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Siesta
Henrique Fendrich

É uma hora da tarde, e eu acabei de almoçar. Hoje comi um pouco melhor - fui num restaurante de preço único. Estou caminhando pelo Setor Comercial Sul, pois ainda tenho tempo antes de voltar a trabalhar. Passo pelo Alô Brasília e pego a edição de hoje. Ah, então quer dizer que os médicos dos hospitais públicos do Distrito Federal estão recebendo pagamento por horas extras indevidas? Muito bonito, muito bonito. Enquanto leio essas coisas, vou caminhando até um grande banco de cimento, protegido do sol. Lá eu sento, disposto a ler o resto. Sim senhor, assim eu faço a digestão. Ao meu redor, as pessoas continuam fazendo barulhos de almoço, caminhando, indo e voltando. Estou ouvindo uma sanfona, mas tão enguiçada que corro o risco de ter uma crise de refluxo.

Na rua atrás de mim, alguém ergue a voz: "É por isso que eu me estresso". Sem dúvida, era por aquilo que ele se estressava. Não sei o que era, sei que reclamava com alguém e que se estressava. Mas será possível que não se pode ler um jornal em paz? Vejam vocês que não estão atrapalhando apenas a mim, mas especialmente esses distintos moradores de rua aqui em frente, que nesse exato momento estão deitados em um mesmo colchão, tentando dormir o sono dos justos. Pelo que vi, são três. Mas estão tão amontoados que não duvidaria nada se debaixo daquela coberta não saíssem mais uns quatro ou cinco. Gente unida, esses moradores de rua.

O que está virado para o meu lado certamente é um homem. Vejo que ele não teve o cuidado de vestir algum pijama antes de se deitar. Está com uma camisa e calça velhas. E descalço, deixando à mostra toda sujeira dos seus pés. De vez em quando abre os olhos. Mas como se consegue dormir num lugar como aquele? Como se não bastasse, ainda tem que conviver com as moscas. Agora mesmo uma delas pousou bem no seu nariz, atitude que fez com que recebesse um merecido peteleco. E quando... Mas de novo essa sanfona? Eu achei que tivesse parado. Ah, meu amigo, você não vai conseguir dormir assim não.

Muito bem. Vejamos o Zé Simão de hoje. Ele faz o que eu chamo de stand up escrito. É mole? É mole, mas sobe. Rarará! Só o homem deitado que não acha graça nenhuma. Acho que ele também precisa de um colírio alucinógeno. Pois está com uma expressão tão séria! Não, definitivamente ele não está descansando. E ainda tem esses copos atrapalhando os seus movimentos. Ele mantém perto da barriga um pacote de copos plásticos. Lamentável, bem se vê. Não contribui em nada com o meio ambiente. E não muito longe eu vejo cascas de tangerina - ou bergamota, mimosa. Enfim, aquele negócio com gomos azedos. Será possível que comeram isso antes do almoço? Ou nem almoçaram? Pois deve ser por isso mesmo que não almoçaram. Ficam comendo besteira antes e então dá nisso. Mas se não almoçaram, por que raios é que estão fazendo essa siesta? Francamente. É melhor eu me levantar e voltar ao trabalho. Sim, porque alguém aqui tem que trabalhar.


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Crônicas O maldoso Vento Sudoeste Henrique Fendrich
Crônicas Siesta Henrique Fendrich
Crônicas Em memória de Rubem Braga Henrique Fendrich


Publicações de número 1 até 3 de um total de 3.


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