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Cada um no seu quintal
(Cats: uma sátira divertida sobre o regime de castas que existe em todos os lugares).
Roberto Queiroz

Por mais que certos exemplares da sociedade tentem negar, vivemos num regime de castas. Isso nunca mudou e, honestamente, depois de ter visto praticamente de tudo em pouco mais de quatro décadas de existência, não acredito que isso mudará algum dia. Faz parte do chamado "viver em sociedade" pertencer à certas dinastias e grupos de interesse (e o fator monetário sempre tem um peso extraordinário em nossas escolhas).

Esta semana fui rapidamente ao Méier (bairro onde morei por mais de 20 anos) à procura de um controle remoto novo para o meu dvd player e parei por uma meia hora - na verdade, nem isso! - num sebo famoso que há no bairro, perto da Rua Silva Rabelo. E qual não foi a minha surpresa ao me deparar com um exemplar intacto do dvd do musical Cats, um dos maiores fenômenos musicais da Broadway de todos os tempos, que eu sempre quis assistir mas nunca tive a devida oportunidade?

Mal chego em casa, vou logo pondo o disco para reproduzir e me deparo com um espetáculo audiovisual dos mais extraordinários e também com uma sátira a este regime de castas ao qual me referi no primeiro parágrafo.

Baseado em Old possum's book of practical cats, de T. S. Eliot, o espetáculo - aqui numa versão produzida pelo mestre dos musicais Andrew Lloyd Weber e dirigido por David Mallet - narra a saga dos gatos Jellicles, que se reúnem uma vez ao ano para realizar uma grande festa, uma grande celebração felina, que dará a um deles a possibilidade de renascer.

Porém, mais do que isso, o que fica claro na narrativa do musical é seu interesse em mostrar ao público espectador que mesmo no reino dos gatos é preciso saber pertencer a certos grupos sociais e respeitar certas hierarquias. Aqui, a palavra de sabedoria a qual todos seguem sem divergir, é a do velho Deuteronomy (Ken Page), uma espécie de profeta entre os Jellicles. É ele que será o mediador entre o gato escolhido o seu renascimento.

Definida a liderança do grupo, o que se vê logo a seguir é a velha e mais do que conhecida hierarquização social (algo que nós, seres humanos, conhecemos muito bem). A começar pelos gatos mais ilustres como, por exemplo, Jennyanydots (Susie Mckenna), referência em termos de elegância e comportamento e Bustopher James (James Barron), chefão da Rua Saint James, sabe de tudo o que acontece com todo mundo, o fiscal da região, até a chamada rabeira da sociedade. E nesse quesito há amostras um tanto interessantes e curiosas: Rum Tum Tagger (John Partridge, para mim a melhor voz de todo o elenco), o gato que não se submete ao sistema, não obedece regras, sejam elas quais forem, e só faz aquilo que quer; Macavity (Bryn Walters), o fora-da-lei, o criminoso, cuja simples pronúncia de seu nome já deixa os demais seres de sua espécie apavorados; Skimbleshanks (Geoffrey Garret), o gato vadio, que vive nos trilhos do trem, sempre à procura de levar vantagem em algum sentido.

Entretanto, há também espaço no espetáculo para figuras intermediárias e um tanto distintas, como Grizabella (Elaine Paige), a outrora gata fina, de madame, que perdeu tudo, e hoje vive da lembrança dos dias de glória passados e dos olhares acusadores dos demais gatos; Gus (John Mills), antigo ator de teatro - e dos bons - cujo único legado que lhe sobrou foram a velhice e as memórias do tempo em que era famoso, notado na rua; Rumpus (Frank Thompson), o gato-herói, responsável por dar fim à uma guerra entre pequineses e policiais; e finalmente, Mister Mistoffelees (Jacob Brent), o mágico, rei dos truques, não fosse ele o velho Deuteronomy continuaria nas mãos de Macavity (que, no fundo, deseja sua liderança e prestígio).

E desde que cada um respeite sua posição social dentro dessa hierarquia (em outras palavras: que cada um permaneça no seu quintal), maiores problemas não ocorrerão, como todo "bom exemplo" de sociedade que se preze.

Falar da parte técnica é chover no molhado. Um espetáculo de exuberância, repleto de luzes, boas canções, fogos de artifício, até truque de ilusionismo... Não é à toa que a peça ganhou ao longo dos anos a fama que possui.

Em tempos de super-heróis e adaptações de sucessos de bilheteria hollywoodianas invadindo a Broadway diariamente, vale a pena dar uma conferida em Cats e perceber que o básico ainda chama - e muito! - a atenção dos espectadores, principalmente os mais nostálgicos.

Procurem. É daquelas experiencias que nunca envelhecem.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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