Agora tenho somente problemas metafísicos, mas na época em que eram físicos, uma sinusite que não me largava, cabeça pesada latejando, parecendo explodir, me obrigou a procurar um otorrino.
Dr. K. me recebeu sorrindo, e, cumprimentando, me convidou a entrar no consultório. Respondidas as perguntas de praxe, comecei a relatar o que me trazia ali. O médico escutava atentamente, fazendo anotações. Findo o relato, tomou o receituário e me prescreveu o anti-histamínico A.
O remédio surtiu efeito imediato, só que passadas duas semanas o problema voltou e desta vez a solução tardou. Passados dois meses, o remédio não mais fazia efeito. Voltei ao Dr. K que me prescreveu o anti-histamínico B.
A história continuou assim por mais um tempo. Depois do anti-histamínico B houve ainda o C, o D, o E... Para encurtar um pouco a narrativa, tomo a liberdade de passar logo para a consulta Z+1. A esta altura, o sorriso do Dr. K já era mais puxado para o amarelo, o cumprimento menos efusivo e quem perguntou fui eu: “Como é Dr. K, agora que a gente chegou no Z, o que é que a gente ainda pode fazer?”
“ É, né...” foi a lacônica resposta, e o sorriso amarelou de vez.
Fez-se um demorado e embaraçoso silêncio. Talvez para quebrá-lo foi que o Dr. K disse, olhar baixo, quase envergonhado, sorriso maroto querendo desabrochar: “A gente podia tentar novamente o anti-histamínico A. Passaram-se alguns meses e quem sabe, agora faz efeito. O tempo faz milagres.”
O sorriso maroto do Dr. K bateu e rebateu em mim, mas eu não disse nada. Para deixar claro que eu não estava gostando da brincadeira e que aquele jogo de escondidas intenções estava começando a me irritar, foi que resolvi ser mais explícito: “O que é que a gente pode fazer para eu me ver livre desta desgraça.” O "desgraça" foi dito em um tom um pouco mais enfático do que seria apropriado e deixava no ar a possibilidade de acontecer alguma "desgraça", ali mesmo, naquele consultório, naquela hora.
“Olha, solução existe, mas...” Dr. K me olhava de lado, estudando a minha reação.
Como a reação não veio, Dr. K continuou: “Mas primeiramente a gente vai ter que fazer alguns exames.” E me mandou fazer uma tomografia computadorizada das cavidades paranasais que apontou desvio de septo e obstrução do complexo óstio-meatal, seja lá o que isto for.
Voltei ao consultório. Vinha de cabeça baixa, ombros curvados. Já Dr. K não. Tinha voltado a sorrir e chegou até a abrir os braços em um cumprimento efusivo. Depois, sentou-se na escrivaninha, leu o laudo com atenção e estudou os exames demoradamente. Passando a mão pelo rosto, cenho enrugado e fingindo ar preocupado, disse: “É, de fato confirmou-se o que eu já suspeitava. No teu caso não há anti-histamínico que resolva. Mas, garanto que você vai se ver livre dos problemas, uma vez por todas. Para sempre. No teu caso só ciru...” Os olhinhos dele brilhavam no lusco-fusco do consultório.
Não sei se foi o "para sempre" que despertou a minha reação, porque solução definitiva para a doença, eu só conheço uma. Só sei que eu não deixei ele completar a frase. Interrompi, pedi para ir ao banheiro e me mandei para nunca mais voltar. A sinusite? A sinusite resolveu-se como costumam se resolver as coisas. O próprio Dr. K tinha dito que o tempo faz milagres. Como disse no início, meus problemas hoje são tão somente metafísicos.
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