Não adianta, não consigo evitar, estou sempre relacionando objetos com pessoas, pessoas com livros, poesias com acontecimentos. Pensava nos versos de Camões, “Amor é fogo que arde sem se ver”, Camões que me perdoe, mas cremação também é fogo que arde sem se ver. A despedida é ali, na frente de todos, depois, sabe lá em que dia – o fogo.
Queimar o corpo e liberar o espírito é coisa dos nossos antepassados e acho que só depois que o homem passou a crer na ressurreição é que trocou o fogo pela inumação.
Muita gente diz que prefere a cremação. Não aceita ficar pagando aluguel de terreno em cemitério, ou que a família fique com este ônus. Assim mesmo a família ou o morto antes de partir, precisa decidir onde quer espargir as cinzas.
Num dos últimos velórios que compareci meu amigo Carlos resolveu fazer uma observação dramática, bem na hora do sepultamento. Olhou para mim sério e lascou:
- Esse espetáculo eu não vou proporcionar para vocês.
Logo perguntei se ele iria nos matar a todos primeiro, temendo um atentado.
Ele respondeu que não, seria cremado. Avisei que não perderia o churrasco, acompanharia até a hora da ignição para ter certeza que não entregariam as cinzas erradas, isso se morrer depois dele.
Aí complicou, ele pediu para espargir as cinzas em Santa Catarina, em Bombinhas, de avião. Já disse que é impossível. Tenho medo de alturas e ainda mais que o avião certamente vai jogar o vento para dentro com as cinzas na minha cara. E se eu abro a boca de pavor?
Prefiro a idéia da tia de uma amiga que pediu para jogar as cinzas em Nova Iorque, com passagem e diárias pagas, é claro.
Enquanto não chegamos a um acordo, combinamos viver.
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