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Como nossos pais |
Valter Ferraz |
Resumo: Um olhar sobv o cotiiano numa estação do Metro, cronicas urbanas. |
Esta postagem foi publicada em perplexoinside às 09:59:57 de 8/8/2007
Como nossos pais:
Fazia tempo que desejava ir até o fim da linha Norte-Sul do Metrô. Enfim, decidiu. Iria hoje que não estava muito ocupado.
Escolheu um horário no meio do dia, fora dos horários de pico. A experiência de observador lhe recomendava sempre os vagões do meio. Nunca o primeiro carro, onde os apressados, os pedintes e os portadores de necessidades especiais eram transportados. Nada contra essas categorias. É que geravam muito burburinho, demandavam a atenção dos funcionários treinados da companhia. Tudo isso tirava a atenção, impediam a observação da paisagem fora dos túneis e dos tipos humanos. E nem o último carro. Alí podia ser vítima de assalto ou ainda isca perfeita para pedintes em geral e pior, evangélicos sempre prontos a querer evangelizá-lo e atrair sua atenção para suas crenças inoportunas.
Acomodou-se num banco lateral e aproveitando o pouco movimento no vagão, distendeu as pernas num alongamento gostoso.
Apanhou o livro, companheiro inseparável na bolsa a tiracolo. Abriu na página marcada. Começou a ler. Avançara poucas páginas e sobem dois jovens estudantes. Olha a placa lá fora: Estação Armênia. Volta os olhos ao livro. Ouvidos acostumados, distinguem a conversa dos estudantes em pé, mãos nos estribos.
O estudante um pouco mais alto fala ao companheiro:
- Não sei, cara. Acho que esse meu curso não vai longe.
- Por quê? Pergunta o outro.
-- Sabe, Eletrotécnica. Terei que optar por Engenharia Elétrica, ou EletroMecânica. E no final, mais um engenheiro frustrado.
- E você queria fazer o quê? Pergunta o colega
- Sinceridade? Música. Queria fazer o Conservatório. Tatuí é a minha cara.
- E, não rola? Intervém o amigo de classe.
- E o Velho vai entender uma coisa dessa? Estou no terceiro ano. Desistir agora? Ele não me perdoaria mesmo.
- É, cara. Te entendo. Mas não dá prá trocar uma idéia com ele? Talvez entendesse.
- Não dá, meu. Depois da falência da firma, do desemprego, o Velho nunca mais se levantou. Tem vergonha de procurar os amigos. Numa conversa outro dia, disse que espera que eu seja o engenheiro que ele não conseguiu ser. Percebe?
- Então, Música nem pensar, né? Emenda o amigo.
- É. E depois, ele acha que esse negócio de música é coisa de viado. Quando eu coloquei o brinco, ele ficou uma fera, falou um monte, queria quer eu tirasse. E aí liga uma coisa na outra. Sei lá, o Velho tem umas paranóias.
- É. Você está encrencado mesmo.
O velhote no banco lateral abaixa os olhos para o livro, tenta concentrar-se no Dalton Trevisan que está lendo. Não consegue.
O trem pára. Os meninos saltam. A placa lá fora mostra: Parada Inglesa.
A história se repete, pensa o velhote. Guarda o livro.
O resto da viagem até o Tucuruví ele completa pensando em seu pai.
Fragmento de “Histórias no Metrô”
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Biografia: BIOGRAFIA
Valter Ferraz, 51 anos é morador hoje, de uma cidade no litoral sul paulista. Nasceu na cidade de Araçatuba/SP.
Foi para a capital aos quatro anos de idade, considera-se pois mais paulistano que paulista.
Morou no bairro do Capão Redondo, por mais de quinze anos. Ainda tem forte ligação com o bairro situado no extremo da zona sul da capital.
Não é adepto de nenhum tipo de apologia, não se sente excluído, acha inclusive essa palavra tão em moda, exclusão pouco apropriada e indevidamente colada aos moradores da periferia.
Seriam excluídos verdadeiramente do quê, ele pergunta.
De seu tempo de morador do bairro leva boas e más recordações, cada uma a seu tempo.
Não pretende exortar ninguém a empunhar nenhuma bandeira.
Lança um olhar cuidadoso em direção à realidade de quem ainda mora ali.
Capão, Outras histórias é sua estréia como escritor.
Trabalha ainda em mais dois projetos.
O Muro, pequena obra de ficção, sobre as difíceis relações entre as pessoas, suas angústias seus medos;
Histórias no metrô, livro de contos com histórias tendo como pano de fundo a linha Norte-Sul do metrô paulistano.
Tem um blog na internet onde escreve diariamente.
Endereço na internet: http://perplexoinside.blogspot.com
Livros que marcaram sua vida:
Monteiro Lobato, coleção completa lida aos sete anos de idade. Foi alfabetizado em casa aos seis anos, “lia” as manchetes do jornal O Estado de S.Paulo;
Jorge Amado, Capitães de Areia. Ao ler este livro,aos treze anos, decidiu: vou ser escritor;
Érico Veríssimo, na mesma época só reafirmou a promessa.
Na fase adulta, Henry Miller ocupou sua mente.
Aos dezesseis anos foi para o Seminário de Pirapora do Jesus, permaneceu lá dois anos e meio. Descobriu que não tinha a vocação desejada. Sua estada por lá rendeu um mergulho profundo nas águas da filosofia, teologia e história da igreja. Descobriu Agostinho, Tomás de Aquino e San Juan de La Cruz.
Escondido dos olhos perspicazes do reitor e do padre mestre, leu Nietzche,
Sartre e Simone de Beauvoir.
Crê em Deus e na humanidade, apesar de tudo.
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