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O Namoro na infância
Márcio Alessandro de Oliveira

Resumo:
O texto discorre sobre o namoro na infância tendo como ilustração um caso de duas crianças de doze anos que se beijaram no ônibus de uma excursão escolar e defende a opinião de que crianças tem todo o direito ao namoro e a troca de beijos, inclusive na escola.

Uma semana depois do último Dia dos Namorados eu fiquei sabendo que um garoto de doze anos da turma do curso de inglês que eu faço aos sábados trocou beijos com uma garota da mesma idade no ônibus de uma excursão da escola dele. E eu soube disso graças a professora do curso. E não foi por menos: Ela é a mãe da menina que beijou o garoto da minha turma de inglês, que é composta por pessoas de várias idades.
   A professora, muito bem humorada, soube contar pra turma que um dos seus alunos é seu genro de um jeito muito divertido, mas sem desrespeitar ou envergonhar (muito) o menino, o que prova que ela não é uma dessas mães puritanas e moralistas que ainda há por aí. E é bom pro garoto que ela seja legal e condescendente, porque não seria nem um pouco bom pra ele ter uma sogra quadrada como professora, mesmo que ele seja bom aluno.
   Mas o que me deixou um pouco incomodado no dia em que todos na sala ficaram sabendo da troca de beijos entre as duas crianças (e eu uso a palavra “crianças” porque, graças a psicóloga Rosely Sayão, eu não acredito mais que existam “pré-adolescentes”) foi a opinião de uma amiga minha que também faz o curso de inglês comigo e estava em sala quando a professora anunciou quem era seu genro. Segundo a minha amiga, a escola não devia ter permitido que os dois namorassem no ônibus. “Por que não?”, eu perguntei. a ela. “Eles são muito novos”, ela respondeu. Eu insisti e disse: “Eles namoram de acordo com a idade deles, e não como pessoas de quinze ou dezesseis anos namorariam. Eles não fizeram nada que você não faria no lugar de um deles”. Então ela lançou a tréplica dela: “Mas a escola não tem que incentivar”. Eu rebati: “Não tem que incentivar e nem desincentivar. E ela não incentivou. Eu acho a sua opinião um pouco moralista”. “Mas a escola não pode permitir isso”, ela disse. “Eles se beijaram no ônibus de uma excursão, e não em sala de aula”, eu respondi. Houve um momento em que nós ficamos calados observando a professora descontrair a turma falando sobre o namoro da filha (o que devia deixar o genro dela um pouco encabulado). Por fim eu retomei o fio da discussão e falei: “Os adultos só vêem nas crianças a malícia que eles mesmos têm”. Então a minha amiga apresentou o seu último argumento: “Você não fez o curso Normal, não é professor. Você é uma pessoa de fora". Nesse momento eu me aborreci um pouco e falei: “Esse argumento é muito frágil. Quer dizer que eu tenho que ser médico pra saber sobre alguma doença ou ter uma pra saber os sintomas dela?". “Ah, faça-me o favor!”, eu esbravejei. Depois disso a professora começou a dar a sua aula e nossos cérebros ficaram ocupados com a matéria de inglês.
   Como vocês devem ter percebido, a minha amiga fez o curso Normal. Ela dá aulas pra crianças em uma escola durante a semana, inclusive. Embora eu não tenha dito a ela pessoalmente uma outra coisa que eu penso a respeito do último argumento dela, eu vou dizer agora: Ela falou como se a opinião geral e instituída do curso Normal fosse a de que crianças não devem namorar, muito menos na escola. Eu não acredito que todos os que fazem ou fizeram o curso Normal pensem assim. Aposto que há muitos educadores muito mais graduados que pensam diferente. Acontece que ainda há pessoas que acham que as crianças são seres inferiores aos adultos e que a flor da inocência delas pode ser esmagada com uma suposta perversão que alguns beijos na boca podem trazer. Essas pessoas, por terem um título, um diploma ou alguma autoridade, submetem os pequenos ao crivo estúpido da sua própria moral, mesmo que não percebam, e tentam se justificar com a condição de pai, de mãe ou de educador. A minha amiga provou isso pra mim ao dar uma opinião conservadora e moralista sobre o namoro de duas crianças e tentar justificá-la com a sua graduação, sendo que o fato de ela ter feito o Normal não tem nada a ver com o seu ponto de vista. Se ela não fosse professora, ela pensaria do mesmo modo.
   Não aceito o argumento de que crianças não podem namorar porque são muito novas pra isso. O amor, ou uma grande empatia, pode surgir em qualquer idade. Proibir que crianças namorem é apenas adiar o inevitável. Todos um dia vão envelhecer; ninguém será jovem pra sempre. É bom que desde cedo se possa aproveitar a juventude. Duas crianças não vão transar ou cair na promiscuidade com tão pouca idade. Isso pode acontecer apenas na adolescência, que é uma fase diferente da vida. Além disso, do namoro de duas crianças não pode sair nenhum bebê. Por que ser contra então? Não que a capacidade de fazer filhos seja motivo suficiente pra impedir que pessoas namorem (se fosse assim a grande maioria dos adolescentes seria trancada dentro de casa), mas alguns adultos parecem pensar que os guris podem dar netos de tão grande que é a não-aceitação do namoro na infância por parte de algumas pessoas.
   Quanto a namorar na escola ou no ônibus de uma excursão, isso não é nenhum absurdo. A escola não se limita a sala de aula, ainda mais quando se é criança. Todas elas gostam de brincar no pátio na hora do recreio ou de cantar músicas durante um passeio escolar. Se a escola também é um lugar pra brincar, conversar e cantar, por que ela também não pode ser um lugar pra namorar? E este é o principal ponto da discussão com a minha amiga. Ela acha que a escola não é um lugar pra crianças namorarem. Eu acho que é. Se elas têm vontade, é justo que elas aproveitem o espaço da escola, desde que não façam isso durante as aulas. Elas passam muito tempo na escola, e namorar dentro dos limites dela é mais fácil do que namorar em casa. A escola forma pessoas falhas que, como todas as outras, tentam agir obedecendo a lei e os próprios códigos de conduta, e não santos imaculados e castos ou padres e freiras assexuados.
   Contudo, o fato é que o garoto de doze anos da minha turma e a filha da minha professora de inglês sentem algo um pelo outro. Eles se gostam e fizeram algo muito bom no ônibus da escola. Temos que acabar com esse dogma cultural de que crianças não devem namorar ou se beijar. Mas a verdade é que ninguém assume a responsabilidade pela educação sexual dos filhos. A culpa de tudo que acontece de indesejável na adolescência, como uma gravidez, é sempre da televisão, da mídia, da sociedade, nunca é dos pais. Portanto, ainda vai demorar um pouco pra que todos sigam o exemplo da minha professora de inglês.


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