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Manual do estudante de Direito
Isadora Welzel

O mundo jurídico pode ser a um só tempo intimidador e fascinante, porque abre-se ao jurista em potencial de forma multidimensional, demonstrando a complexidade e o encanto que o conhecimento sobre o direito pode proporcionar, de forma conjunta com a crítica e com a necessidade da busca por um pensamento politizado e adequado à realidade social. Em minha experiência como estudante, percebo uma avidez por parte dos colegas de sala em introduzir os assuntos e estudá-los como se o direito fosse um mar de curiosidades e informações. No entanto, o direito é uma ciência, com uma técnica e uma linguagem específica. E quando os estudantes se deparam com essa verdade sobre o mundo jurídico, vêem-se em uma situação de incertezas em face da dedicação que o curso exige. Instruir-se em direito, procurar por uma formação jurídica sólida com o afã de tornar-se um exímio jurista é a tarefa de uma vida, inseparável de uma carreira a longo prazo que deve contar com estudos frequentes e atualizações sobre os temas. Onde há uma sociedade, ali estará o direito, e conforme essa sociedade se modifica, o direito tende a reunir esforços para acompanhá-la em seus dinamismos, na medida da possibilidade de quebra das suas estruturas estanques e da superação cautelosa de seus mecanismos burocráticos. Inspiro-me ao falar sobre o direito, mas não se pode deixar iludir por ele, o direito ainda está muito distante da justiça social, e assim estará enquanto o direito servir a uma época humana em que impera a desigualdade estrutural. Estudar direito também é se defrontar com o lado mais obscuro do ser humano, com suas paixões, suas mazelas, com a depravação do caráter, o que exige muita sobriedade e um equilíbrio entre a racionalidade e um espírito sensível ao sofrimento alheio.

Uma das maiores dificuldades do estudante de direito é a sua desorientação, sua falta de norte diante da vastidão de leis, códigos, doutrinas, livros, jurisprudências que abrigam o universo jurídico. Por onde começar? Vejo muitos querendo absorver todo o conteúdo ao qual se tem acesso, sem saber filtrar conforme o nicho de estudo. A formação em direito certamente deve ser ampla e englobar muitos assuntos de relevância política, social, jurídica e econômica com toda a interdisciplinaridade a partir da qual o direito se privilegia, mas é fundamental ter em mente que é humanamente impossível exaurir todo o seu conteúdo inesgotável. O que se deve almejar é um aprendizado contínuo, com os relevantes aprofundamentos com base em uma macro visão que permita conectar as fontes do direito com o mundo extrajurídico, atentando-se para a aplicabilidade prática da extensa teoria. A minha sugestão para os iniciantes no direito é acompanhar decisões de tribunais superiores, antenar-se nas notícias jurídicas e familiarizar-se aos poucos com o vocabulário próprio do direito. Escolha um autor de sua preferência em cada ramo do direito para aprofundar os estudos pela via da doutrina e não relegue a jurisprudência ao segundo plano, ela pode ser muito esclarecedora, além de possibilitar a visão de como as leis se comportam na prática, a lei é o básico a se saber e a cotidianamente ler e conhecer.

Crie afeto pelo estudo do direito, ainda que as disciplinas propedêuticas do curso sejam bastante introdutórias, por vezes os estudantes no início do curso frustram-se ao notar que as aulas se assemelham muito às aulas com os respectivos conteúdos estudados no ensino médio, já que é comum as grades curriculares adotarem matérias como história, filosofia e antropologia do direito. Todavia, não ignore esses conhecimentos, dê uma atenção especial a esses assuntos, porque eles servirão como base para o raciocínio que o guiará durante o curso. Qual a importância de estudar o nomos da terra, o contrato social, a pirâmide kelseniana? E mais, por que fazer uma retomada do direito ao longo de toda a história se o que importa mesmo é o estudo do direito aqui e agora, neste exato local e tempo? Todas essas indagações características do início do curso serão respondidas quando vier à tona um princípio que o exemplifique ou uma determinada interpretação. Dê atenção a esses pontos, assim as explicações e as decisões se tornarão muito mais claras.

Ainda com relação a isso, é de suma importância criar o hábito de estudar desde o início da faculdade, porque o direito é uma construção. De nada adiantará tentar entender um conceito evoluído em níveis de conhecimento jurídico sem antes ter formado uma base sólida para que essas compreensões possam ser suportadas e levadas adiante para a elaboração de outras ideias pertencentes a essa esfera do estudo das humanidades. Portanto, preste atenção nas aulas e anote o que conseguir, isso facilitará a lembrança do assunto e internalizará melhor o conteúdo, ainda que não tenha entendido tudo o que foi repassado sobre o assunto. Escrever possibilita levantar dúvidas a serem sanadas em um momento posterior com o professor ou então pesquisadas e estudadas por conta própria sem o risco do esquecimento.

Estudar o direito é em certa medida exercitar o autodidatismo, uma vez que não é um curso que necessita de uma estrutura de ensino muito elaborada com laboratórios ou instrumentos específicos. O direito preza pela simplicidade manual e pela maturidade intelectual. Sabidamente, o curso exige muito estudo para além da sala de aula, é necessário realmente estudar individualmente porque embora o conteúdo seja ministrado por excelentes professores em uma instituição de renome, tradição e qualidade, o estudo será insuficiente sem o esforço autônomo do estudante. O caminho será iluminado por um bom mestre, mas a trajetória somente pode ser percorrida e conhecida com o empenho pessoal.

O dispositivo de trabalho de um jurista é a fala, a sua comunicação oral e escrita. Reforce seus conhecimentos gramaticais, sua cultura geral, e invista em uma boa oratória. Não se pode sequer cogitar a formação jurídica sem o domínio desses requisitos, pois o conteúdo e o conhecimento da técnica são indubitavelmente importantes, mas nada serão se o seu meio de expressão for uma escrita precária ou uma oratória que não demonstre autoconfiança. É simples entender o papel central da linguagem, que no direito, comumente é associada a uma linguagem persuasiva e que denota convicção na defesa de um ponto de vista. É de forma combinada a isso que a fala e a escrita devem prestar-se a exprimir um pensamento altruístico. Para tanto, não é preciso desenvolver um estilo literário rebuscadíssimo a la Rui Barbosa, basta seguir os ritos formais da língua portuguesa no cerne jurídico e valer-se da clareza nas fundamentações desenvolvidas por um bom raciocínio.

Amplie sua vivência acadêmica e extrapole os muros da faculdade de direito. Se tiver a possibilidade de conhecer disciplinas em outros departamentos da universidade, não hesite. O direito permite e se enriquece com a multidisciplinaridade. Participe de grupos de estudos, de rodas de debate e discussão, esteja presente em eventos culturais, artísticos e simpósios. Outrossim, mantenha boas relações de convivência com seus colegas de classe e com outros estudantes do curso e fora dele.

Por fim, esteja certo de que há muita esperança no direito, enquanto houver alguma esperança nos seres humanos desde as suas relações mais básicas que incluem os seus valores. O Direito pode ser novo e desafiador no começo, mas se tornará cada vez mais gratificante conforme cria-se o hábito de compreendê-lo e o desejo de fazer dele um projeto de vida.


Biografia:
Além de grande admiradora da escrita e da literatura, sou estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina e meu propósito no Recanto das Letras é traduzir conteúdos do mundo jurídico para a comunidade leitora, de modo a propagar conhecimentos sobre o Direito e propor reflexões. 
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