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O menino e o passarinho
Lucas Menck



Um menino passava todo dia por uma rua calma, indo para a escola. Naquela rua havia um muro que não era muito alto mas que era longo, quase tomava conta da quadra inteira. Pelo comprimento do muro o menino sabia que escondia um quintal imenso.
Todos os dias, passando por ali, o menino ouvia o gorjeio de um passarinho. Era um canto tão bonito. O menino estava aprendendo a assoviar com aquele incrível professor. Ensina sem querer ,e muito bem, quem vive o que ensina.
E o menino, que só ouvia o canto da ave, passou a sonhar com ela. Sonhava acordado. Em pensamento via o passarinho colorido, feliz, cantando empoleirado. Em pensamento ele colhia delicadamente o passarinho em sua mão e o acariciava. Em pensamento ele implorava ao passarinho para que fosse dormir quietinho porque ele menino precisava fazer a lição. O menino, em seus momentos de solidão, no quintal da casa onde morava, falava com o passarinho que em sua mente respondia.
Nossa! Foram longos papos. Sonhos, aventuras na floresta, momentos de repouso junto a fontes de águas límpidas. Apostas de corridas.
Aqueles sonhos todos fizeram com que nascesse no coração da criança uma vontade impossível de conter. A vontade ver o passarinho. E aquela vontade foi crescendo e crescendo. E o menino imaginando como se aproximar, porque não desejava assustar. Queria apenas ver e estava preparado para vencer o desejo de oferecer o dedo para que a ave lhe viesse à mão.
Um dia ele não suportou aquele desejo e subiu no muro.
Primeiro foi difícil subir. Era preciso ter força nos bracinhos, ferir os joelhos raspando-os nos tijolos, e cuidar para não cair.
Chegou ao topo cansado, com o coração batendo forte na antecipação do prazer de ver a ave.
Mas o que viu o deixou muito penalizado. Havia um quintal grande e vazio de flores ou de frutos. Só existia terra nua, seca e partida, com trincas imensas, como as almas das pessoas que não recebem demonstrações de amor. E, pendurada em um pequeno poste, havia uma gaiola pequena. Dentro da gaiola, o passarinho preso.
Deus do céu! Que dor no coração!
O menino chorou impotente ali no muro, angustiado por se sentir muito pequeno para livrar o seu pequeno amor do cativeiro.
Ele nem foi para a aula. Voltou para casa e chorou escondido para não preocupar a mãe, a quem disse ao chegar que se sentira indisposto e não desejara ir à aula. Só isso já era motivo de sobra para se sentir culpado pela preocupação da mãe. Mas queria chorar e chorou escondido.
De tanto chorar, dormiu.
Quando acordou estava renovado. Tinha em mente uma forma de ajudar a ave.
-- Mamãe – disse ele – eu já volto.
-- Onde vai?
-- Vou pedir o caderno de um amigo e copiar as lições de hoje.
A mãe o abraçou emocionada. Ele quase contou a verdade, mas teve iniciativa. Disse:
-- No caminho vou ver aquele homem que gosta de passarinho.
Foi bater diretamente na porta daquele homem.
-- Olha – disse ele assim que o homem veio atender – Aquele passarinho está preso. Por que o senhor não abre a gaiola?
O homem sorriu, ofereceu doce, pediu para que entrasse.
-- Não! Eu não quero entrar. Quero que solte o passarinho.
O homem acocorou-se ao lado da criança. Disse calmamente:
-- Se soltar ele morre. Não o prendi. Alguém o prendeu e eu comprei porque gosto do canto. E ele pode morrer porque não sabe viver solto.
O tempo passou. O menino fez um pouco de amizade com o homem do passarinho. O homem o recebia, dava doce, oferecia refrigerante. O menino fazia de contas que não amava o passarinho. O homem nem desconfiava daquele amor proibido.
Então, houve um dia em que o homem cavou um poço no quintal. Um poço fundo, procurando água.
E lá estava o homem com uma picareta quebrando pedras para afundar ainda mais o poço. Descia e subia por uma corda amarrada a um cavalete de madeira.
O menino, danadinho, soltou a corda que caiu sobre a cabeça do homem lá em baixo.
-- Hei! gritou o homem – Não pode fazer isso. Agora eu não posso mais sair daqui.
-- Mas eu não posso fazer nada – gritou o menino .
-- Claro de pode! - Ache um modo de me tirar daqui!
-- Vou pensar em um modo, pode deixar. Primeiro eu vou à aula. Depois a gente vê como fazer.
-- Nada disso! Chame seu pai, chame alguém.
-- Mas nem meu pai nem ninguém tem culpa. Eles não o prenderam aí e não podem fazer nada.
Depois que o homem passou bastante medo de permanecer no buracão e acabar morrendo de frio e de fome, o menino voltou da aula e pôs a cabecinha na boca do poço.
-- Oi! Esta me ouvindo?
O homem estava com todo o corpo dormente. Respondeu com voz sumida.
-- Achou uma corda?
-- Não!
-- Chamou seu pai?
-- Não!
-- Seu pilantra! Corra, vá chamar alguém.
-- Eu quero que solte o passarinho. Se prometer isso, chamo meu pai.
O homem prometeu e as coisas voltaram ao normal. O passarinho voou para cantar onde lhe viesse na cachola. Preferiu um bosque próximo, onde vive até hoje.
Mas a história não terminou.

O menino sentiu pena do homem que já não tinha o passarinho cantando no quintal.
Guardou moedinha por moedinha que ganhava dos avos e comprou um CD onde um repórter havia gravado os contos de muitos pássaros.
Bateu na porta.
O homem veio atender.
Recebeu o CD, abraçou o menino beijando e chorou emocionado.
Não estranhe que ele tenha chorado.
De amor a gente também chora. E ele aprendeu a amar aquela criança levada da breca.


de nosso blog Venturas do Viver
escrito para minha parceira  Janinha

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