Num final de tarde particularmente bonito, com os raios de sol incendiando o céu, o Gafanhoto decidiu que estava na hora de visitar o Mestre, ao qual devia migalhas de saber, cujo efeito era tornar menos opaca a ignorância na qual vivia mergulhado. Bem sabia que na condição de um dos “mais bobinhos da turma”, tudo que lhe restava fazer era abeberar-se na fonte do saber.
Ao chegar perto da entrada da caverna – lugar geométrico tradicional dos gurus – sentiu-se algo inseguro, mas logo superou esse sentimento. Encontrou o Mestre sentado na posição de lótus, mirando com fixidez um ponto indefinido, onde as retas paralelas costumam se encontrar.
– Seja bem-vindo.
– Desculpe minha intromissão. Sei que interrompê-lo na sua meditação irá me valer pontos negativos na avaliação final, mas computando o framework risco x retorno, decidi arriscar.
– Audaces fortuna juvat. A fortuna sorri aos audaciosos – em tradução livre. Aproxime-se.
O Gafanhoto lançou um olhar circular – aprendera que um olhar elíptico poderia causar distorções na percepção – mas tudo que viu não passava de um ambiente austero; as paredes nuas da rocha escavada, um cartaz “Proibido fumar”, a pilha de livros de há muito tempo intocados, tudo mergulhado na fumaça originada pela queima de incenso. Tossiu. O Mestre, também.
– Mestre, venho a pedido de um amigo, conselheiro de investimentos, e antes de tratar dos meus assuntos, gostaria de lhe encaminhar algumas perguntas. Teve direito ao mutismo do Mestre, que tanto poderia significar encorajamento, quanto a mais profunda reprovação. Decorridos intermináveis segundos, o Mestre decidiu apiedar-se:
– Tentarei ajudar, mas há uma condição. Depois farei também uma pergunta, para avaliar o quanto assimilou.
– Mestre, sei que a Petrobrás está construindo uma refinaria em Pernambuco.
– Já lhe disse que uma pergunta jamais poderá ser feita na forma de uma afirmação. Un maestro de mi categoria e fuerza jamais faz concessões.
– Perdão, ainda não cheguei a pergunta.
– Seja objetivo, Gafa!
– Essa refinaria é necessária?
– Naturalmente, sabe que apesar de ser auto-suficiente em petróleo há mais de quatro anos, o Brasil importa derivados, sendo a balança comercial negativa nesse particular.
– Como assim?
– O valor gasto com importações é maior que a receita de exportações.
– Mas é auto-suficiente.
– Gafanhoto, sempre haverá um critério segundo o qual chegamos à conclusão desejada. Por exemplo: Você me acha magro?
– Sim. Até evitei mencionar o fato. Parece muito magro.
– Errado, Gafanhoto. Sou é muito alto. Se medisse uns trinta centímetros a menos com o mesmo peso, você me acharia obeso, a medida do meu IMC seria maior que 25.
– IMC?
– Índice de massa corporal, Gafanhoto. Não está familiarizado com o uso de siglas?
– Sim, conheço algumas. PAC, FMI, COPOM... Então a refinaria é necessária?
– Não costumo mudar de opinião tão rapidamente. Não é nem questão de coerência que seria a virtude dos imbecis.
– Perdão. Soube que, para esse, a Petrobrás receberá um financiamento de uns R$ 10 bi do BNDES, parte de um pacote maior. Mais uma sigla.
– Veio me comunicar isso?
– Não, mestre. A pergunta é: Depois de uma capitalização de 70 bilhões de dólares, isso era necessário?
– Gafanhoto, o plano de investimentos da Petrobrás para o período 2011-2015 é de mais de 220 bilhões de dólares. O lucro líquido para esse período será de digamos 20-25 bilhões de dólares anuais. Mesmo com a empresa se desfazendo de alguns ativos, falta dinheiro para cumprir esse plano.
– Entendi.
– Não entendeu, Gafanhoto. Se continuar com essas interrupções nada entenderá. Nunca! Daquela capitalização – a maior do mundo, cantada em versos e prosa ufanista – uns 40 bilhões de dólares já foram gastos. A Petrobrás comprou 5 bilhões de barris a U$ 8,51 cada.
– A empresa ficou com medo que esses barris se evaporassem?
– Não, Gafanhoto. Mas é sempre bom garantir o direito de explorá-los.
– E a Petrobrás tinha esse dinheiro?
– Você não entende nada. O governo entrou com esse dinheiro que a Petrobrás usou para fazer a compra, de modo que no balanço, ao invés de Caixa ela tem os barris. Mas rápido em conta como o conheço, já viu que não sobrou tanto. Sem contar que o governo apurou uma receita com essa venda, que serviu para vitaminar o superávit primário.
– O Governo tinha esse dinheiro, para capitalizar a Petrobrás?
– Tinha... ou emitiu papel, fez dinheiro e o recebeu de volta. Entendeu?
– Ah. Que governo inteligente!
– É uma pergunta?
– Não, Mestre, é uma exclamação.
– Exclamações não requerem respostas.
– Então, voltando à refinaria Abreu e Lima, a Petrobrás associou-se à venezuelana PDVSA. Está vendo, mestre, mais uma sigla.
– Veio para me impressionar com seu conhecimento de siglas, Gafanhoto?
– Sei que jamais conseguirei impressioná-lo, Mestre. Mas voltando à pergunta, que não tive oportunidade de formular. Essa associação é boa?
– Boa para quem, Gafanhoto?
– Aprendi no curso de doutoramento que um negócio tem de ser bom para ambas as partes. Tem de ser win, win.
– Está grasnando sem razão, gafanhoto. Por que não diz ganha, ganha? Vamos pensar. Numa associação ambos os sócios investem na proporção acordada. Nessa refinaria, cujo custo não para de subir, a Petrobrás entra com 60% e a PDVSA com...
– 40%.
– Sua habilidade numérica não encontra paralelo no mundo inteligente. Já pode tentar uns testes psicotécnicos para ascensorista do Senado. É a última interrupção que tolerarei hoje. Recapitulando. O custo da refinaria, depois de triplicar em relação á estimativa inicial está, por enquanto, em uns 26bi de reais. Por enquanto, a Petrobrás cacifou e a PDVSA apenas reclama da lentidão. O presidente da Venezuela até disse que ‘há setores da Petrobrás que não gostam’, mas ele pretende resolver esse assunto quando falar com “sua amiga Dilma”.
– Isso mesmo. Foi o que li no Estadão. Mas por que será que esses setores não gostam, Mestre, se for verdade o que Chávez disse?
– É que até agora, com 35% do projeto completados a PDVSA não colocou nenhum tostão. Não me pergunte como se chegou a 35% e não a 33,8 ou 38,1%. Não é o momento de falar em algarismos significativos. É apenas um ballpark.
– O que?
– Uma aproximação.
– E por que a PDVSA não investiu ainda?
– Boa pergunta. Como dizia o grande Carl Herrmann[i], responda você mesmo!
– Não quis se precipitar. Ou não tinha.
– Correto. Daí a PDVSA pretende levantar um empréstimo com o BNDES. Somos parceiros. Como você disse, Gafa, quen,quen!
– É win, win, mestre!
– Que seja!
– Ah, com nosso dinheiro? E o BNDES emprestará?
– Para não sair mal na foto, o BNDES exigiu garantias, essa bobagem típica de banqueiro – saber se receberá de volta o dinheiro.
– Para uma empresa do porte da PDVSA apresentar garantias é difícil?
– No caso deles levou meses, até que conseguiram duas cartas de fiança cobrindo R$ 4 bi. Uma delas relativa a 1bi é do BB. – Também conheço siglas. Para os outros R$ 3 bi veio uma carta de fiança do BES português – um banco tradicional com quase 150 anos de vida.
– As cartas chegaram apesar da greve dos Correios?
– Gafanhoto, olhe o respeito!
– Então, a PDVSA não tinha dinheiro para investir, precisou de financiamento do BNDES e parte das garantias foi dada por um banco brasileiro?
– Tudo em casa, Gafa! Somos uma grande família!
– Então o projeto receberá o aporte da PDVSA?
– Por enquanto, não, mas isso deverá acontecer, assim que eles verificarem quanto já se investiu para poder pedir ao BNDES o correspondente a 40%, isso acontecerá. Fazem muito bem querer verificar. Não vão torrar dinheiro à toa.
– Então é um bom negócio?
– Chega de perguntas. Seus assuntos ficam para um outro dia. Agora é a minha vez. Pense e responda. O que é azul, está numa árvore e assobia?
– Não sei.
– Pense, Gafanhoto!
– Ma langue au chat. Desisto.
– É o presidente da Petrobrás.
– Por que azul?
– Porque assim o pintei.
– Por que fica numa arvore?
– Porque lá o coloquei
– Por que assobia?
– Foi para dificultar, Gafanhoto!
O Gafanhoto agradeceu e saiu. Uma lufada de ar gelado o fez estremecer. Caminhou, tentando entender a razão da pergunta do Mestre.
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