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Moderníssimos, até hoje
(Tropicalismo chega aos 50 anos)
Roberto Queiroz

Eu estava me preparando para escrever um outro artigo quando vejo uma matéria no caderno cultural do jornal O Globo falando sobre os 50 anos do tropicalismo e sua relevância para os dias atuais. E então pensei comigo: "esquece! eu não posso deixar passar essa!".

E não posso mesmo.

O tropicalismo apareceu na minha vida de uma maneira um tanto acidental e mesmo assim ficou marcado tão profundamente em minha formação acadêmica e culural, que eu simplesmente não consigo (até hoje) me distanciar ou dissociar do fênomeno que ele se tornou.

Nos últimos anos, eu sei, os expoentes máximos desse pensamento têm sido atacados pela nova moda vigente no país: vamos esculhambar nossa própria história, transformar nossos talentos em algozes, diminuir sua importância. E o resultado disso: um país cada dia mais perdido em meio à sua própria falta de identidade e chamando qualquer um de mito, herói, sobrevivente ou exemplo de alguma coisa. Deus nos perdoe!!!

Mesmo assim negar as portas que a enxurrada tropicalista abriu cinco décadas atrás significa simplesmente fazer as pazes com o retrocesso e acreditar que, no fundo, gostamos de ser sórdidos e mesquinhos (e olha que eu tenho minhas sinceras dúvidas sobre a honestidade nacional, hein!). Mas deixe quieto que o tema do artigo não é esse...

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os mutantes, Rogério Duprat, Hélio Oiticica, José Celso Martinez Corrêa, Capinam, João Gilberto, Oswald de Andrade, Glauber Rocha, Torquato Neto, Festivais da Canção, Cassino do Chacrinha, Terra em transe, O rei da vela... Putz! Eu ficaria até o final do ano e não conseguiria concluir esse brainstorm. São múltiplos os talentos e referências de uma época que não deixou saudades porque está mais viva do que nunca (Duvidam? Ouçam Nação Zumbi e BaianaSystem de vez em quando e tirem suas próprias conclusões...).

Antes da tropicália, o Brasil era a sucursal máxima do aprisionamento intelectual e artístico. Yes, my friends, vivíamos o período militar - aquele que durou irritantes 21 anos - que, hoje, alguns teimam em achar que foi a oitava maravilha do mundo ou, pelo menos, não foi tudo isso que dizem. Tanto que desejam que aquela mentalidade retorne, em nome de tal "moral e bons costumes". Já teve isso de fato no Brasil? Digo: se tirarmos a poeira da hipocrisia e da convenção social... Já rolou? Mesmo? Pensem bem...

Os tropicalistas, indignados, romperam barreiras, confrontaram vanguarda e tradição, samba e jovem guarda, profundida e superficialidade, Ying e Yang. Ditaram o cinema novo (Glauber Rocha, mago universal de nossa sétima arte, que o diga!), a moda (lembram dos caracóis do cabelo de Caetano?), os costumes, a publicidade da época, o teatro formal que se fazia então... Houve exageros, é verdade (por exemplo: a hoje sem noção "Passeata contra a guitarra elétrica"). Mas guardadas as devidas proporções e entendidos os motivos por trás de tanta radicalidade, é fácil entender como um movimento que sequer durou dois anos - Caetano e Gil presos, o desmembramento, o exílio, etc - pode repercutir tanto ao longo de décadas.

Chego a retumbante conclusão de que o tropicalismo veio à terra para exercer o seu direito ao inconformismo, algo que o povo brasileiro de hoje deveria entender melhor e tomar uma atitude, ao invés de convocar pessoas para as ruas, com manifestações que não levam a lugar nenhum.

Tropicalistas regurgitavam tendências, modelos pré-concebidos, transformando-os em novos formatos possíveis. Infelizmente (assim como acontece hoje), muitos não os entenderam e acabaram por ser rotulados de alienados por parte da nação. Caetano explodindo contra a plateia do III Festival da canção durante sua exibição cantando "é proibido proibir" e, aos brados, gritando "vocês não estão entendendo nada"? Ou cantando "Boas festas" com uma arma apontada para a própria cabeça, durante o programa Divino, maravilhoso? Pois é... Para um povo que há anos está entre os líderes das nações mais analfabetas do mundo, é reacionário em excesso. Só poderia dar zica.

Mas querem saber? Mesmo desafetos, ainda são melhores do que qualquer falso formador de opinião ou religioso de araque dos dias de hoje. Relegados à posição de "ame-os ou odeie-os", permanecem atualíssimos e invejados por muitos que não tiveram competência de construir sua própria história e hoje sobrevivem às custas de difamações e críticas ao movimento ou aos artistas em particular (Lobão, cantor de rock dos anos 80, que o diga!).

Eu poderia permanecer meses aqui falando sobre o grupo, a época, o legado, e não terminaria o meu relato. Esse é um caso típico de artigo que precisa permanecer incompleto, para que os interessados em saber mais vão à luta e busquem mais informações. Livros, teses e vídeos no youtube sobre o tema não faltam! Portanto, ciente da condição de obra em processo de meu modesto artigo, chego ao fim desta empreitada narrativa pensando com tristeza: "não soubemos sequer reconhecer nossos momentos felizes. Não é à toa que o país está do jeito que está".

Quem sabe no centenário a gente toma vergonha na cara!


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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