NAQUELA PONTE
Um soldado bloqueava a passagem tentando ser gentil. Pessoas chegavam curiosas e preocupadas, a maioria sem saber que seria preciso encontrar outro caminho para casa naquela noite. Vozes de revolta levantavam-se contidas. Em uma rodinha meia dúzia de contribuintes acordava para o valor anual dos impostos que afundavam as mãos em seus bolsos.
Foi em razão da queda da ponte que ele a viu pela primeira vez. Estava sozinha e parecia bastante preocupada. Ouvia - porque não era possível deixar de ouvir - os comentários e as explicações que passavam uns aos outros, excitados. Não perguntava nada a quem quer que fosse. Não abria a boca para repassar nenhuma palavra ouvida. Contudo, seu porte era de surpresa e indecisa.
-- Que abacaxi – disse ele.
Ela aparentou não ter ouvido o comentário.
-- Está muito tensa.
-- Claro que não – ela respondeu com um sorriso irônico – foi só uma ponte que ruiu.
-- Mora onde?
-- Vai perguntar se moro do outro lado? Incrível. É! Moro do outro lado, estou cansada e de mau humor. Você vai dizer que devo manter a calma, que isso acontece.
-- Deve manter a calma. Isso acontece.
Ela riu.
-- Melhorou! – disse ele rindo.
Uma empresa contratada em caráter emergencial despejou operários às margens do rio para os reparos, mas a ponte permaneceu interditada por vários dias. E todas as tardes ele a procurava pelas imediações. E em todas as ocasiões voltou frustrado. Em seus momentos de reflexão chegou a imaginar que ela não existia no mundo real.
A ponte finalmente ficou pronta. Centenas, milhares de pessoas passam por ela todos os dias de um lado para outro.
É uma ponte estreita para pedestres.
E todas as tardes ele a procura inutilmente.
No coração ele guarda uma certeza: A de que encontrou e de pronto perdeu seu amor naquela ponte.
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