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Tribunal do júri
Da série: Vida Loka
Valter Ferraz

Resumo:
história da perfieria com suas mazelas e violência

Tribunal do Juri
Da série: Vida Loka

As quintas-feiras são os dias nervosos. Não é como as sextas, véspera de balada. Muitas vezes o final de semana já começa na sexta e daí, fica muito bom. Feriado prolongado na segunda-feira então, é a festa.
No entanto, o diabo é a quinta-feira. A bandidagem acorda ressabiada. Na quebrada também é assim. Mas o motivo é outro.

O Rato andava abusado. Resolvera tirar todas as diferenças e já tinha avisado: não iria sobrar ninguém. Era só questão de tempo. Por isso, quem tinha alguma pendência com a Firma andava ressabiada.
O clima pesou bem antes da execução do Bugalú. Ele foi só mais um que pisou no tomate e se deu mal.
Na semana seguinte foi o Tchula. Mesmo cenário e o roteiro não seguiu diferente. Logo de manhã, lá pelas onze o Rato chamou o Guguinha. Tomaram a primeira cerva, colocaram o candango na viatura e se mandaram para o Taboão.
Dessa vez a diferença foi que pouparam o mané de cavar a sepultura. Aquilo foi castigo para o Buga que era muito tranqueira. Com o Tchula o Rato foi mais humano. Mandou o Guguinha passar superbonder na boca do sujeito. E foi fazendo as perguntas. O cara tentava falar e não conseguia. O desespero foi tomando conta. Os olhos esbugalhados pediam clemência.
O Rato muito invocado mandou o Guguinha demorar bastante com a coisa. De dentro do carro onde falava ao celular só escutou um tiro. Depois o intervalo e mais um. Depois de um tempo, dois seguidos. Mais uma série deles. Depois o silêncio.
Ligou o carro, veio de ré até onde estava o morto. Passou em cima dele. Avançou. Voltou novamente por cima. Várias vezes.
Saíram de lá, passaram no Gaúchão e mandaram ver um rodízio. Tomaram muita cerveja e trocaram umas idéias. Aqueles meses no presídio tinha abalado o moral e o Rato andava com sangue nos olhos. Além disso, o conforto na cadeia custa uma nota preta. Com a sua saída, voltaram às saidas de bancos. Era alí que estava a grana. E a polícia cada dia mais exigente com o pedágio. Tinha que pagar o arreglo, se não, era cana na certa.
Durante o almoço ficou decidido. Precisavam dar um jeito na Sil. A morena andava abusada e depois da morte do Buga andou falando bobagem. O Rato tinha dado um enquadro nela e percebeu que ela tremeu. Sabia demais e tinha a língua solta. Seria a próxima.

Durante a semana um fato mudou a sequência. O Turquinho voltou de Pres.Bernardes. Puxara uns tres anos de cana braba. Só saiu porque o gravata foi ligeiro e conseguiu quebrar uns artigos e reduziu a pena. Com a condicional, saiu antes do previsto. Mas o advogado avisou: Fica esperto que tem outros processos em andamento e voce pode ser pedido a qualquer hora, talvez nem dê tempo de sair. Mas saiu e andava alí pelo bairro curtindo a vida de liberdade.

O Rato trocou uma idéia com ele e resolveu colocá-lo na próxima fita. Vamos testar o Turco, pensou. Vamos ver se está ligeiro ou se o hotel deixou ele molenga.
Na quarta-feira fizeram um banco no Morumbí. Parada sinistra, rendeu uma puta grana.

Às quatro da manhã atravessaram uma carreta no meio da avenida bem na esquina que dava acesso à agência bancária. O Turquinho pegou a chave da carreta que estava no contato e jogou no bueiro do outro lado da rua. Na outra ponta da avenida os caras colocaram dois carros atravessados na avenida. Ninguém passava. Além disso fizeram um mini arrastão nos poucos carros que se aproximavam. Roubaram uns quatro ou cinco, colocaram todo mundo deitado no chão, no meio da avenida.

Lá dentro do banco a função transcorria normal. O maçarico cortou os ferros, um carrinho usado para transportar páletes em supermercado foi usado para arrastar os caixas eletrônicos. Foi tudo para a caçamba do dobló. Dalí, ganharam a rua e se mandaram. A situação estava confusa porque na fuga o Turquinho se apavorou com o paraíba, segurança do posto de gasolina e meteu fogo nele. Virou um auê e o furdunço só aumentou a confusão. Saíram loucos pelo asfalto enquanto os motoristas tentavam socorro para o segurança que se contorcia na calçada. O alarme do banco acionara e os primeiros carros de polícia vinham chegando.
Para complicar, um helicóptero de televisão foi fazer um razante, bateu na fiação elétrica e foi explodir duas quadras abaixo.

Os caras chegaram na vila e já foram dispensando o material. O Rato mandou que dois carinhas se desfizessem dos caixas eletrônicos depois de esvaziados. Levaram lá para os lados de Parelheiros e tocaram fogo. Largaram o carro por lá mesmo e voltaram de moto.
À tardinha fizeram a partilha. Tirando as despesas, os arreglos e tudo o mais, sobrou cinco mil para cada um. Estava de bom tamanho, pensou o Rato enquanto guardava os seus vinte. Depois iria depositar que não era besta de ficar com tanto dinheiro em casa.

A noite chegou e foram para a balada. Tinha um rapper americano e iria tocar no Credicard Hall. Foi todo o mundo prá lá. Na saída pararam numa lanchonete na Marginal Pinheiros. Tomaram muita cerveja e jogaram conversa fora. Manhã chegando e eles foram para casa. Já era quinta-feira e tinha tribunal.


Biografia:
BIOGRAFIA Valter Ferraz, 51 anos é morador hoje, de uma cidade no litoral sul paulista. Nasceu na cidade de Araçatuba/SP. Foi para a capital aos quatro anos de idade, considera-se pois mais paulistano que paulista. Morou no bairro do Capão Redondo, por mais de quinze anos. Ainda tem forte ligação com o bairro situado no extremo da zona sul da capital. Não é adepto de nenhum tipo de apologia, não se sente excluído, acha inclusive essa palavra tão em moda, exclusão pouco apropriada e indevidamente colada aos moradores da periferia. Seriam excluídos verdadeiramente do quê, ele pergunta. De seu tempo de morador do bairro leva boas e más recordações, cada uma a seu tempo. Não pretende exortar ninguém a empunhar nenhuma bandeira. Lança um olhar cuidadoso em direção à realidade de quem ainda mora ali. Capão, Outras histórias é sua estréia como escritor. Trabalha ainda em mais dois projetos. O Muro, pequena obra de ficção, sobre as difíceis relações entre as pessoas, suas angústias seus medos; Histórias no metrô, livro de contos com histórias tendo como pano de fundo a linha Norte-Sul do metrô paulistano. Tem um blog na internet onde escreve diariamente. Endereço na internet: http://perplexoinside.blogspot.com Livros que marcaram sua vida: Monteiro Lobato, coleção completa lida aos sete anos de idade. Foi alfabetizado em casa aos seis anos, “lia” as manchetes do jornal O Estado de S.Paulo; Jorge Amado, Capitães de Areia. Ao ler este livro,aos treze anos, decidiu: vou ser escritor; Érico Veríssimo, na mesma época só reafirmou a promessa. Na fase adulta, Henry Miller ocupou sua mente. Aos dezesseis anos foi para o Seminário de Pirapora do Jesus, permaneceu lá dois anos e meio. Descobriu que não tinha a vocação desejada. Sua estada por lá rendeu um mergulho profundo nas águas da filosofia, teologia e história da igreja. Descobriu Agostinho, Tomás de Aquino e San Juan de La Cruz. Escondido dos olhos perspicazes do reitor e do padre mestre, leu Nietzche, Sartre e Simone de Beauvoir. Crê em Deus e na humanidade, apesar de tudo.
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Publicações de número 1 até 4 de um total de 4.


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