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As concepções divinas pautadas em Nietzsche
Giulio Romeo

As concepções divinas em Friedrich Nietzsche estão profundamente ligadas à sua crítica radical da religião, particularmente do cristianismo, e à sua filosofia da vida. Nietzsche é conhecido por seu ataque à noção tradicional de Deus e por suas tentativas de reavaliar os valores culturais ocidentais. Seu pensamento sobre o divino se desenvolve principalmente em torno de dois conceitos fundamentais: a morte de Deus e o super-homem (Übermensch), que redefinem o lugar da divindade na vida humana.

1. "A Morte de Deus"

Um dos conceitos mais famosos de Nietzsche é a frase "Deus está morto" (em alemão, "Gott ist tot"), que aparece em sua obra A Gaia Ciência (1882) e é amplamente discutido em Assim Falou Zaratustra (1883). Essa afirmação não deve ser entendida literalmente, como se Nietzsche estivesse dizendo que Deus existia e morreu de fato. Em vez disso, ele está fazendo uma crítica cultural: a ideia de Deus, como fundamento moral e existencial, perdeu seu poder e relevância na vida moderna.

Para Nietzsche, a crença em Deus foi fundamental na construção dos valores morais e culturais da civilização ocidental. No entanto, com o avanço da ciência, do racionalismo e do pensamento secular, a crença em um Deus transcendente se tornou obsoleta. Nietzsche interpreta esse processo como uma "morte" de Deus na consciência coletiva da humanidade. Com a morte de Deus, segundo ele, também morrem os valores absolutos que a religião impunha, o que deixa a humanidade à deriva, sem um sentido claro para a vida e sem um guia moral fixo.

2. Crítica ao Cristianismo

Nietzsche foi um crítico feroz do cristianismo, que ele via como uma religião de fraqueza, ressentimento e negação da vida. Em obras como O Anticristo (1888), ele argumenta que o cristianismo inverte os valores naturais da vida ao valorizar a humildade, o sacrifício, a negação dos instintos e a promessa de uma vida após a morte. Para Nietzsche, esses valores são expressões de fraqueza, inventadas por aqueles que não conseguem afirmar a vida e aceitar as realidades terrenas.

Ele opõe essa visão a uma ética que ele associa aos valores pré-cristãos, especialmente os da Grécia antiga, que celebravam a vida, a força, o orgulho e o vigor. O cristianismo, ao prometer uma redenção em um mundo transcendente, desvia o ser humano de sua plena realização na terra, criando o que Nietzsche chama de "moral de escravos" — uma moral de submissão e fraqueza, em vez de uma moral de afirmação e poder.

3. O Super-homem (Übermensch)

Com a morte de Deus, Nietzsche acredita que a humanidade precisa encontrar um novo fundamento para seus valores. Ele propõe a figura do super-homem (Übermensch), um ser humano que transcende as limitações impostas pela moralidade tradicional e pela religião. O super-homem não precisa de Deus ou de um sistema de valores absolutos para guiar sua vida; ele cria seus próprios valores e vive plenamente no mundo terreno, afirmando a vida com todas as suas contradições e dificuldades.

Para Nietzsche, o super-homem é aquele que consegue abraçar o "eterno retorno" — a ideia de que a vida deve ser vivida como se cada momento pudesse se repetir infinitamente, sem arrependimentos ou a busca de um sentido transcendente. O super-homem é, portanto, a antítese do crente religioso: ele não busca consolo em um Deus ou em uma vida após a morte, mas aceita a vida como ela é, em sua plenitude e finitude.

4. A Reavaliação de Todos os Valores

O projeto filosófico de Nietzsche é frequentemente descrito como uma "reavaliação de todos os valores". Com a morte de Deus, os valores morais tradicionais, como a bondade, a humildade e o altruísmo, perdem seu fundamento. Nietzsche argumenta que esses valores foram impostos pela religião para domesticar o espírito humano e mantê-lo fraco. Em vez disso, ele defende uma moralidade baseada na vitalidade, na criatividade e na vontade de poder — a força que leva os seres humanos a afirmar sua própria existência e superar suas limitações.

Nietzsche e a visão da vida contemporânea

A visão de Friedrich Nietzsche sobre a vida contemporânea está intrinsecamente ligada à sua crítica da cultura ocidental e aos valores que predominavam em sua época. Embora Nietzsche tenha vivido no século XIX, suas reflexões têm profundas implicações para a vida contemporânea, especialmente em questões relacionadas à moralidade, individualidade, poder e a busca de sentido em um mundo sem certezas absolutas.

1. Crise de Valores e o Niilismo

Um dos aspectos mais centrais do pensamento de Nietzsche que se conecta diretamente com a vida contemporânea é sua análise do niilismo. Para Nietzsche, a modernidade estava mergulhando em uma crise de valores devido à "morte de Deus" — a perda da fé nas verdades absolutas, particularmente as religiosas, que até então tinham dado sentido à existência. O niilismo, para ele, é a consequência dessa perda, uma sensação de vazio e desorientação, onde o ser humano não encontra mais uma base sólida para suas crenças e valores.

No mundo contemporâneo, essa crise de sentido se manifesta de várias maneiras: no aumento da secularização, no colapso de ideologias políticas que outrora serviram de guias morais e no relativismo crescente. As instituições tradicionais, como a religião e a família, têm menos influência sobre as crenças e comportamentos individuais, deixando muitas pessoas em busca de um novo sentido para suas vidas em um mundo pluralista e incerto. Nietzsche viu isso como uma oportunidade e um perigo: uma oportunidade de criar novos valores, mas também um perigo de cair em um pessimismo paralisante.

2. Individualismo e Autonomia

Nietzsche também antecipa muitos dos dilemas contemporâneos em torno do individualismo e da busca por autonomia pessoal. Ele criticava ferozmente as formas de moralidade que, em sua visão, domesticavam o indivíduo, como a moral cristã e os valores burgueses de sua época, que enfatizavam a conformidade, a humildade e a obediência.

No contexto atual, a exaltação do individualismo é evidente nas sociedades ocidentais, onde a autonomia pessoal e a autorrealização são valores centrais. Nietzsche via a vida como uma expressão da "vontade de poder" — a capacidade de cada indivíduo de afirmar sua própria força criativa e superar as limitações impostas pela sociedade ou pela tradição. Essa noção se reflete no desejo contemporâneo de liberdade pessoal, autossuperação e autenticidade, embora Nietzsche alertasse que essa liberdade vem com a responsabilidade de criar e viver por seus próprios valores.

Porém, Nietzsche criticaria o individualismo superficial e consumista da vida contemporânea, que muitas vezes se manifesta em um narcisismo vazio ou em uma busca incessante por status e prazer, sem uma verdadeira busca de autossuperação ou profundidade filosófica.

3. A Moralidade de Rebanho

A noção de moralidade de rebanho em Nietzsche também se aplica de maneira crítica ao mundo contemporâneo. Ele argumentava que a maioria das pessoas segue valores impostos pela sociedade sem questionar sua origem ou validade, comportando-se de maneira conformista. No mundo atual, essa ideia pode ser vista na forma como as normas sociais e culturais, amplamente disseminadas pelas mídias sociais e pela cultura de massa, tendem a criar padrões de comportamento que as pessoas seguem para se ajustarem e serem aceitas.

Nietzsche criticaria essa tendência contemporânea de "seguir o rebanho", vendo-a como uma forma de mediocridade e uma rejeição do potencial individual. Ele encorajaria as pessoas a questionarem os valores que seguem e a criarem seu próprio caminho, em vez de simplesmente aderirem às expectativas impostas externamente. O filósofo acreditava que cada indivíduo deveria buscar se tornar um super-homem (Übermensch), alguém que transcende a moralidade convencional e vive de acordo com seus próprios valores e metas.

4. A Cultura Contemporânea e o Hedonismo

Nietzsche também fez críticas à tendência humana de buscar conforto e evitar o sofrimento a qualquer custo, uma postura que ele via como uma forma de enfraquecimento da vontade. Na sociedade contemporânea, essa busca incessante por prazer e conforto pode ser observada no consumismo, no entretenimento superficial e na valorização do hedonismo.

No entanto, para Nietzsche, a vida só pode ser plenamente afirmada se aceitarmos tanto o sofrimento quanto o prazer como partes inerentes à existência. Ele propôs o conceito do eterno retorno, a ideia de que devemos viver nossas vidas de tal maneira que aceitaríamos repetir cada momento infinitamente. Esse conceito desafia o pensamento contemporâneo que busca eliminar o sofrimento e viver apenas pelo prazer, sugerindo, ao contrário, que devemos abraçar a vida em sua totalidade, com seus altos e baixos, e encontrar sentido na superação dos desafios.

5. A Busca pelo Sentido em um Mundo Pós-Moderno

A visão contemporânea da vida, muitas vezes descrita como pós-moderna, caracteriza-se por uma fragmentação do sentido e pela pluralidade de perspectivas. Em um mundo onde as metanarrativas (grandes explicações totalizantes, como a religião ou a ideologia política) foram desafiadas e desmanteladas, muitos se veem em busca de significado pessoal.

Nietzsche, ao antecipar a dissolução dessas narrativas, propôs que, em vez de nos agarrarmos a um sentido predeterminado, devemos criar nosso próprio sentido para a vida. Essa ideia de criação de sentido pessoal ressoa fortemente com as tendências contemporâneas de autodescoberta e autoexpressão, embora Nietzsche tenha alertado que a criação de sentido verdadeiro requer força e coragem, não simplesmente a adesão a modas ou tendências passageiras.

Conclusão

As concepções divinas de Nietzsche são essencialmente críticas e revolucionárias. Ele não apenas rejeita a ideia tradicional de Deus, mas também aponta para a necessidade de a humanidade encontrar um novo sentido para a vida em um mundo desprovido de divindades transcendentais. Para Nietzsche, o divino, na forma tradicional, é uma ilusão que limita a potência humana. Em vez disso, ele propõe que a humanidade busque sua própria divindade no ser humano, na criação de novos valores e na afirmação radical da vida.

A visão de Nietzsche sobre a vida contemporânea é profundamente crítica, mas também cheia de possibilidades. Ele vê a modernidade como um período de transição, em que os valores tradicionais perdem sua força, deixando a humanidade em um estado de niilismo. No entanto, ele também vê isso como uma oportunidade para que os indivíduos possam, finalmente, se libertar das amarras da moralidade convencional e criar seus próprios valores, vivendo uma vida plena e autêntica.

Para Nietzsche, a vida contemporânea deve ser uma afirmação radical da existência, em que cada pessoa aceita tanto o prazer quanto o sofrimento, rejeita o conformismo e busca superar suas próprias limitações. É uma visão que desafia os valores fáceis da sociedade de consumo e do hedonismo, propondo em seu lugar uma vida de profundidade e autossuperação.


Biografia:
Professor de Ciências da Religião, Teólogo e Pesquisador de Ciências ocultas. Procuro a verdade e quero compartilhar meus estudos sobre o comportamento filosófico e religioso de povos e comunidades, que tem a fé, como sustentáculo de sua existência tridimensional.
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