Cansado de pescaria
encostei a vara num canto,
um peixe beliscou minha panturrilha
e me disse quase aos prantos:
"Senhor, quero ser pescado
e vou lhe contar o motivo,
não que eu não seja amado,
ou me ponham de castigo...
Minha família é imensa,
amontoados na loca,
vivemos uma vida tensa,
falta de farelo e minhoca...
Me despedi dos meus pais,
não queriam me deixar partir,
com os irmãos foram muitos ais,
mas decidido eu tive que ir...
Escolhi deixar a casa e agora
peço ao senhor que lance a isca,
quero ser pescado, sem demora,
de extinção não estou na lista...
Tenho irmãos pequenos, famintos,
comem as barbatanas uns dos outros,
isso que lhe digo é verdade, não minto,
acho que estão ficando loucos...
De cima a baixo já nadei o rio todo,
vasculhei cada buraco encontrado,
até canoas afundadas, nenhum traço
de comida, só barro e muito lodo...
Percebi o sol claro pelos olhos da água,
esperei por um pescador no barranco,
tim-tim por tim-tim, sem mágoas,
conto-lhe tudo, aos solavancos...
Mais uma coisa, deixe-me lhe dizer,
tenho certeza do que faço agora,
vivi tudo o que podia viver,
pelo relógio de Deus
chegou a minha hora..."
Ouvi tudo e, muito comovido,
aceitei a tarefa de pescá-lo,
peguei a minhoca de dentro do vidro
e perguntei-lhe, num vivaz estalo,
se estava de bom grado a isca,
se a mais gorda iria agradá-lo...
Ele me disse que sim,
que morreria de barriga cheia,
mesmo que chegasse o fim
como o mar chega na areia...
Pelos menos salvaria a família
de morrer por inanição,
nem todo peixe é uma ilha,
todos eles tem um bom coração...
Lancei a isca no rio,
esperei quase que uma eternidade,
como espera a blusa pelo frio,
a mão estendida espera a bondade...
De repente uma forte fisgada,
quase que a vara escapa da mão,
a linha bambeou e ficou esticada,
à boca veio as batidas do coração...
Não fiz força, puxei devagar,
já perto da margem lá estava ele,
boiando, cansado de lutar,
vi a morte matando a sua sede...
O apanhei como a um filho no berço,
ainda se mexia, retirei o anzol,
rezei a metade de um terço,
nas escamas resplandecia o sol...
Deitei-o na grama, ele partiu,
um rebuliço na água, todos estavam lá,
um murmúrio, um réquiem reluziu,
peixe não chora, eu me pus a chorar...
Levei-o ao fogo para o assamento,
limpei-o das vísceras todas,
era como se eu morresse por dentro,
pensei, como essa vida é louca...
Hoje passo meus dias
levando a vida sem nada pescar,
passo horas escrevendo poesias,
sobre mim, sobre ele, sobre o que é amar...
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