ÚLTIMA CARTA A MOIRA
“Moira - chinela velha. Mulher de origem moirisca ou mourisca. As moiras encantadas. Vide Camilo em...”
Ora! Não é nada disso. Muito formal. Crônica antiga, águas passadas. Como vai, Moira?
Não direi como o cantor (não sei qual é): “Esta é a última canção.....”
Mudei. Perdi, em parte, aquela melancolia antiga, tão sua conhecida.
Talvez, com ela, tenha ido também parte do encanto da vida. Não, não o creio. Pois a vida é dinâmica. E a melancolia estatiza. Sou otimista. Crescemos, evoluímos. Sem dúvida, evoluímos. É necessário crer que sim. A dúvida mostra involução. Por isso digo que crescemos.
“Não apenas encantadas, mas, provavelmente, também, encantadoras...” Outra vez! A crônica antiga parece permanecer em meu pensamento como uma natureza morta.
Você explica? Nem eu. Mas não importa. “Importa, sim, que me ame, tal como a amo...”
Vê? Qualquer palavra me induz à primeira carta. Talvez por não ter mudado o meu estilo. Talvez a melancolia perdida tenha levado consigo parte da sinonímia, acervo desse estilo. Não importa...Não importa o quê? Fui uma sombra, Moira. Não digo em sua vida. Direi melhor: nosso conhecimento foi uma sombra em nossas vidas; a fugir quando o perseguíamos; a nos perseguir, quando dele fugíamos. Até que parou. Talvez imitando Peter Pan, que teve a sombra guilhotinada em uma janela. Ou, quem sabe, Hades tenha ordenado às Fúrias e Medusas que a recolhessem à barca de Caronte, vigiada por Cérbero...
Vim, vi. Mas não venci.
A César o que é de César. A frase é dele. Só que eu não atravessei o Rubicon. Portanto, Ave Caesar, morituri te salutant...
Sejamos mais nacionais. Parodiarei Policarpo Quaresma - “Ao vencedor, as batatas!”
Disse morituri?
Não! Por que falar em morte? Não há morte. Há transferência.
Crê? Não sou Kardecista. Mas creio na transferência. Há quatro anos eu a vi. Sentimos um ao outro. Olhamo-nos. Falamo-nos. “Nunca mais esquecerei o seu rostinho...”
Qual! Outra carta antiga... Memória cruel... “O que há entre nós Moira?” Uma vez mais...Esta é mais recente...Não, Moira, não diga que a melancolia voltou e estou vivendo de recordações. Nada disso. É apenas estranho. Em quatro anos, quase sempre separados, embora sempre ligados, de uma forma ou de outra. De repente, sinto que devo me afastar. “Mas ela me responderá, e eu poderei olhar mais de perto aqueles olhos verdes...”
Seriam mesmo os seus, ou alguma projeção?
E se não nos aproximamos, foi por ser uma projeção ou por timidez? Ou incerteza?
Agora, não importa. “Importa que me...”
Simplesmente, não nos aproximamos. Simplesmente temos de nos separar. E esta carta? Desabafo? De quê?
Não pode ser recalque pela não aproximação. A culpa seria minha. Logo, não posso estar recalcado por uma omissão. Simplesmente, cumpro minha promessa. Antiga como as cartas e crônicas. A de lhe enviar tudo o que escrevo. Escrevi estas palavras. Logo, envio-as. Não, não é uma coisa mecânica.
Por que as escrevi? Por que ao vir a inspiração, é impossível contê-la. Você escreve. Deve sabê-lo.
Assim, não encare esta carta como dedicada especialmente a você. Muito embora ela o seja. O título o diz. Ou será que me traí?
Simplesmente, leia-a como um escrito meu, a você enviado em cumprimento a um acordo antigo. Simplesmente. Tudo simplesmente. Tão estranha e simplesmente como nos conhecemos. Tão efêmera e simplesmente como nos relacionamos. Tão rápida e simplesmente como nos separamos.
Por quê?
Por vontade minha. Vontade baseada na idéia de que devo fazê-lo. E já que cremos na transferência, deixo apenas o meu até breve. Até um dia, Moira, quem sabe?
Daqui a mil anos. Ou dez mil. Ou um milhão, mas um dia.
Nós nos encontraremos em alguma estrela.
Poesia? Não, realidade. Não explico. Você o sabe melhor que eu, não fora você Moira.
Não, não precisa telefonar.
Se gostou e deseja me elogiar, ou se não gostou e deseja me criticar, faça-o simplesmente.
Você tem muitas cartas minha. Eu não possuo uma sua, siquer. Não estou zangado por isso.
Escreva-me, então, simplesmente. Escreva-me sua “Primeira Carta”. Primeira e última, de certo.
O que vai escrever? Ora! É tão fácil!...
Faça-o simplesmente! Eu sou tão simples! Escreva-me – “Até breve”.
Mas você tem tanta coisa a dizer assim? Então diga! Diga por escrito tudo o que você vem querendo me dizer, há quatro anos...
Não, não é melhor telefonar, não.
Se acha que não deve escrever, nada de mais. Reconheço e aceito suas razões.
Ah! Ah! Eu sou um homem estranho, não, Moira?
Eu ia escrever a mão. Como sempre. Mas, decidi fazê-lo a maquina,
Originalidade? Eu disse que mudei...
Ou para não enviar a você parte de mim? Antes, eu o fiz. Talvez sem intenção. Mas fiz. Agora, porém, isso seria estranho e incongruente.
Nossos caminhos, embora afastados, pareciam ser paralelos. Agora divergiram. Mas, no infinito, as paralelas se encontram. Para formar uma só linha. Até lá, pois, Moira.
“Mas Moira receberá a minha mensagem...”
A história se repete, Moira.
Quem sabe não seremos Nefertiti e Akehnaton? Ou Cleópatra e César? Ou Scheerazade e Harum Al-Raschid? Ou mesmo Jackeline e Onassis?
Não, não ria! Isto é sério!
Ah! Ah! Sim, estou rindo, Moira. Mas é de mim mesmo. Por que essas palavras me saíram? Não sei. Sou estranho e reconheço. Por isso, rio. Aliás, não rio, sorrio.
E, é sorrindo de lhe digo “até já.” Quem sabe, “até um domingo depois do fim do mundo”... Até lá, Moira. Lembremos eventualmente um ao outro, que existimos. Enquanto isso, vamos vivendo. De vez em quando, recordando. É bom recordar. Faz parte da vida. A qual, eu garanto, sabemos viver... E ainda que a sua estrada tenha agora se unido a outra que não a minha, eu, sem saber exatamente se a desejava em meu caminho, mas impulsionado a afastá-lo do seu, escrevo esta última carta.
Quem sabe, um desabafo...
Quem sabe uma reminiscência...
Quem sabe uma saudade...
Seja feliz.
E até um dia, numa estrela, onde, talvez eu possa, finalmente, acariciar os longos, sedosos e macios cabelos de Moira...
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