O ministro ´´mãos de tesoura`` insiste em chamar o famoso ´´corte``, assunto de recentes manchetes de ´´consolidação fiscal``. Questão de gosto. Não deixa de ser questão, de mau gosto dessa vez, quantificar as economias possíveis a partir da redução de falcatruas – chamemo-las assim, com perdão pela rudeza do termo – praticadas em diversos órgãos. Se conhecidas, tão conhecidas a ponto de saber quanto se economizará com sua eliminação, (será que existe uma rubrica oculta na LDO ´´desfalques até hoje tolerados``?) por que esperamos essa consolidação redentora para efetuá-los? Como dizia aquele ladrão: ´´Primeiro, não roubei aquele anel, nem sei do que estão falando e segundo, não era de ouro, apurei só 90 reais e 60 centavos na venda``.
Esse corte ´´consolidante`` nasceu de cima para baixo, não foi o resultado de análise dos ministérios, que não sabem ainda como irão realizá-lo, e sim um ukasse, com precisão na casa de milhares de reais. Aos ministérios sobrou embalar um Mateus parido por outrem.
Há duas modalidades, óbvias, de cortar. Uma delas, conhecida como o método espanhol, consiste em chamar uma reunião, na qual Hera – a primeira-deusa – informa, olhando em direção à aura de Zeus (presença virtual e permanente no templo), que ´´Por ser o país rico aquele que não é pobre, é expressão de nossa vontade cortar do Orçamento R$ 50 bi, número obtido junto ao nosso numerólogo favorito. Faça-se! Dispersaaar!``. De imediato, os deuses de menor expressão reúnem os faunos, centauros, ciclopes, ninfas, musas (admitidas pelo sistema de cotas) e contabiloucos e pedem seu melhor esforço. A avalanche salvadora desce até o contínuo que decide não levar mais para casa os lápis da repartição, usados pela metade, adiando a decisão até gastarem 66,66%.
Dias depois, as divindades secundárias comparecem perante a principal com o fruto de suas planilhas, e tudo sobe numa salva de platina até os pés do trono reluzente, envolto numa chuva de estrelas cadentes. Um grupo de peritos em soma realiza a penosa operação e de duas uma. Ultrapassa-se o desejo supremo e só resta saber se essa proposta, mesmo mais dura vingará (risadas no público), ou, cenário mais provável, oh, lástima, fica-se aquém, e o látego entra em jogo. É convocado Hélios, deus do Sol, com seu chicote. Os cavalos Pírois, Eoo, Éton e Flégon que puxam sua carruagem são poupados do açoite, e sobra para os incompetentes que recebem um duro castigo, voltam para fazer a lição de casa, processo também conhecido como de ´´aproximações sucessivas``. Em suma, seguir-se-iam os passos de Goya, partindo da Maja vestida para a Maja desnuda, daí se falar em método espanhol. Dizem que o strip tease nasceu de forma idêntica. Não há provas.
A outra alternativa, seria o método veneziano ou de Shylock e consiste em jogar dardos, com o nome dos ministérios, em direção a um alvo provido de círculos concêntricos. Hera, o ´´Grand Guignol``, ou Miriam, irmã de Moises e de Aarão, sacam de um pote sagrado um bilhetinho com um nome. Eis que sai o nome do felizardo: ´´Ministério da Educação``. Ato contínuo, um deles atira a primeira pedra, perdão flecha. Zup... dardo número um – Ministério da Educação – finca-se no alvo; os árbitros (com PHD em agrimensura, passagem pelo INCRA etc.) medem, interpolam e extrapolam. Conclusão, uma vez feita a média das médias das medidas corrigida por um multiplicador paretiano, chega-se 3.101.894 mil. ´´Taí a tarefa de vocês. Terão de cortar isso sem verter uma gota de sangue``. Há uma tentativa de negociação, já que de acordo com Heisenberg conhecida a velocidade da flecha, a posição não pode ser definida, logo o número não é confiável. Em vão. A tríade responde secamente: Virem-se. Um dos raros antiantiamericanos presentes berra: Go!
O jogo prossegue, o alvo é substituído por um novo, no qual consta somente a diferença entre o sonhado objetivo e o corte anterior. Entra em cena o segundo atirador, enquanto o primeiro refaz suas energias, e assim sucessivamente. Os entendidos em física quântica já perceberam que não será necessário atirar a última flecha, já que o valor do último alvo será exatamente aquilo que falta para atingir os sonhados 50 bi, independentemente da posição do dardo.
Para aqueles que não entenderam recomenda-se assistir o filme “Lula o filho do Brasil” – haverão de gostar.
Existe isso? Só em planilhas Excel. Dizer que o Ministério da Educação, escolhido como exemplo, sofrerá um corte de R$ 3 bilhões faz sentido, goste-se ou não. Dizer que o corte será de R$ 3.101.894mil (Valor 1/3 A3) mostra apenas um solene desprezo pelos algarismos significativos. Espera-se do parlamentar Tiririca um posicionamento firme nesse sentido, competência não lhe falta.
Falta explicitar se os conceitos foram bem assimilados. Cortar uma despesa cujo desembolso ocorrerá em 2012, evitando o critério ´´caixa`` não é a mesma coisa que deixar de gastar em 2011. Como se não bastasse ter de administrar restos a pagar! Deixar de pagar em 2011 e empurrar (com a barriga e/ou caneta) para 2012 é sinônimo de jeitinho esperto, não de honestidade intelectual. Administrar ´´na boca do cofre`` dá um inegável sabor de executivite, mas parece um processo primitivo, embora já tenha sido utilizada em ´´terra brasilis``. Ministrar uma dose de realismo no Orçamento, desinchando receitas propositalmente infladas sem nenhuma base (só para atender as bases, com o perdão do infame trocadilho), para efetuar cortes nas famosas emendas clientelistas, a rigor significa apenas ´´não tirar mais de onde já não tem``, ´´não aumentar conscientemente o buraco``, o que para um purista poderia ser diferente de ´´gastar menos``, embora as planilhas não sejam sensíveis a esses pormenores. Finalmente, cortar gastos com viagens, diárias, viaturas, reformas de gabinetes etc. é uma postura salutar mas seu efeito corre o risco de causar um tsunami atrás da vírgula.
Algumas medidas podem impressionar. Usar a caneta BIC até o fim para ter direito a uma nova é uma medida impactante. ´´Mas eu uso uma caneta Cartier`` arrisca um dirigente de estatal, conhecido pelo seu apego à mentira, já que até as esculturas de Aleijadinho sabem que ele usa Montblanc; convoca-se uma sessão extraordinária no Parlamento para discutir, a base governista, com seu rolo compressor, prevalece e as canetas Cartier são banidas, exceção feita para os alérgicos a BIC, mencionados num parágrafo único, e nosso dirigente continuará usando sua Montblanc recebida de um fornecedor no Natal... (o que não é proibido é permitido, alegará em sua defesa perante a CPI das Canetas, conseqüência da Operação Tempestade em copo d´água, promovida pela PF). Outro exemplo de economia consiste em usar o elevador somente para subir mais de um andar ou descer mais de dois. É uma fonte de grandes economias, mas entra em cena o Ministério da Saúde, a ANVISA e após muita discussão, (vantagens do esforço aeróbico x perigo de acidentes e custos indenizatórios), cria-se um algoritmo em função da idade do funcionário e do número de degraus indicados para subir ou descer. Cada funcionário comissionado recebe uma tabelinha plastificada (impressa na Gráfica do Senado ou terceirizada), a ser usada junto com o crachá funcional, trocada anualmente – funcionário envelhece, não se esqueçam! – e poderá aproximar o valor da tabela para o número de degraus entre os andares do seu prédio. Em caso de deslocamento em missão, na tabela entra um fator multiplicativo K sempre maior que zero e menor que 1. O processo, aplicado a meio milhão de funcionários – descontados os gastos com a produção da tabelinha resulta numa economia estimada de R$194,74. É pouco, mas é de coração.
No reino da escatologia entra a proposta do uso frente e verso do papel higiênico, recomendação resultante de uma interpretação errônea de um relatório da GêVê que, na sua versão inicial, recomendava a redução do número de diretorias no Senado.
No reino da moda, a emenda “Belo Brummel” abole (parece esquisito, mas está correto) o auxílio paletó por um econômico auxílio camiseta, impossibilitando a desculpa ´´deve estar na repartição a paletó está aqui``.
No reino do anacronismo, entra a ressuscitação (também parece esquisito, mas o Houaiss aceita) do uso de bondes, datada de 1894. Uma comissão interministerial atualiza a resolução com a introdução dos BAV – bondes de alta velocidade.
No reino da fantasia, um economista, vergando sob o peso de seus PHDs, explica que injetar dinheiro no BNDES (desde que vindo de outra galáxia) terá efeito neutro sobre a dívida brutal do País, e, ao incrementar a oferta, acalmará a procura, tornando supérfluas medidas prudenciais, que, como todos sabem, significam sair de guarda-chuva durante um forte aguaceiro.
No reino da marcenaria, surge um decreto secreto: Tornar uniformes os tamanhos das caixas; assim, o significado de caixa dois desaparece. A moralidade sai ganhando.
No reino do folclore, aplicando-se o princípio da retirada do bode da sala, criam-se mais cinco novos ministérios, para, imediatamente, cancelar quatro deles, com economia estimada em dois absurdilhões de rúpias até 2014, integradas, de imediato às reservas do País e transferidas ao Fundo Soberano, que adquire 1 bilhão de barris do pré-sal pelo processo da ´´sessão dolorosa``.
Um parente distante de Drácon tenta introduzir um sistema de penalidades para os infratores de tão saudáveis práticas. É afastado sumariamente e hesita entre filiar-se ao PSOL, ou fundar um novo Partido.
Enfim, que o desânimo não sirva de pretexto para criar uma CSS (contribuição sem sentido) a fim de, ´´esgotadas as alternativas``, vitaminar as finanças. Já bastam as ´´inovações`` introduzidas com injeções no BNDES sem efeito líquido mas com consequências sólidas.
Quanto a adiar a Copa do mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, uma comissão especial já iniciou seus estudos. Prazo de entrega do relatório final: Fevereiro de 2018!
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