Se é pra falar de minha juventude, devo dizer que nunca gostei muito de estudar. De escrever, sequer me ocupava. Já dos bons livros, sempre gostei. Só que a professora de literatura passou um trabalho pra lá de chato, cujo tema era "Os segredos que os livros nos revelam".
O trabalho valia nota e o que era pior: até aquela época eu tinha lido somente algumas obras literárias e não sabia muito sobre os segredos dos livros; nem mesmo estava interessado neles, lia simplesmente pelo prazer de ler - nada mais.
O certo é que perdi duas noites de sono e o gosto pela leitura, de tão preocupado que fiquei. Mas, como pra tudo tem solução, tomei a decisão de consultar quem sabia das coisas. Foi quando tive a ideia de entrevistar Gilberto Freyre. Ele sim era a pessoa mais indicada pra falar sobre livros. Mas como abordar uma pessoa tão importante e ocupada? O que fazer para entrevistá-lo? A princípio a ideia me pareceu meio absurda e fora de propósito.
Fora de propósito ou não, fui até o Instituto Joaquim Nabuco. Chegando lá, disse para a recepcionista que queria entrevistar Gilberto Freyre: simplesmente isso. E para minha surpresa ele me recebeu em seu gabinete. E muito bem, por sinal. Mas não quis ser entrevistado ali, no local de trabalho. Disse que ia conceder a entrevista na residência dele. Disse-me que lá, poderia responder às minhas perguntas com mais tranquilidade.
No dia seguinte, na hora marcada, lá estava eu - na porta da casa dele. Não demorou muito e logo a esposa dele veio me receber, conduzindo-me até onde ele estava. Encontrei-o sentado numa poltrona, no meio de uma sala abarrotada de livros. De mobília aquela sala quase nada tinha, mas de livros, de livros ela estava cheia. Havia livros em tudo quanto era canto, até no chão. E não eram poucos livros não. Eram muitos livros, milhares deles, talvez. Aquilo me deixou curioso, deu vontade de perguntar:
- O senhor já leu todos esses livros?
Porém, não perguntei nada. Se ele tinha lido ou não, aqueles livros, não era da minha conta. Por isso, tratei apenas de me sentar e liguei o gravador para entrevistá-lo. Mas, antes que eu perguntasse qualquer coisa, foi ele quem primeiro começou a fazer perguntas. De início quis saber a minha idade, depois perguntou se eu estudava e que série estava cursando. E no momento seguinte começou a falar sobre a importância dos estudos na vida de um jovem. E durante um bom tempo, falou ainda de muitas outras coisas, das quais nem sequer guardo lembrança.
Pelo jeito a conversa ia se estender pela tarde inteira, não fosse a interferência da esposa dele:
- Olhe, Gilberto, o rapaz pode não dispor de tanto tempo assim. Ele veio aqui só para entrevistar você.
Então, ele se encostou no sofá e disse:
- Pode fazer suas perguntas.
Lembro-me de ter feito várias perguntas, principalmente sobre os segredos que uma boa leitura nos revela. No final, quis saber o que ele pensava sobre a vida:
- O que é viver para o senhor?
E surpreendentemente ele me respondeu:
- Viver é, antes de mais nada, um grande risco.
Na época, não dei muita importância à resposta dele.
- Que grandes riscos a vida podia trazer para um jovem?
Nenhum, já que todo jovem se julga quase imortal. Na juventude, os riscos não existem, sejam de vida ou de morte. Nada pode amedrontar um jovem, nada pode tolher tão impetuosa vontade de viver.
Hoje, depois de tantos anos, já não enxergo as coisas dessa forma. E vejo-me na obrigação de concordar com aquele sábio homem. Porque viver é realmente um grande risco, principalmente para quem não gosta de estudar.
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