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A MENINA DE BRANCO
Jota Santiago

Deitado nesse leito de hospital, sei que me resta pouco tempo de vida. Cheio de medo, espero apenas o momento do meu derradeiro suspiro. Os médicos dizem que meu estado de saúde é irreversível, porque a doença já se espalhou por todo meu corpo. Estou morrendo e ninguém pode fazer mais nada por mim.

        Antes de morrer, porém, quero contar a minha história, mesmo que as pessoas digam que sou um grande mentiroso ou que perdi definitivamente o juízo, ao relatar coisas tão absurdas e completamente fantasiosas.

        Tudo aconteceu em 1973. Naquela época, apesar de ser apenas um rapazola, eu já frequentava bares e boates. E sempre que podia vagava solitário pelas noites e madrugadas, em busca de aventuras e prazeres fáceis. Foi numa daquelas noites que, para meu encanto e castigo, conheci uma garota - de quem nunca vou esquecer.      

        Havia na minha cidade duas boates, sendo que uma delas era a minha predileta. Por fora ela tinha o aspecto de uma caverna, toda moldada no gesso. Por dentro, era aconchegante e cheia de cavidades. Era ali onde eu tomava minhas cervejas e dançava com algumas garotas.

        Certa noite, sentado numa das mesas daquela boate, notei que uma menina de vestido branco olhava pra mim, com grande interesse e insistência. Quando um fecho de luz negra iluminou o rosto dela, percebi que se tratava de uma linda garota. Por isso, sem perda de tempo, fui até onde ela estava e convidei-a pra dançar. Ela aceitou.

        Enquanto dançávamos, reparei melhor nos traços dela. Era realmente uma linda menina, quase uma princesa. Tinha cabelos loiros e uns lindos olhos verdes, que além de muito vívidos, eram cheios de ternura. Do seu corpo exalava-se uma fragrância inebriante, que mais parecia o suave eflúvio do jasmim.

     Ao som de músicas românticas, dancei com Mariana - esse era o nome dela - durante um bom tempo. Mas quando o ritmo das músicas se fez mais acelerado e barulhento, ela soltou-se de mim e começou a girar pelo salão. Meio sem graça, voltei para minha mesa.

        Então, como forma de me agradar, ou talvez de se desculpar, Mariana veio de lá rodopiando, até que ficou a dois passos de mim. Dançando e se peneirando toda. Por fim começou a balançar os quadris, de um jeito tão gracioso e sensual que me deixou absolutamente deslumbrado. Depois, veio sentar-se perto de mim. Não demorou nada e já estávamos abraçados.

        Ao final de algum tempo, totalmente enfeitiçado por aquela menina maluquinha, eu já não era dono dos meus anseios e nem sequer de mim mesmo. Por isso, tomei Mariana em meus braços e dei-lhe um beijo ardente e demorado. Não satisfeito, durante o resto da noite provei mais e mais dos beijos daquela menina, que eram doces como mel de araçá.

        Já era de madrugada quando fui deixar Mariana em casa. Com muitos beijos e abraços nos despedimos, com a promessa de nos encontramos dentro de mais dois dias. Mas, uma semana se passou e Mariana não apareceu. Meio despeitado fui até a casa dela. Ao chegar no portão, bati palmas. Veio de lá o pai dela, um velho corcunda e careca, de aparência meio desleixada.

          - Pois não.

          - Boa noite, Mariana está?

          O homenzinho franziu a testa, olhou-me cheio de desconfiança e depois perguntou:

          - Quem é você, moço?

          - Meu nome é Marcelo, sou amigo de Mariana.

          - Sei - resmungou o velho.

          - Por obséquio, pode dizer a ela que estou aqui?

          Dessa vez o homenzinho me olhou ainda mais desconfiado.

        - Olhe, moço, eu não conheço você... mas se não sabe, Mariana morreu faz mais de dois anos.    

          Ao ouvir as palavras dele, achei que estava brincando comigo.

          - Está certo, meu senhor. Mas isso de dizer que Mariana morreu... não tem a menor graça.

        - Não tem graça mesmo não, meu rapaz - raivejou o velho, mostrando um certo azedume no rosto. - Se falei que Mariana morreu, é porque ela morreu mesmo. Não ia brincar com essas coisas.

        Além de mentiroso, mal-humorado. Mas por que ele estava mentindo pra mim? Se não queria que Mariana falasse comigo era só me mandar embora. Para que inventar que a filha tinha morrido?

        Querendo ser gentil ainda tentei conversar com a criatura, e até perguntei o nome dele.

       - Meu nome é Herculano... Herculano Santos - respondeu o velho de mau jeito.

      Respondeu à minha pergunta e ficou calado, de cara fechada. Fechei a cara também e não quis mais conversa com ele. Não gostei do corcunda, nem ele de mim. Despedi-me dele e tomei o caminho de casa, deixando-o para trás. Era só o que me faltava, um velho maluco escondendo a filha de mim, como se eu fosse algum maníaco sexual.

        No dia seguinte fui até a casa de Evandro, um amigo de infância. Encontrei-o no jardim, regando flores e samambaias. Tão logo me viu, veio ao meu encontro.

       - Quem é vivo sempre aparece.

       Ficamos conversando por algum tempo, no meio da conversa perguntei:

       - Você conhece um velho chamado Herculano Santos?

       - Conhecia, o velho já morreu - respondeu Evandro.

       - Que morreu que nada! Estou falando de um velho corcunda, meio maluco.

      - Com esse nome, meu amigo, só havia um corcunda na cidade. Mas por que esse interesse pelo finado?

       Ia responder com uma mentira qualquer, quando ele me fez outra pergunta:

       - Espere aí... você que perambula muito pela noite, por acaso já passou perto de uma casa amarela, que fica do outro lado da ponte?

      - Eu não! Por quê?   

      - Porque era lá que o velho morava, antes de morrer.

      - E daí?

     - Daí que as pessoas dizem que aquela casa é mal assombrada.

     - Você disse que a casa é mal assombrada?

     - Pois é. Agora que o velho, a esposa e a filha dele morreram, as pessoas contam que coisas assombrosas acontecem naquela casa. Dizem até que, durante a noite, as luzes da sala se acendem e pouco depois o fantasma do velho aparece no portão da casa.

     - Então o velho tinha uma filha? - perguntei, cheio de curiosidade e apreensão.

     - Tinha. Chamava-se Mariana, a menina. Uma linda loirinha de olhos verdes, que vez por outra aparecia na casa de minha tia.

     - E como foi que ela morreu?

     - Morreu junto com o pai e a mãe, vítima de um terrível acidente de carro.

     - Que história mais triste!

     - Triste e lamentavelmente trágica, meu amigo. O pior é que agora, depois da morte dessas pessoas, ninguém mais tem coragem de passar perto daquela casa, principalmente à noite.

     Evandro contou-me ainda que mais coisas aconteciam naquela casa. E quando terminou de contar tantas histórias, ficou parado, no meio do jardim, espreitando a minha reação. Como permaneci calado, ele então me perguntou:

      - Você acredita em fantasmas, Marcelo?

      - Sei lá. Mas de certas histórias, melhor não duvidar - respondi, disfarçando meu medo.





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