À meia noite em ponto, todos os dias, Cosme deitava na cama. Ao seu lado, Joice sua querida e amada esposa de quase quatro décadas de união e comprometimento mutuo. Dava um suave beijo no rosto dela com todo cuidado para não despertá-la e virava-se para seu lado de costume. Mas, não dormia, ficava pensando sobre o que tinha sido sua vida até aquele momento. Aquilo não era uma lamentação era antes de qualquer coisa uma reflexão. Sua vida nunca foi o mar de tranqüilidade e felicidade que sempre sonhou (como todo mundo também sonha), mas, também sabia que sua vida, até aquele momento, nunca tinha sido um mar de desgraças ou algo parecido. Disso ele não tinha duvida alguma. Porem o que sentia é que não merecia tudo o que conquistou. Não em relação a bens materiais, que os ladrões minam e roubam e a ferrugem consome, como dizia uma de suas passagens bíblicas preferidas, mas em relação às pessoas que com ele conviveram: seus familiares, sua amada esposa, seus amigos e conhecidos. Que todos eles o amavam não havia duvida, muito menos sobre a recíproca verdadeira.
E ali aos sessenta anos de idade, ele se perguntava o que tinha feito para merecer pessoas tão maravilhosas, tão atenciosas. Logo ele que sempre se achou ranzinza, tagarela e por demais indiscreto. Muitas vezes costumava dizer para Joice: “Se fosse você já teria se divorciado de mim há muito tempo”. Ao que ouvia afavelmente da querida e dedicada esposa: “Se tivesse me divorciado de você, estaria unicamente me divorciando de mim mesmo”. Ai Cosme entendia a mulher maravilhosa que havia escolhido (que tinha a sorte de também ter sido escolhido por ela) percebia o quão tinha sido feliz em dividir sua vida e seu mundo com ela, mesmo assim continuava achando que não merecia tanto, e quando aquele senhor colocava alguma coisa na cabeça, era quase impossível tirar.
A mesma coisa era em relação aos familiares e amigos. Jamais gostou de incomodá-los com seus problemas, mas nunca hesitou em fazer o que fosse possível, e muitas vezes até mais que isso, para ajudá-los. E isso não importava quem fosse, se um amigo de longa data ou alguém mais próximo ou mesmo alguém que acabara de conhecer. Em qualquer desses casos ele era a mesma pessoa caridosa e generosa. Que dava sem pedir em troca. Mas não era só por esta questão de caridade que ele conquistava as pessoas, era mais por seu jeito amigo de ser. Conversava com todos, falava muito, com um jeito só seu de ser ranzinza e ao mesmo tempo gentil. Melancólico e ao mesmo tempo saudoso. Tagarela e ao mesmo tempo atencioso. Assim todos o amavam. E era justamente isso que ele achava um galardão acima de seu merecimento. Entretanto, quando se perguntava o por que daquele sentimento de inferioridade, não sabia responder. Principalmente, por que não havia o que responder. Ele era honesto, bom, amigo de todos. Só precisava ser amigo de si mesmo. Afinal, era lógico que ele havia cometido alguns erros em sua vida (talvez até, muitos). Mas, quem pode em sã consciência pode bater no peito e dizer que nunca errou? Que nunca chorou? Ou que nunca foi covarde, mesmo que seja escondido para ninguém ver? Com ele, assim como com todo mundo. Não era diferente. Mas, ali não era um tribunal, nem ele o juiz, advogado ou mediador. Réu ou muito menos; Vítima. Ele era apenas um homem sexagenário refletindo sobre sua vida.
Sua reflexão, porém, era interrompida pela esposa (o que ocorria todos os dias). Precisamente às duas horas da madrugada ela mostrava o relógio e costumava dizer: “Pare de conversar com seus pensamentos. Venha que eu preciso de ti em meus sonhos”. E ele obedecia prontamente e então um sonhava com o outro. O descanso enfim chegava e só assim Cosme parava de se questionar sobre sua importância para todos ao seu redor.
E enquanto ele dormia, não muito longe dali. Seus familiares e amigos oravam e agradeciam por tê-lo em suas vidas. Também pediam por ele e por Joice, sua querida esposa. Talvez ele não soubesse disso como muitos não sabem: mas que dá amor, quem porpaga esse sentimento maravilhoso, não onde e como esteja, sempre receberá de volta.
|