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O dia em que o palhaço não riu
(Tiririca chuta o balde)
Roberto Queiroz

Em meio a tantos dias iguais, em meio a tanta falta de esperança, em meio a necessidade de algo novo, que não seja óbvio ou repetitivo, facilmente rotulado de mesmice (palavra essa a qual o povo brasileiro tem tanta paixão!), é com grata surpresa que vejo o dia 6 de dezembro de 2017 se tornar um data incomum. Digo mais: uma data heróica.

Assisto no you tube - sempre ele, a bíblia do caos do século XXI - ao vídeo que mostra o humorista, palhaço e até então Deputado Federal Tiririca renuciar seu cargo na Câmara dos Deputados, em Brasília. Ele parece triste (e está). Ele parece decepcionado, cansado, combalido (e está). Mais do que isso: Tiririca, homem que fez tantos rirem vendo-o se apresentar caracterizado enquanto "cantava" sua hoje imortalizada "Florentina, Florentina, Florentina de Jesus...", está revoltado.

E com o quê se revolta o (agora) ex-deputado Tiririca?

Simples: revolta-se com uma quadrilha que se instalou no Congresso Nacional para saquear e vender todo o país. Revolta-se contra uma nação governada por covardes, facínoras, escroques, pilantras da pior espécie, homens sem alma, cujo único prazer que sentem na vida é o de acumular riquezas. Como bem diria o poeta curitibano Paulo Leminsky, "o poder é o sexo dos velhos". E no caso de nossos dirigentes, eles o consomem como ninfomaníacos de primeiro escalão que são.

Tiririca fala dos homens de terno e gravata que fingem trabalhar (dos mais de 500 que habitam a casa, apenas 8 - isso mesmo: 8! - são assíduos. No entanto, prestem atenção em seus discursos e suas contas bancárias. Que corja, meus caros amigos leitores!

Tiririca pede, encarecidamente, a esses mesmos pilantras, que olhem para o povo brasileiro. Povo sofrido, que luta arduamente para colocar um prato de comida na mesa e para chegar vivo ao dia seguinte. Um povo que não vê o respaldo de seus impostos pagos com tamanho sacrifício. Um povo sem saúde, sem educação, sem transportes públicos dignos, que sobrevive diariamente de teimoso que é, na melhor versão Guimarães Rosa, que já alertava em suas obras seminais que "o sertanejo" - logo, o brasileiro de fato - "era um bravo".

Tiririca diz que não aguenta mais. Que para ele, já deu. Que é impossível permanecer junto àquelas pessoas. É a primeira vez que sobe ao palanque da Câmara para se pronunciar. E também a última. Não porque simplesmente lhe falte inteligência, capacidade, coragem. Mas porque, como artista, não pretende usar aquele palco para enganar o povo. Que o façam os abutres, os ladrões da democracia, que volta e meia se vendem como heróis da resistência, prometendo "projetos de nação" a cada esquina. Projetos esses, é claro!, que nunca serão cumpridos, pois é justamente da falta de um projeto que reside o verdadeiro interesse desses homens, ditos do poder.

Resumo dessa ópera farsesca, desse teatro do bem e do mal (obrigado, Eduardo Galeno, pela referência!): vivemos o pior tragicômico de nossas história. Um país iletrado, onde o processo de educação nacional não passa de uma deseducação feroz, onde a fama e o celebritismo parecem, à primeira vista, as únicas escolhas plausíveis, onde o honesto é vilipendiado em todos os seus direitos mais básicos e o bandido, o celerado, o mentiroso, o esnobe, é tratado como fenômeno de mídia por atender às necessidades vis de um mercado corporativista insano e cruel.

E meio a tudo isso, foi necessário que um palhaço, um reles homem de circo, contador de piadas, deixasse de rir por um instante, para que enxergássemos a duras penas que, sim, ainda existem sujeitos homens e de bem em nossa pátria.

Para onde iremos? O Brasil tem jeito? Ainda dá para pensar num futuro? Não sei. Na verdade, acho que essa é a grande questão que nos perseguirá em 2018 - que se promete também macabro em suas intenções maquiavélicas - e nos anos seguintes. No final das contas: não sabemos, não fazemos ideia de quase nada...

Mas como é bom saber que não estou sozinho em minha decepção. E querendo um fim para tudo isso. Valeu, Tiririca!!! Você tem mais culhões do que essa gente toda.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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