão é uma metáfora que me leva a ser uma pessoa que eu nunca conhecera. As ilusões vão se confundindo com a realidade. Olho pra virtude e vejo maldade. A verdade engolindo minhas verdadeiras mentiras. Diversões anestesiantes, sempre presentes; ora desenfreadas. Na fronteira do céu com o inferno, onde Deus e o diabo jogam dados e sentem pena de quem está a olhar.
Dúvidas constantes. Certeza é variante. Resultado imprevisível, nunca sei como serei. Suspeito do fim sem auto-piedade e me afasto de mim nefasto. Ainda com força pra lutar contra umas poucas coisas contra as quais sempre me rebelei e me rebelo – em meio a tantas outras -. Mas, no mais, já to no tanto faz. Dia desses pulei o muro de um cemitério de sonhos e o esporro do silêncio fez meus ouvidos sangrarem. Me flagraram saindo rápido, dixavado, desnorteado e descalço, guiado por imensas olheiras roxas, tentando proteger da chuva ácida, entre os braços, um vaso de flores mortas; no meio das quais havia um pequeno broto doente.
Eu posso ser uma piada, uma caricatura mascarada, uma foda empatada e até mesmo um grande camarada. Eis as estações, de variadas seqüências, por que passa a órbita na qual gravito; distraidamente, ora pulando a vez ora retrocedendo; ora seguindo a regra ora experimentando... Procuro sentenças no escuro; procuro gritos em sussurros, e matéria no vácuo. Encontro fotos tremidas de saudades quase esquecidas.
Alegria como ocasião e não como estado do espírito. Minha vontade de rir maior do que meu riso torto, que mal consigo. Vejo minha sombra tremendo de frio na ponta do precipício. Mais abaixo vejo um semblante meu ... olhar distante... pensamento incansável e ações claudicantes.... Planos submersos por qualquer maré adversa.
Mais um!!! Copo, canudo! Digerindo absurdos; vomitando desilusões. A dose certa pra doido não reclamar. No bolso algumas notas mal passadas que não se demoram a gastar. Tusso o troco do cigarro. Sobra pouco. Foi por pouco... A conta sempre chega e se paga compulsoriamente de algum modo.
Busco o que fazer, mas já parece não haver razão em ser o que já me propus um dia. Feridas infeccionadas me deixam cansado. O coração sedado. E as cicatrizes mal desenhadas revelam distorcidamente o retrato exato do que sou. Eu, ali no espelho. O coração no vermelho. Me joguei no piso frio do banheiro, recostado em remorsos e frustrações. Repousei a cabeça na privada e os cotovelos inchados no chão. No som que vinha do quarto tocava uma seqüência variada de Doors, Luis Melodia, Marisa Monte e Strokes. Ao som de goles e lágrimas. Tributos à dor e à arte... Vez ou outra me vinha nos lábios a sombra de um riso; quase imperceptível.
Senti falta de ar. Meu peito arfou e meu corpo ameaçou desabar. Uma angústia entalava minha garganta. Fechei os olhos com força e procurei lembrar de algo alegre e sereno que tivesse acontecido há pouco tempo ou há vidas atrás – na mente me veio um sorriso distante e quente; espontâneo e contagiante -. Ofegando, me apoiei nas paredes e tentava puxar minha alma que ficara caída. Com muito custo fiquei de pé, ainda que apoiando as mãos sobre a pia desbotada e triste. Lavei a cara. Lavei de novo. E de novo... Sentir a textura da água me fazia um bem inaudito.
Com o rosto molhado e a vista completamente embaçada, abri a janela e a claridade me irritou; depois foi me acalentando... Um vento morno soprava um perfume florido dentro daquela manhã recém-nascida de noite chuvosa. Azul! Lavada! Cheia de riscos avermelhados no céu. Olhei pro horizonte e minha vista foi endireitando ao passar de minutos atemporais... O sol brilhava forte no leste, malgrado encoberto por densa neblina ao longe. Fiquei olhando... fiquei olhando...
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