Voei por engano para dentro da tua sala – assustado e atônito – não consigo achar a saída. Debato-me contra as paredes e o teto e vou desalinhando tudo a minha frente; derrubando quadros e porta-retratos meticulosamente arrumados pela saudade mórbida; machucando-me cada vez mais; exaurindo minhas forças, progressivamente. No entanto, te suplico: não me ajude, não tente me mostrar uma saída. Deixe-me quieto num canto qualquer desse tão vasto espaço.
Um leve movimento seu, por mínimo que seja, irá confundir-me ainda mais e, ao invés de achar a liberdade sonhada, irei, em desatino, abalroar-me nas vidraças transparentes que ludibriam a percepção do vago, com o desespero da fuga ou do fim, nem que seja a morte. Se, por ventura, deseja me ajudar, não me ajude. Sente-se sutilmente no piso desgastado pelos passos insones ou recolha-se a um canto discreto de penumbra para que eu não perceba sua presença. Congele-se. Amalgame-se com as tintas que cobrem o quadrado hermético e me desnorteiam. Há alguma janela aberta? Uma pequena fresta que seja? Quero realmente ser livre e, seqüentemente, sozinho? Devo lutar contra os ventos do karma que me empurraram para cá? Ou devo sucumbir à exaustão da inútil batalha? Afinal de contas, caso saia deste recinto, não durarei pela eternidade, é claro. Por que adiar o inevitável? Porém, se permaneço, cada segundo vira uma eternidade única que se soma a todos os outros segundos seguintes; insuportáveis. Se eu pudesse apagar as luzes... Aí, quem sabe uma luz vinda de fora me apontasse um caminho. Talvez? Se? A dúvida é que é a infinita clausura. Não. Não grite nem me acalante. Ambas atitudes me fariam seu eterno prisioneiro. Medo e afeto têm uma relação intrínseca com o ideário de amor. Por tendência, amamos nossos malfeitores que se alternam entre socos e afagos, concórdia e represália, punição e redenção, dor e alívio, estímulos enfim, negativos ou não. Como o amor de mãe e pai que, ao meu ver, muito mais prejudica que ajuda na evolução dos seus rebentos. Assim descaminha a humanidade!? Portanto, minha cara, respeite minha ausência ou permanência oca e fugaz – se me permite: invisível eu diria. Quem sabe um gemido de fêmea no apartamento defronte me chamasse atenção, como um sinal, um rito que prenuncia o acasalamento de seres insanos de rostos informes perdidos no desejo enorme na noite infinda na busca de um par; uma possibilidade de salvar-me do gato com unhas afiadas e crueldade infantil que, sorrateiro, me espreita e da lagarta esquecida, mimetizada na moldura velha de uma tela impressionista – penso na Ponte Japonesa de Monet como o habitat mais adequado – me perseguindo freneticamente, tentando se antecipar ao meu encontro com a parede. Retenho por mais alguns instantes a minha existência quântica.
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