Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Cela da Morte
Gil Cordeiro Dias Ferreira

Resumo:
A angústia de um condenado à morte momentos antes da execução

CELA DA MORTE
O condenado fixou o olhar, pela última vez, em tudo que o cercava, naquele ambiente que lhe era estranho.
Já recordara, com angústia, todas as passagens de sua vida. Se não todas, pelo menos as que mais profundamente gravadas ficaram em sua memória.
Memória... Se, àquela hora, era ainda possível classificar como memória uma mente confusa, perturbada, que somente ainda registrava algum raciocínio por força do instinto de conservação.
Recordava-se de que, momentos antes, trouxeram-lhe um liquido incolor. E um breve sentimento humanitário perpassou-lhe o cérebro, imaginando que pelo menos aqueles carrascos impiedosos tinham se lembrado de saciar-lhe a sede.
A decepção, porém, foi instantânea, ao sentir o gosto da bebida. Cuspiu-a imediatamente, mas foi o que bastou para que mãos potentes fizessem verter-lhe garganta abaixo aquele fogo liquefeito.
A partir de então, os reflexos se lhe fugiram.
“Miseráveis! Querem privar-me dos sentidos até a hora fatal. Mas não conseguirão, não! Hei de cravar-lhes o olhar, mesmo depois de morto.”
Por que, afinal, estava ele ali? Que crime cometera, para que o colocassem naquela prisão de forma circular? A mesma onde ele vira permanecerem alguns de seus companheiros antigos, indagando sempre: por quê? Serei eu, algum dia, o ocupante daquele lugar mórbido, que não era de existência permanente, mas sempre traçado à volta do condenado, algum tempo antes de sua execução?
Engordara um pouco, nos últimos dias. E era sempre a hora mais amena, a da refeição. Tudo em virtude daquele anjo louro que lhe trazia a ração. Tão bela! Como poderia pertencer à estirpe daqueles assassinos, que o mantinham ali, indefeso, aguardando a morte? Impossível descobrir. Já não compreendia uma só palavra dos carcereiros. Pareciam falar um idioma estranho, complexo. Seria melhor aceitar, apenas, as carícias que aquela visão branca fazia em sua cabeça tão conturbada.
Pesquisou novamente o local. Bem em frente a ele, uma construção de forma quadrangular, esmaltada. Notou que o teto era mais comprido. Botões coloridos, em seu redor, pareciam dar-lhe uma aparência futurista. Bem no centro, a abertura fatal, onde ele já vira companheiros penetrarem pela derradeira vez. E o sadismo brutal de seus executores planejara, ainda, uma janela de vidro na porta metálica daquele recinto sinistro, por onde poderiam observar os estertores dos infelizes...
Uma pergunta, porém, persistia no condenado: “Por quê?” Por que aquilo? Por que tivera sido privado repentinamente da antiga vida, tão feliz, em suas escapadas para os matagais próximos à casa, onde ficava horas esquecidas, observando os pássaros e os peixinhos no regato próximo? Por que? Por...
Tarde demais. Mãos de aço o subjugaram. Mãos negras, ainda pôde observar. Uma angústia final apossou-se dele, aumentando subitamente ao distinguir, ao longe, entre aqueles que o olhavam como se através de uma parede de vidro, o anjo louro que trazia o alimento à sua boca murcha e ressequida. “Então, ela, também... Mas... Ela está choran...”
O brilho da lâmina foi mais rápido que o pensamento do infeliz. A visão turvou-se repentinamente e um profundo torpor dominou-o. Não chegou a ouvir as palavras que embalaram aquele cerimonial macabro. Mas, se as ouvisse, também não as compreenderia:
- “Lucinha, não fica olhando com pena, senão o peru não morre...”


Biografia:
Brasileiro, casado, nasceu no RJ, em 06/09/1946. É Oficial de Marinha (Escola Naval, 1967) e Administrador (UNESA, 1996). Passou à reserva em 1996 e, desde então, trabalha na iniciativa privada, como Administrador e Consultor. Tem mais de sessenta trabalhos publicados sobre assuntos militares, história, geografia, política e ficção, em periódicos especializados e jornais do RJ e de MS. Conquistou vários prêmios literários e, em 2000, o Clube Naval editou seu livro “Coisa de Naval”. Tem livros à venda nos sites Clube de Autores, AgBook, Recanto das Letras e Bookess.
Número de vezes que este texto foi lido: 52812


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Da Violência Gil Cordeiro Dias Ferreira
Contos Retorno à Mulher - Gato Gil Cordeiro Dias Ferreira
Humor Você teve infância? Gil Cordeiro Dias Ferreira
Crônicas VIAGEM EM FAMÍLIA Gil Cordeiro Dias Ferreira
Crônicas Vereda Nordestina Gil Cordeiro Dias Ferreira
Crônicas Última carta a Moira Gil Cordeiro Dias Ferreira
Contos Torta de Maçã Gil Cordeiro Dias Ferreira
Crônicas Sonho Gil Cordeiro Dias Ferreira
Crônicas Sete nuvens, sete Largos Gil Cordeiro Dias Ferreira
Contos Perna de porco da vovó Gil Cordeiro Dias Ferreira

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 24.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
JASMIM - evandro baptista de araujo 69079 Visitas
ANOITECIMENTOS - Edmir Carvalho 57976 Visitas
Contraportada de la novela Obscuro sueño de Jesús - udonge 57628 Visitas
Camden: O Avivamento Que Mudou O Movimento Evangélico - Eliel dos santos silva 55903 Visitas
URBE - Darwin Ferraretto 55222 Visitas
Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls - Caliel Alves dos Santos 55198 Visitas
Caçando demónios por aí - Caliel Alves dos Santos 55077 Visitas
Sobrenatural: A Vida de William Branham - Owen Jorgensen 54961 Visitas
ENCONTRO DE ALMAS GENTIS - Eliana da Silva 54943 Visitas
Coisas - Rogério Freitas 54929 Visitas

Páginas: Próxima Última