Dia desses, noite escura, tempo nublado e garoa fina caindo, parei em um posto de gasolina para abastecer o carro, quando fui abordado por um estranho que, apesar das roupas - um gorro surrado, já amarelado pela sujeira, calça e casaco amarrotados, aparentava possuir um vasto conhecimento, tal a forma como me abordara: "Por obséquio! Poderia falar um minuto com vossa senhoria?"
Confesso que, motivado pelo medo, muitas vezes ignorei conversas alheias, mas ao ouvir aquelas palavras, senti-me atraído, com uma vontade louca de conversar com aquele sujeito, cuja aparência beirava os 70 e poucos anos.
Perguntei então o que desejava. Foi quando tive uma surpresa. Ele nada queria... Nem dinheiro, nem cigarros (apesar de que não fumo), nem vender qualquer tipo de produto. Curioso, afastei-me, pensando que fosse um assalto ou algo do tipo. Imagine aquele homem a isca de uma quadrilha para me levar o pouco que tinha?
_Acalme-se, moço! - pediu-me ele, com sereno tom de voz. Não quero nada seu... Nada! - um sorriso lindo brilhou naquela face seguido por lágrimas, algumas apenas, que lhe desciam a face, sem rumo. Fique tranqüilo, eu não quero nada do senhor!
_ Então por que me abordou? – questionei-o, abismado com a sua sinceridade. Em que posso ajudá-lo?
_ Preciso de um simples favor...
_ E o que seria? - entrecortei-o, com os olhos a correr seus trajes.
_ Sua atenção! Só!..É possível?
Não estava entendendo nada. Encostei-me no carro e ouvi o que tanto tinha para me dizer, foi aí que percebi que nós, seres humanos, somos tão arrogantes, incapazes de sentir a tristeza alheia e compadecer-se das dores daqueles que tanto necessitam de nosso apreço. De fato, aquele homem nada queria, aliás, queria sim, e era tão pouco! Apenas conversar...conversar...conversar..! De um possível assalto a uma conversa franca com um desconhecido. Que bela peça do destino!
Cada palavra que dizia, cada frase que formava, mais profundamente eu sentia o remorso me cutucar, perfurar meu coração, fazendo-me também chorar. Como pudera ter pensado tanta coisa ruim daquele homem? Com que direito minha mente ultrapassava a divisão das terras demarcantes da dúvida e da certeza, rendendo-me ao verme do medo, que nos faz primeiro agir para só depois pensar? Meu Deus! Como eu estava envergonhado!
_ Obrigado, meu jovem! Que Deus lhe pague por esses minutos... - E lá se foi o homem, sumindo aos poucos na escuridão.
_Quem era? Queria lhe assaltar? - perguntou-me um frentista, aproximando-se.
_Eu que lhe roubei... –respondi, em meio à reflexão.
_CO-MO AS-SIM? - indagou o coitado, com os olhos arregalados, dando um passo para trás. E... o que lhe roubou?
_...a SABEDORIA! - completei a frase, com um largo sorriso no rosto.
O rapaz certamente achou-me também louco, a ponto de se afastar de vez. Limpei as lágrimas, resolvi abastecer outro dia, entrei no carro, dei a partida e, ao andar algumas quadras, percebi que o pneu havia furado. Estava diante de um ponto de táxi. Paguei a um taxista para que trocasse o pneu e, durante o serviço, conversamos sobre o ocorrido, quando o homem, completamente extasiado, deixou a roda cair e correr pela lateral, para me perguntar:
_MO-MO-ÇO... O QUE ES-ES-TÁ ME DIZENDO?
Repeti a história.
_ E-ELE USAVA UM GORRO E UM JOGO DE PALETÓ BEM ENVELHECIDO?
Confirmei a descrição.
_Esse homem morreu há 10 anos, vítima do abandono familiar. O filho o trancou num quarto e o deixou lá padecer, em cima daquela cama, vítima de uma terrível doença... Quando o acharam, junto ao corpo havia um bilhete, com as seguintes palavras: “Eu não queria nada desse mundo, apenas conversar, sentir as pessoas, ser um ser humano de verdade... Enfim! Isso eu nunca consegui! Para mim, o amor nunca existiu! Está morto!"
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