Entra ano, sai ano e eu fico mais perplexo com o mundo a cada dia que passa. Às vezes me pergunto se já não era hora de eu cair na real e parar de me surpreender com a humanidade (e olhe que eu me considero um cético por natureza!), mas não adianta: meu pai dizia que a civilização sempre apresenta uma forma diferente de nos surpreender e ele estava com a razão. Na verdade, ele sempre esteve com a razão.
O mundo vem se mostrando um lugar difícil, de ódios declarados, discursos mesquinhos, infames, do tipo "não dou a mínima nem para você nem para ninguém" enquanto o dono do discurso aparece em algum programa televisivo para professar justamente o contrário, o papel do humanitário, daquele que ajuda a todos sem preconceitos. Aff! Chamar de hipocrisia não explica a situação atual do bicho-homem.
Certa vez disse numa conversa entre "amigos" que o ser humano era a única espécie humana que realmente merecia ser chamada de irracional e quase fui expulso do lugar aos pontapés. Azar deles se não querem enxergar a verdade...
Entretanto, existe um aspecto dessa sacanagem ambulante que normalmente costumamos chamar de sociedade civil que vem chamando a minha atenção nos últimos anos. Vivemos imerso numa espécie de cultura do ex.
Explico-me: nos últimos anos a quantidade de pessoas covardes, incapazes de assumir o que são, sua própria personalidade, seus defeitos, seus maus costumes, enfim, o que são de verdade, cresceu assustadoramente. É charmoso - há quem chame até de moda - ser o oposto do que se é fato. E o resultado dessa equação macabra são aqueles indivíduos (independente de gênero) que se auto-classificam de ex-alguma coisa.
Podem procurar. Andem pelas ruas rapidamente e na primeira esquina esbarrarão com um exemplar do gênero.
As ruas andam infestadas de ex-estupradores, ex-assaltantes, ex-criminosos, ex-putas, ex-garotas de programa, ex-viciados... Em casos extremos, há até mesmo ex-homossexuais (se vocês acreditam ou não, fica a cargo de vocês mesmo!). Eu nunca vi tanta gente ex-alguma coisa como nas últimas duas décadas. Agora ou estão convertidos pelas maravilhosas, transcendentais, únicas Igrejas Evangélicas (como eu gostaria de poder acreditar no poder dessas pessoas!) ou então simplesmente se tornaram cidadãos de bem do dia para a noite, num passe de mágica.
Para fechar o cenário, incluam nessa conta as admiráveis ONGs (organizações não-governamentais) e as plataformas autosustentáveis, que pregam a ideia recorrente de que o mundo é um lugar linda, acima de qualquer suspeita. Apenas uma questão de dar oportunidade a quem nunca teve. Ah tá...
A cultura do ex vem bem a calhar em tempos sombrios como os nossos, repletos de vilões com cara de mocinhos bem vestidos e usando colônias importadas enquanto dirigem seus porsches e ferraris último tipo e jantam em restaurantes sofisticados onde um prato de comida não sai por menos de 500 reais. Os nossos homens de terno de Brasília conhecem bem esses lugares. Perguntem a eles... Caso consigam passar pelos brutamontes que fazem as vezes de seguranças deles!
Os casamentos, diferentemente da época dos meus pais, tornaram-se mais curtos. É possível hoje, com muito boa vontade, casar-se 20, até 30 vezes. E ainda assim terminar a vida sozinha, longe das pessoas que "encheram o seu saco" (esse termo vem em aspas por um questão de satirizar o contexto, porque tem gente que até me bate se eu falar isso aqui a sério). Portanto, é possível que muitas pessoas venham a ter muitos ex. E do convívio com eles nasce uma cidadela de recalcados e mal-amados inseguros que se escondem atrás de um ritual de felicidade que, além de não se justificar, não os leva a lugar nenhum. Por mais que eles tentem provar o contrário.
Então por que tê-los? Com que finalidade? É por status? Carência? Meu Deus! Se o século XXI, que mal começou, já está desse jeito, imagine o próximo...
Como esse texto já nasceu não-conclusivo e irônico no rascunho, encerro-o com duas provocações: que mundo é esse em que as pessoas preferem administrar derrotas e descaminhos passados do que viver de forma coerente com o que acreditam? E por que preferimos ser personagens ao invés de pessoas de carne e osso?
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