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UM HINO AO AMOR
Lucas Menck

UM HINO AO AMOR

Ela havia tomado chuva, andando na rua sem nenhuma proteção. Ele estava olhando pela janela e viu quando os pés dela desapareceram nas águas escuras da enxurrada. Em menos de meio minuto estaria no apartamento e ele queria ter uma toalha de banho nas mãos para confortá-la.
-- Você tem muita sorte, sabia? Acabei de tomar um banho e a água está quente.
-- Eu estou gelada. Que ódio. Olha só os meus cabelos.
-- Enquanto você toma banho vou aquecer água. A gente toma um chá.
Ela estava segurando a toalha enrolada no corpo, sobre a roupa molhada. Em pé, no meio da sala, frente a frente, olhos nos olhos, em silêncio que ela rompeu.
-- E eu havia dito que não voltaria mais. Lembra?
-- Não voltaria mesmo. Mas a chuva limpou o céu e você veio. Agora está tudo bem.
-- Não está tudo bem.
-- É! Não está mesmo. Você está molhada e não gosto quando não está molhada no lugar certo. Vamos tirar essa roupa, secar esse corpo e vamos tomar um chá. Depois nos sentamos na sala como nos velhos tempos, para falarmos de Nietzsche.
Ela sorriu.
-- Foi por esses nossos papos cabeça que jurei não voltar.
-- Então falamos sobre outra coisa. Não suportamos filsósofos tentando desmascarar preconceitos.
Ela riu novamente.
Depois do banho, usando um dos pijamas dele ela tomou do chá na cozinha. Mantinha uma toalha enrolada na cabeça e os olhos dela estavam sem brilho.
-- Quer me contar?
-- Não. Eu não quero contar nada. Eu quero apenas perguntar.
-- Então pergunte.
-- Mesmo depois... mesmo agora, ainda gosta de mim? Como disse que gostava?
-- Como não? Nada mudou. Brigou com ele?
-- Ele não cabe neste assunto. Eu quero saber se ainda gosta de mim.
-- Que tolice. Você não vai morrer.
-- Já estou morta. Você tira de um lugar e aparece no outro.
-- Eu entendo.
-- É por isso que eu imploro para que você faça aquele exame. Uma vez por ano precisa fazer o exame.
-- Eu sei. Agora quero que venha comigo. Vamos conversar na sala. Quero que descanse. Hoje você dorme aqui.
-- E vai me beijar também?
-- Não sei.
-- Na última vez não me beijou.
-- Não. Não a beijei na última vez.
-- Teria me beijado. Mas virei meu rosto.
-- Foi. Foi assim mesmo. Mas já passou. Quer um beijo agora?
-- Quero.
Ele a beijou delicadamente nos lábios e arrastou a cadeira para que ela se levantasse. Foram para a sala. Ele comprara uma poltrona confortável sem dizer que a comprara para ela. Brincou:
-- É uma cadeira elétrica. Você se acomoda e se desejar pode fazer massagens no corpo todo. Se gostar, posso mandar levar. Entregam no mesmo dia.
-- Então é como um carro?
-- É! É como um carro. É como um livro. É como uma poltrona. Exatamente assim. Qualquer coisa que lhe proporcione conforto é exatamente a mesma coisa.
-- Já lhe falei que não quero. Você me dá um carro e ele usa. Você me dá uma cadeira desta e ele se abanca para ver o futebol. Eu não quero.
-- Ele não cabe em nossa conversa, lembra?
-- Só tentei explicar porque não quero que me dê nada.
-- Quero fazer uma pergunta.
-- Posso não responder.
-- Gosta de mim?
-- Não! Gostasse e teria me casado com você. Não sei como me suporta. Éramos noivos e eu me casei com outro.
-- Eu sempre amei você. Todo mundo ama você, sabia?
-- Eu não quero me sentar nessa poltrona.
-- Não?
-- Não! Eu quero dançar com você. Dançar ouvindo Hino ao Amor.
-- Como nos velhos tempos?
-- Como nos velhos tempos. Como quando éramos noivos e você adorava ouvir Hino ao Amor. Prometeu que seria para toda a vida.
-- Prometi?
-- Prometeu.
Ele ligou o computador e o som de Edith Piaf invadiu a sala imersa em penumbra.
Começaram a dançar. De rosto colado. Ele sentiu as lágrimas dela em seu rosto.
-- E se me deixar excitado?
-- Prometeu e cumpriu. Disse que seria para a eternidade.
-- Prometi e cumpri. Amo você. Mas estou ficando excitado.
-- Eu sei. Que bom. Estou sem nada por baixo desse seu pijama incômodo.
-- Como nos velhos tempos?
Ela olhou para os olhos dele e sorriu chorando.
-- Como nos velhos tempos.
Começou a chover muito forte, a luz apagou. Só por um segundo um raio iluminou a noite e na última imagem visível eles estavam em pé, frente a frente, trocando um beijo apaixonado.
     


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