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Mr. Perfect
Fernanda Meneses

Da altura ou da cor dos cabelos eu já não lembro. Só sei que a primeira era suficiente para eu me sentir protegida de qualquer seta que o mundo me lançasse. Também não lembro como era o som da voz, nem o tom, nem o volume... Mas nunca por sua boca saíram palavras de ódio. Do sorriso eu lembro. Era lindo. Era incrivelmente branco. Era grande. Era raro, mas isso não o tornava triste – apenas sincero. Não me lembro do andar dele, nem da grossura das pernas. Só sei que sempre me acompanhariam para onde quer que eu fosse, mesmo que o destino não fosse seu lugar preferido do mundo.

E ele me acompanhou. Andou comigo pelos lugares mais ermos, subiu montanhas. Acompanhou-me durante toda uma noite de choro e dor, e até mesmo quando eu o mandei embora, ele permaneceu ao meu lado... Ele me acompanhou em meus planos, em minhas idéias sem sentido. Seguiu minhas reflexões regadas à vodca e champanhe, e o fez como os olhos que seguem um carro em movimento: sem conseguir desviar-se. Ou pelo menos, sem tentar desviar-se delas. E não me censurou em momento algum.

Não me xingou. Não me bateu. Não me internou. Ele apenas estava ao meu lado, e, tal como uma pedra, nada de ruim que eu fazia poderia atingí-lo. Isso me irritava. Ele era perfeito, e isso me irritava. Porque a perfeição dele mostrava minha imperfeição. Só acentuava aquilo que eu já sabia: que eu não o merecia. O amor, o carinho, a compaixão, a anulação de si mesmo a meu favor... Nossa! Isso me irritava! Cada beijo, cada “eu entendo” depois de um briga... Sem lágrimas... Por quê? Por que ele fazia isso? Será que não me amava como eu o amava – porque, acredite, eu o amava – por isso não poderia se ofender com meus maus-tratos tão bobos e infantis? Eu sabia que não era isso.

Nunca me achei gostável, e o fato dele ser tão bom apenas me deixava temerosa. Eu tinha medo de que ele percebesse a minha inferioridade e o encanto acabasse. Tinha medo de perder o sorriso; as pernas que me seguiam; os braços que me acalentavam e me consolavam. E por ter medo de perdê-lo, por medo de não suportar a dor de não ter mais aquilo que estava criando raízes muito profundas dentro de mim, eu quis que ele me deixasse. Mandei-o embora da minha vida: “Suma daqui!”. “Suma!”. Assim, secamente, sem maiores explicações. Mas ele não foi. Até mesmo quando eu o mandei embora, ele permaneceu ao meu lado...

Então eu insisti. Gritei. Magoei. Xinguei. Bati. Aí descobri que às vezes as pedras quebram. Mesmo aquelas perfeitamente lapidadas, e aparentemente resistentes, quando entram em contato por muito tempo com as águas de um rio enfurecido, podem rachar. E ele rachou. Nunca mais me acompanhou. Nunca mais me consolou. Saiu pela porta, e nunca mais me viu. Consegui que ele me abandonasse, mas era tarde. As raízes já estavam muito fundas e sugavam minha força vital... Perdê-lo me fez querê-lo mais do que nunca! Mas ele rachou, foi levado pela correnteza, e eu nunca mais o terei.


Este texto é administrado por: Fernanda M.
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