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MAGIA E AGRURAS DO TEATRO INFANTIL
MAGIA E AGRURAS DO TEATRO INFANTIL
MARCIANO VASQUES

Resumo:
Texto que analisa e reflete aspectos do teatro infantil, a sua importância para a infância no contexto da era da informática e da tecnologia que mergulha a criança num universo de imagens e efeitos especiais.

MAGIA E AGRURAS DO TEATRO INFANTIL




     Precisamos inicialmente ir ao cinema, compreender o vasto universo tecnológico que com efeitos especiais satura o olhar infantil, numa profusão de imagens nunca antes sequer pensadas. O excesso de imagens tecnológicas tende a produzir o hipnótico efeito da passividade, o que é uma anomalia em se tratando de infância. Criança não combina com passividade, coisa que só com o tempo ela irá adquirir. E as produções contemporâneas, agigantadas nas parcerias com os fast-foods do mundo, que fornecem bonequinhos: os personagens que antes de irem para a tela grande a criança os encontrará nos lanches com batatas fritas.
     Em suas pelejas invisíveis ao olhar cristalino da criança os interesses econômicos de gigantescos impérios da arte cinematográfica, na tentativa de um desbancar o outro criam em seus laboratórios de idéias os filmes e as produções feitas por computador. Obras falsamente direcionadas para as crianças, mas que seguramente são para os adultos, com suas piadas politicamente incorretas, a mostrar, por exemplo, o mais famoso personagem de Literatura Infantil do mundo, o boneco de Collodi, de calcinha, de roupa íntima feminina, ou um príncipe afeminado, como se a utopia medieval não fosse para a criança um símbolo tão importante como outro qualquer em sua formação, e ser um príncipe pode ter um significado que não cabe aqui analisar, mas não pode ser desprezado, principalmente quando tratamos de crianças, que precisam aprender desde cedo os valores principais; e assim leva-se a cabo a tentativa de desmoralizar os contos de fadas, a partir dos quais ergueu-se o império primeiro. Disney formou-se com os contos de fadas, além do ratinho, é claro.
     Agora, além dessa questão, Deu a louca na Chapeuzinho, e Deu a louca na Cinderela, e deu a louca na máquina de fazer dinheiro.
     Nunca se produziu tanto na história do cinema. Talvez estejam a nos distanciar da comovente beleza que nos mostrou Giuseppe Tornatore. Histórias, a maioria para se esquecer, e a criança sabe lidar com isso. A coisa "Não pega" em seu coraçãozinho. Entretanto, nos últimos dez anos algumas obras realmente presentearam a criança com beleza, encantamento e importância, como "A Noiva Cadáver", "Spírit, o corcel indomável" , "A Menina e o Porquinho" e "A viagem de Chihiro", do mestre Hayao Miyazaki...
     Do cinema vamos ao teatro infantil.
     Ele tem uma irmã, a Literatura Infantil. É possível que um autor de teatro para crianças possa se aventurar na escritura de uma peça infantil sem ter contato e conhecimento da Literatura Infantil? Todos os contos clássicos, os chamados contos maravilhosos, e as fábulas, e as histórias, sejam holandesas, de Malta, da Alemanha, ou da África, podem ser transformadas em magníficas peças de teatro. Eis um inesgotável manancial. Mas não estamos apenas com os clássicos, com os textos recolhidos pelos Grimm na Alemanha, no Brasil por Câmara Cascudo, e os escritos por Charles Perrault. A Literatura Infantil contemporânea também fornece amplo material para o palco. Que o digam Ziraldo, Ana Maria Machado, e outros.
     Além da necessidade do contato com essa modalidade literária, será que o olhar sobre o teatro infantil é um olhar suficiente, que atenda ao seu chamamento? Como ele é encarado? Será que para muitos ainda não é algo assim como a Literatura Infantil, Infelizmente considerada como uma Literatura menor? Uma das grandes bobagens do pensamento contemporâneo, sem dúvida. É a velha história: "Ninguém ama o que não conhece". Se conhecessem saberiam que é leitura obrigatória para os adultos.
     A Literatura Infantil ainda não é suficientemente valorizada e reconhecida em sua importância no mundo acadêmico, onde a lentidão e o descompasso às vezes é justificado. Mas, e o teatro?
     Como o interpretamos? Como ele é sentido pelos que se aventuram numa estrada tão caudalosa? Para alguns autores certamente um teatro para ser infantil tem que ter música, muita dança e movimento, e assim por diante, e às vezes, além do excesso de sacolejos, uma barulheira infernal e a adesão, ou rendição, aos impérios ou frutos musicais midiáticos, mas nisso reside um grave engano. O conteúdo é o que mais importa para a sabedoria da criança. Criança não pode ser infantilizada ou adulterada, nem ser desprezada. Nunca foi boboca. Sabe o que quer e tem discernimento. Teatro Infantil é mais do que apenas “historinhas para crianças” e mais do que excesso de danças, sons e luzes e parafernálias (Eletrônicas? Pior ainda.), ele é de uma profundeza generosa, pois está destinado a um público exigente que é ricamente generoso quando gosta, mas faz cara de descaso se não foi envolvido. E o envolvimento reside no fato de que o que acontece ali diante da criança, ao vivo, aproxima-se do seu brincar.
     Criança pode engolir peças pequenas de brinquedos, mas não engole qualquer coisa. Quando adulta aprenderá mais facilmente a engolir sapos, se não cresceu adequadamente saudável em seu intelecto.
     O teatro infantil tem que equacionar-se com a sua proposital riqueza.
Ser apenas coadjuvante de trabalho pedagógico, servir de socorro circunstancial é uma falta de destreza ou de agilidade escolar. O teatro infantil é por si mesmo absoluto, jamais obsoleto, exige respeito e a sua façanha (e ousadia) está além de qualquer pretensão de ser usado apenas como apoio, recurso, estratégia ou instrumento da pedagogia. A sua pedagogia é o seu próprio encantamento. Ele não serve a ninguém nem a nada. Somente ao sorriso e ao olhar pleno de caça das novidades do mundo. Criança não pode ser afastada do teatro como eventualmente já do prazer da leitura em pedagogias insistentes poderá ter sido.
     O seu lúdico é a sua alma. Ele quer e necessita participar ativamente do crescimento da criança, da sua elaboração do mundo. Por isso o teatro brinca-se e quando faz isso, acerta.
     Todo texto é responsável. Nenhum pode escapar ileso ao olhar do leitor, assim é o do teatro infantil: não podem ser ofertados à criança coisas ocas, bobagens, descuidos. Ela deverá ser deixada livre para que possa promover por si mesma a viagem rumo à sua própria usina de entendimento, reconhecimento e construção do seu mundo. Deixe que ela mesmo garimpará a moral, por exemplo.
     Não se deve esmagar a magia infantil.
     Já basta o que ocorre na sala, quando a audiência caseira faz o seu cinema assistindo a um DVD, e um adulto, às vezes preocupado em preservar a criança do medo, diz que tal cena é feita por computador, que tal monstro ou personagem é um boneco, e assim por diante, estraçalhando o espanto e a maravilha do olhar curioso da criança. Quando menino, corria, como toda criança, para me grudar ao rádio para acompanhar as aventuras de Juvêncio, o Justiceiro do Sertão, na inesquecível Piratininga. Rompíamos bambuzais e zarpávamos como relâmpagos e num instante estávamos em casa, e aquelas cavalgadas do Juvêncio em temporais encantavam os ouvidos construtores da memória afetiva, e ninguém jamais me falou que aquilo era sonoplastia, que os relâmpagos nada mais eram do que alguém batendo numa folha de zinco. Deixe que a criança enriqueça o seu prórprio crescimento com a sua imaginação. Com o teatro deve ser assim; não entregue nada, muito menos conclusões, e menos ainda qualquer coisa que seja lição de moral. Não precisa, é absolutamente desnecessário. A criança, que me perdoem os adultos, é por demais inteligente. A sociedade que a vai moldando e por isso às vezes meninos e meninas tão espertos tornam-se adultos palermas.
     Local onde a criança reencontra a senhora Felicidade, Palco é extensão da casa onde florescem as oportunidades do desenvolvimento da imaginação, onde o pensamento aventura-se a criar histórias. Casa que não favorece o brincar, onde as histórias não podem nascer, precisa de ajuda, para que florestas e cidades mágicas nela brotem.
     Tudo isso é importante, mas, há incentivos para a produção de teatro infantil? Grandes prêmios, grandes concursos? Festivais? Estaria faltando no Brasil o que mais necessitam os que fazem arte? Condições para criar e levar em frente os seus espetáculos? Teatro infantil solicita mais do que quantidade. Qualidade é o seu mais precioso bem. O que significa: trabalho feito com primor, com zelo, mas, evidentemente, com recursos, não com desamparo. Independente disso, o teatro não pode seguir o caminho dos velhos circos sobreviventes nas periferias: os circos pobres e pobres circos de animais emagrecidos, nos quais palhaços sem graça reproduzem em constrangedores espetáculos o pior da TV.
     O circo sem recursos que vagueia como cigano nos subúrbios não compreendeu que a sua melhor forma para sobreviver está na originalidade, no afastamento da TV, na criatividade e no respeito à criança. O sorriso encantado da criança ainda é o seu utópico recurso, que não deve ser abandonado. Por isso, mesmo sem condições, o circo é como a escola. Tem que mostrar o diferente. No caso, resgatar a autenticidade circense.
     Magia e o encanto são coisas imperdíveis. Na era de velocidades, de excesso de imagens, e o vasto e infinito universo da informática, quando as cortinas se abrem o coraçãozinho salta e se encanta. O que acontece ali é algo mais vivo e mais parecido com ele.
      Criança é cúmplice de palco. Tem dentro de si uma coisa tão vibrante e emocionante que só pode ser comparada ao que acontece nele. E assim, com o coração saltimbanco, o espírito mambembe, finge que está na platéia, mas está no tablado, interagindo, dentes trincados, mãos na boca, olhos saltando, rosto resplandecente. A criança é teatro.
      A magia de se presenciar uma história que se desenrola na frente delas ao vivo (sem a menor necessidade de recursos técnicos /tecnológicos sofisticados) pode levá-las à simplicidade do brincar. Uma simplicidade que se faz tão mais necessária hoje em dia quando o imaginário infantil vai sendo atrelado às modalidades eletrônicas (passivas) de entretenimento. Um descuido, uma só desatenção, e as crianças ficarão passivamente paradas. Eis uma tragédia infantil.

                                                                                                        MARCIANO VASQUES


Biografia:
Marciano Vasques é escritor, natural de Santos, e autor de Literatura Infantil. Publicou diversos livros, entre os quais "Uma Dúzia e Meia de Bichinhos", "Griselma", "Arco-Íris no Brejo", "Espantalhos", "Rufina", "Uma Aventura na Casa Azul" e "As Duas Borboletas". É também autor teatral.
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