Deu o último trago e jogou a guimba pela janela. O incandescente objeto viajou por doze andares até encontrar um toldo amarelo pelo caminho.Atravessou a lona com o que restou de sua brasa e morreu numa xícara de café. O freguês do bistrô, que lia distraído a página de classificados do Diário da Tarde, levou sutilmente a xícara até a boca sem perceber que na espuma de seu expresso havia uma interferência. Bebeu o café e o devolveu aos ares com os mesmos lábios que já gritavam o garçom:
_ Que absurdo é esse? Quem fez essa brincadeira de mal gosto? Eu exijo uma explicação muito convincente! Onde já se viu, uma guimba de cigarro no meu café!
_Perdão, senhor, não estou entendendo!
_Como assim não está entendendo? Por um acaso o café aqui vem com guimba no lugar do biscoitinho de nata?
_O senhor está me dizendo que tem uma guimba no seu expresso?
_Olha, seu inútil! Não está vendo aqui na mesa? O que me diz dessa palhaçada?
O garçom coçou a cabeça, fitou os olhos no objeto encharcado, na xícara, no freguês, depois se atreveu:
_Eu lhe trago outro café.
O homem encheu os pulmões com violência, franziu a testa e soltou:
_Chame seu superior.
Segundos depois voltou o garçom trazendo um baixinho de bigodes que dizia ser o dono do bistrô. O freguês, sem rodeios, puxou um documento da carteira e em pouco tempo as portas do estabelecimento foram lacradas.
O homem que tomava tranqüilamente seu café e lia o Diário da Tarde era um impaciente funcionário da vigilância sanitária. Além de fechar o bistrô por tempo indeterminado, aplicou uma multa ardente pelo fato, que foi paga pelo garçom pouco antes de ser demitido.
O baixinho de bigodes desolado com a circunstância, bateu seu automóvel na volta pra casa subindo o prejuízo e a desgraça daquele dia.
O garçom, ao reencontrar a esposa e esclarecer-lhe o episódio e suas conseqüências, fora mais uma vez chamado de inútil e abandonado em seguida.
Meses depois, eis o que o arremesso inconveniente causou:
O baixinho de bigodes abriu uma casa lotérica e foi assaltado três vezes;
O garçom matou a mulher e se enforcou;
O vigilante sanitário nunca mais tomou café.
E o cara do décimo segundo andar?
Este fora internado há duas semanas com enfisema pulmonar na Santa Casa.
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Biografia: (Viçosa/MG, 1975)
Graduada em Belas Artes pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG (2000), pós-graduada em História (2003). Jacqueline Lopes Salgado Soares, (Jacqueline Salgado) é escritora e artista plástica mineira conhecida pelos textos curtos e relatos autobiográficos, onde narra sua infância através de crônicas, contos e poemas. Autora dos livros infantis "A Menina, a Pedra e o Ribeirão" e "Presente de Aniversário", ambos pela editora UFV (Universidade Federal de Viçosa/2010)narram fatos reais de sua vida. Vive em Belo Horizonte, MG, desde agosto de 2008, onde matém uma biblioteca própria e coordena grupos de estudos litarários.
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