QUINZE ANOS
Quando estava perto de Lira completar quinze anos o namorado pediu que ficassem noivos. Lira recusou alegando ser muito cedo para tal compromisso, não tinha essa intenção ainda, Noivar era estar na porta do casamento e que só colocaria aliança quando os papéis entrassem no cartório e isso podia demorar muito tempo, não queria que acontecesse com ela o que sua mãe reclamava a todo instante, que perdera a juventude por imposição de sua mãe: “Ter ido viver aos quinze anos com um homem casado e separado da mulher”. Com esse argumento, o tempo do namoro foi rendendo...
Na véspera dos quinze anos Lira estava fritando peixes para o jantar, a gordura explodiu atingindo o seu rosto e seus olhos ficaram embaçados. Correu à casa da vizinha pedindo socorro. Depois de relatar o acontecido, a senhora que amamentava o décimo terceiro filho, prontificando-se a socorrê-la, pediu que deitasse em seu colo e apertou as mamas fazendo jorrar alguns jatos de leite nos seus olhos, o que proporcionou alívio imediato à ardência.
No dia seguinte, ainda com os olhos embaçados foi em companhia da cunhada ao oftalmologista. Depois de explicar o que havia acontecido acrescentou que havia lavado com leite materno. O médico examinando disse:
_ Não tem problema nenhum, ele é rico por isso tem tudo que a criança precisa, mas agora mocinha, você está precisando de gotinhas desse colírio porque suas pupilas foram dilatadas com a gordura. Enquanto ele pingava o remédio, Lira afirmou ter sido o olho do peixe que bateu dentro do seu.
_ Agora vai ficar tudo bem.
Depois de vedar o olho direito que estava mais afetado, entregou a receita para continuar o tratamento. Advertiu-a:
_Nada de brincar de fritar peixe.
_Eu não estava brincando, estava fazendo o jantar.
_Está bem, não vamos discutir... Logo hoje, dia do seu aniversário. Meus parabéns e até a próxima consulta.
Em poucos dias os seus olhos estavam curados. Mas sua cabeça doía muito, uma dor tão forte que vomitava. Nas primeiras vezes sua cunhada dava-lhe uma dose de Elixir Paregórico e sempre perguntava o que tinha comido:
_Café, pão com manteiga, arroz, feijão, frango com batata e tomei água.
_ Mais nada? Perguntou Izaíde. Quase que de imediato, lembrou-se das mangas que chupará a tarde.
_ Então foi a manga que atacou seu fígado.
Certa vez foi à jaca a culpada da dor de cabeça e do vômito. A cunhada que havia esgotado seus recursos ordenou:
_ Anda! Arruma-se e vai ao médico. Hoje, o Doutor Menininho está atendendo na entrada do Carapiá. Vai rápido.
O médico era primo da cunhada.
Lira retirou a faixa que segurava as rodelas de batata na testa, pegou um caneco de água no vasilhame do banheiro, lavou o rosto, calçou a sandália, pegou o dinheiro para pagar a consulta e saiu com os olhos semifechados quase não suportando a luminosidade do sol das onze horas.
Quando entrou na varanda onde os pacientes esperavam, deu o dinheiro e falou o seu nome para a senhora que estava sentada numa cadeira em frente a uma mesa. Sentou-se para esperar sua vez. Aproveitando que estava na sombra arriscou olhar um pouco mais longe e da posição do banco que se sentou, pôde ver e leu, com admiração, o nome da Escola Municipal Monteiro, Lobato do outro lado da estrada. Ela que só via a parte de cima das letras quando estava sentada no bonde, admirou-se ao poder ver todo o azul colonial, das letras em alto relevo como se estivesse vendo em terceira dimensão. Parecia-lhe uma grande descoberta. Em seguida voltou o olhar para perto e para seu desespero viu, D. Iolanda, a mãe de sua cunhada. Teve receio porque ela era uma pessoa indiscreta, sempre falando mais do que o necessário desconfiou do sorriso dela como se quisesse dizer: “Você vai se consultar com o meu sobrinho?” Lira que não podia balançar a cabeça, por medo e não prazer fez sinal de que era isso mesmo, com um leve sorriso para não tirar a cabeça do encosto que a parede fazia. Enquanto a observava, lembrou-se do dia em que a viu na casa de sua cunhada, provando um vestido feito de uma saia de pregas que tinha sido modificada, transformada em um “Tubinho”. Quando ela entrou no quarto de costura, sua cunhada estava colocando alfinetes nas penses das costas, com uma certa dificuldade. Tinha a cintura funda e os quadris grandes, mas quando tirou o vestido ajustado ficou de sutiã e uma anágua que só tinha a parte de trás e era cheia de babados. Depois do espanto, Lira comparou com a roupa da conhecida artista Virgínia Lane que atuava no teatro de revista. Teve vontade de perguntar, mas teve medo, pois sabia que era mulher de briga e além de ter o apelido de Mila também a chamavam de Marocas por causa da personagem fofoqueira da novela Redenção. Agora estava ali, bem na sua frente, sentada com um vestido estampado de enormes papoulas vermelhas e fundo azul com um palmo acima dos joelhos, ora juntos ora separados, sentada em cima do acolchoado dos babados da anágua. Apertou tanto a cintura que as raízes dos seios estavam aparente no grande decote. Quando cruzou os braços parecia estar abraçando a própria bunda de tão feio colo.
Ao ouvir seu nome, Lira levantou-se. D.Iolanda fez sinal, se podiam entrar juntas, mas ao chegar no marco da porta o cumprimento que recebeu do médico, soou mais forte e então Lira aproveitou para entrar rápido na sala fechando a porta. Na presença do médico falou de sua dor, dos vômitos e o que ouviu sua cunhada dizer: Ainda não se formou moça. Esse era o motivo que Lira não se sentia á vontade para falar com o médico na presença de estranhos. Ele a olhou dos pés a cabeça. Depois explicou:
_Você está bem. Toma Cibalena para sua dor de cabeça e tenha calma que o seu ciclo não tarda chegar, seu corpo está formado, tem boa altura, é só ter paciência para você se tornar moça e mais tarde uma mulher feliz.
No sábado depois de trabalhar o dia todo, quando a tarde caía Lira saiu de casa para dormir na casa de sua irmã, contou tudo o que estava acontecendo. Depois de ouvi-la, Thereza levou Lira na casa de uma rezadeira que morava próximo, por ser noite não pôde ser atendida, ficaram de voltar no dia seguinte.
No domingo de manhã foi até a casa de D. Corina, a rezadeira. Depois que esperaram à senhora tomar banho veio até Lira trazendo um copo com água e um galho de arruda, pediu que colocasse a cadeira ao sol, pois tinha certeza de que se tratava da perigosa dor de cabeça do sol. Pediu a Lira que sentasse ao sol, colocando o copo encima da cabeça dela, molhava o galho de arruda no copo e rezava Lira aspergindo o líquido sobre ela. Depois pegou o copo, foi até o portão e de costas voltada para a rua, lançou o conteúdo restante fora do portão por cima dos ombros, rezou:
_Leva Senhor para as ondas do mar sagrado, onde será depositado.
Retirou um raminho de arruda e entregou a ela dizendo:
_ Guarda. Quando secar sua dor vai passar.
Lira voltou para casa, tinha compromisso, seu irmão Antônio ia fazer um almoço para seus empregados do armazém. Quando Lira estava servindo a mesa um dos empregados perguntou:
_ Não vai comer?
_ Não, estou com muita dor de cabeça.
_Toma remédio que passa.
_Não passa! Tem muito tempo que está doendo. Já fui à rezadeira, coloquei muitas rodelas de batata, fui consultar com Doutor Menininho.
O rapaz soltou uma gargalhada:
_ Esse não cura ninguém vivo. Tem medo de receitar até água com açúcar. Se não tem jeito, toma uma caneca de vinho e come um pedaço dessa carne que você vai ficar boa em dois tempos. Ela não pensou duas vezes, virou a caneca de um só gole como se fosse uma caneca de chá e comeu a carne apimentada que lhe foi oferecida e logo depois foi deitar-se dormindo um sono pesado que a muito não dormia. O efeito do vinho durou até a madrugada e a pimenta começou a fazer o seu efeito. Sentiu cólicas. Depois de contorcer-se reuniu suas forças e foi até o banheiro, o susto foi enorme quando viu que evacuava com sangue e depois de lavar-se percebeu que o sangue continuava a sair, aturdida pegou uma toalha e colocou entre o corpo e as vestes e voltou a deitar-se. Logo percebeu que o sangue não havia estancado, podia até ouvir um ruído que se assemelhava ao que fazem os peixinhos quando soltam borbulhas dentro do aquário. Permaneceu imóvel toda a madrugada até que seu pavor fosse vencido pelo sono.
Na manhã seguinte foi acordada pela cunhada:
_ Deixa de preguiça! Vamos trabalhar, porque o dia já nasceu há muito tempo e isso não é hora de dormir! Você está na cama desde à tarde de ontem!
Lira jogou as pernas para fora da cama, rapidamente, antes que a cunhada fosse embora sem dar tempo para que pudesse contar o que tinha acontecido. Não precisou abrir a boca, os vestígios estavam bem à vista.
Perguntou à cunhada, admirada com tanto sangue espalhado na toalha.
_O que é isso?
_Já sei isso é o resultado da sua dor de cabeça, que não passava nunca e você é a culpada de tudo, fica da cabeça aos pés, molhada de manhã até a noite nesse tanque lavando roupas. Agora trate de tomar um banho e colocar um forro porque isso deve durar uns três dias. E, fica prevenida quanto a esta data todos os meses, de agora em diante.
Lira ficou feliz em saber que a sua dor de cabeça ia passar. E mais feliz ainda porque D. Iolanda não tinha conseguido o seu intento de entrar com ela no consultório, evitando assim que ficasse sabendo que ela ainda não tinha se formado, no entanto já estava namorando o que certamente seria motivo de sobra para fofocar com o bairro inteiro. À noite, Jorge a chamou estava muito nervoso:
_ Lira, eu tenho uma notícia braba pra te dar.
_O que foi?
_ Hoje à tarde estávamos, armando para pegar passarinhos no quintal da casa de Mila ela chegou anunciando em alta voz que você esteve hoje no consultório do Doutor Menininho e só podia ser aborto. Lira ficou muito nervosa. Mordeu os lábios de raiva, ficou totalmente descontrolada. Ao mesmo tempo feliz, pois a megera havia errado.
_ Sabe porque ela me caluniou? Porque ela não paga consulta no consultório do sobrinho, mas vive buscando uma maneira de entrar junto com algum conhecido para poder se livrar da fila de espera. Como eu não cedi às investidas dela, certamente ficou com raiva de mim e procurou se vingar inventando coisas para me desmoralizar.Lira não falou, mais estava muito feliz porque de sua morcela temperada com pimenta e vinho ninguém ia comer. O rapaz num instinto de vingar-se:
_.Mas você não se preocupe ela vai levar o troco, no próximo dia de Judas. Lira riu ao lembrar da bunda de pano. Solidária a idéia argumentou: _Aja molambo para encher o mulherão!...
|