Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Morro de saudades
Rafaela de Oliveira Pinto Alves

Morro de saudades

Estava feliz. Tinha de estar, pois aguardara aquela viagem por um tempo que, do alto dos seus 7 anos, lhe parecera infinito. Pôs o biquíni, um short preto e um chapéu, calçou as sandálias e ficou esperando os pais se arrumarem. Como demoravam! Andou de um lado para o outro, ansiosa. Encarapitou-se na janela do hotel, os bracinhos gordos fazendo força para erguê-la. Que dia lindo! O céu estava azulzinho com nuvens brancas. Prometeu a si mesma que um dia, quando voasse de avião, traria um pouco delas para si. Abriu aquela mini geladeirinha branca (ainda não conhecia o nome frigobar) e pegou um Nescau. Bebeu-o rapidinho, pois mamãe, por algum motivo, ficava brava quando a via tirando coisas da geladeirinha mágica. Não conseguia entender porque, afinal, tudo voltava depois. Foi se olhar no espelho e ficou fazendo poses. Por que os colegas chamavam-lhe de gordinha? Não se sentia feia. Felizmente, ainda não compreendia bem os padrões estéticos. Ouviu o pai gritar com a sua mãe. Era algo como: “Anda logo, já está ficando tarde. Por que você sempre demora tanto de se arrumar?” Tolo, pensou . Não vê que mamãe está ficando linda? Finalmente, depois do que lhe pareceu uma eternidade, abriram a porta do quarto . Saiu correndo na frente, com a pressa típica daqueles cujos anos ainda cabem nos dedos das mãos. Não é engraçado que quanto menos tempo temos pela frente, menos aproveitamos o dia? Mamãe chamou-a de volta. Poxa! Será que era pra passar aquela coisa melequenta? Não era. Ela só estava querendo que ficasse por perto. Será que tinha esquecido? Esperava que sim. Nem mesmo se importava com as queimaduras que ficariam depois. Pelo menos naquele momento não; não estava ardendo. E além do mais, depois mamãe daria um beijinho, passaria pomada e estaria tudo resolvido. Foram andando devagarzinho, até que chegaram à praia. Oba! Hora de mergulhar e fingir que era uma sereia! Ou talvez não. Seu pai lhe disse algo sobre irem pra 4ª praia. Qual o problema com aquela? Parecia-lhe perfeita com sua areia bem branquinha e a água clara e , infelizmente, salgada. Resignada, continuou andando. Maldita 4ª praia! Não iria chegar nunca?

[...]

Finalmente chegaram. Ia correr para o mar, mas um braço experiente deteve-a antes mesmo de tentar. “Você precisa ver primeiro em que barraca estamos.” De má vontade, viu , ou fingiu que viu. Tirou de uma vez só short , chapéu e sandálias. Entrou devagarzinho na água, temendo ser barrada novamente. Não o foi. Ufa. Então entendeu. Entendeu o porquê daquela e especificamente aquela praia. Nunca antes tinha visto tantas piscininhas de água salgada. Entrou em uma delas e admirou os peixinhos coloridos que nadavam serelepes. Como eram bonitos! Precisava ter um deles, decidiu imediatamente. Quis correr de volta para pedir a seus pais. Ops. Qual era a barraca mesmo? Da próxima vez ouviria a sua mãe (até hoje, 12 anos depois, repete mentalmente essa frase). Olhou em volta, chorosa. Felizmente, seus pais, atentos, ergueram os braços, chamando-a. Sentiu-se bem. Sentiu-se protegida. Pediu para o pai pegar o peixe pra ela. Ele recusou, disse algo sobre estar comendo. Mas que absurdo! Ela queria tanto... Saiu emburrada. Voltou para o mar já não vendo nele tantos encantos (como se aprende rápido a só querer aquilo que não se tem..). Quando voltou, mas que surpresa! Outra pessoa estava ocupando o seu lugar. De costas parecia ser um menino um pouco mais velho . Ora pois, ela tinha chegado primeiro. Ainda que fosse maior, ele tinha de sair! Marchou decididamente, as perninhas roliças balançando. Cutucou-o, esperando que ele se virasse para dar-lhe uma bronca. A bronca , no entanto, ficou presa em sua garganta, quando se deparou com os seus lindos olhos cor de piscina, suas bochechas vermelhinhas do sol e o cabelo preto que caía-lhe sobre a testa. Esqueceu o peixe, esqueceu a piscina, esqueceu-se de tudo, até de andar direito. Tropeçou. O lindo/usurpador menino percebeu e gargalhou (o que? Achou que ele iria ampará-la em seus braços? Isso aqui não é Crepúsculo não, gente). Ela ficou brava. Muito brava. Odiava aquele menino! Odiava tudo! Quando conseguiu parar de rir, ele ajudou-a a se levantar. Oh, como era fofo! Então, brigou com ele em uma típica lógica feminina. Ele brigou de volta e logo ficaram amigos. Passaram algum tempo juntos, fazendo o que quer que as crianças façam (não queria que se lembrasse após tantos anos, né?). Até que, seus pais, com o típico instinto para estragar tudo, chamaram-na para ir embora. Mas já? Demoraram tanto para chegar e tão pouco para ir.... Ou ao menos assim lhe parecia. Despediu-se triste, muito triste .O garoto sapecou-lhe um beijinho no rosto. Ficou feliz. Muito feliz (volúvel desde pequena). Voltou para a pousada, depois para casa, sem nunca esquecer-se daquele dia. Morro de São Paulo, ah, como eu morro de saudades. =]


Biografia:
Número de vezes que este texto foi lido: 52813


Outros títulos do mesmo autor

Romance Fome de Vingança Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Tinta vermelha Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos As Harpias Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Morro de saudades Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Uma Lição que aprendi por aí Rafaela de Oliveira Pinto Alves


Publicações de número 1 até 5 de um total de 5.


escrita@komedi.com.br © 2024
 
  Textos mais lidos
SALMO 61 - Aradia Rhianon 53008 Visitas
Ondas Pretéritas - Ivan de Oliveira Melo 53008 Visitas
🔵 O juízo final - Rafael da Silva Claro 53008 Visitas
🔴 A voz rouca das ruas - Rafael da Silva Claro 53008 Visitas
🔴 Pearl Harbor e o Golpe do Algodão-doce - Rafael da Silva Claro 53008 Visitas
IDEOLOGIA ÍNGRIME - Ivan de Oliveira Melo 53008 Visitas
Sal, Muito Sal - José Ernesto Kappel 53008 Visitas
O SILÊNCIO - sigmar montemor 53008 Visitas
Lágrimas Que Sorri - Valdir Rodrigues 53008 Visitas
Amor de Nós Dois - José Ernesto Kappel 53008 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última