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A morte, da cultura e da mémória
(o incêndio do Museu Nacional e a falência de um Estado)
Roberto Queiroz

Não, não foi só um incêndio. Longe disso, meus caros leitores! Foi a derrota de um país fadado ao fracasso e à alienação. Não cuidamos do que é nosso. Na verdade, nunca tivemos o menor interesse no próprio país. Deu no que deu. Agora resta chorar? É isso?

O incêndio no Museu Nacional, localizado na Quinta da Boa Vista, é muito mais do que mero prejuízo financeiro e cultural. Trata-se do ato final perpetrado por um Estado facínora que não respeita nem cultua sua própria história.

Muitos demagogos de carteirinha apontaram agora seus dedos acusadores para as autoridades. Cobrarão mundos e fundos. Posaram de patriotas de fim de semana, exigindo uma solução para o caos que já se instaura no país há quase quatro anos. E o resultado de toda essa reclamação será um reles: "estamos trabalhando", da parte dos que se dizem gestores da nação.

Vejo na capa do jornal O Globo a foto vista de cima do museu. O teto já não existe mais. Todo queimado. Horas antes, no telejornal, já havia sido relatada a falta de água na região para combater o incêndio. Como assim? Pois é... É Brasil, terra de macunaímas e hedonistas notórios. A Defesa Civil diz que não há risco de desabamento. Em se tratando de Brasil, tenho minhas dúvidas. Será? Por muito menos, implodiram o Palace na Barra da Tijuca.

Não é de hoje que o governo de Michel Temer vem cortando verbas destinadas à cultura. Não é de hoje o descaso com a classe. Existe uma cultura no Brasil - cultura essa sórdida, enfadonha, cruel - que acredita que artista é "aquele indivíduo que trabalha de graça, que não tem contas a pagar, compromissos a cumprir, etc". Miseráveis! Mal sabem eles o sacrifício que é viver de arte no país. Eu sei, eu sei... Tem muito oportunista, sustentado por organizações, institutos, embolsando os tubos através de leis de incentivo, posando de artista por aqui. E como tem. Mas eles são uma parcela restrita da classe.

A arte, assim como o futebol, divide opiniões. Todos adoram ver ambas as classes sob o ponta de vista de quem está bem de vida, milionário ou, como dizemos popularmente, "com o boi encostado na sombra". Mas a verdade, na prática, é bem outra. E quando se tratam dos museus, então... Morrem à míngua, num esquecimento federal atroz.

A falência de um Estado que se disse revolucionário, que prometeu mostrar-se grande após as olimpíadas (e que deixou como legado abandono e ruínas), mas que sequer faz o básico por seus cidadãos, associado à uma política de desmantelamento cultural, só poderia gerar a tragédia que gerou.

Em outras palavras: o incêndio no Museu Nacional é mais um capítulo devastador do grande genocídio que está acontecendo no país nos últimos anos. Genocídio provocado por lideranças empresarias e políticas que acham que o lugar do povo é acomodado, ignorante e sem acesso a absolutamente nada, seja do ponto de vista social, econômico e cultural.

Eles venceram. Mais uma vez. E o povo, aquele mesmo que agita a bandeira nacional em dias de jogo da seleção, que lota a Marquês de Sapucaí para assistir os ensaios técnicos das escolas de samba, que faz filas quilométricas no entorno do Maracanã para ver os jogos do flamengo na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro, permanece na letargia, enviando mensagenzinhas tristes em seus perfis nas redes socias, enquanto posa de engajado. Grande nação a nossa! Até quando?

Até quando a impunidade, o descaso, o descrédito, o empurra com a barriga, a omissão municipal, estadual, federal, a sensação de que estamos vivendo a iminência de um apocalipse, sem direito sequer a fugir para algum lugar melhor?

Depois reclamam da quantidade de gente que está abandonando o Rio de Janeiro...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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