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O festival mais sexy de todos os tempos
Roberto Queiroz

Bráulio Fonseca era colecionador de cenas eróticas de filmes cinematográficos. Começou quando viu uma cena de felação no filme Brown Bunny, de Vincent Gallo, em que a atriz (gatíssima por sinal!) metia a boca no trombone literalmente, para delírio dos fãs e assombro da plateia do Festival de Cannes, cujas soçialites desconsoladas saíram gritando - ou senão chorando - da sala de exibição.

Fez a última contagem de sua videoteca particular: 185 filmes. De estupros filmados em plano-sequência a relações lésbicas num hotel de quinta categoria em algum lugar remoto de Veneza, ele tinha de tudo. Suas atrizes preferidas do momento eram Audrey Tatou e Monica Bellucci, porém houve fases muito interessantes, como o período Sharon Stone (com seus picadores de gelo e voyeurismos avassaladores) e a era Claudia Cardinale. [pausa para o momento máximo: a atriz tomando banho num ofurô em pleno western de Sergio Leone].

Sua coleção era idolatrada pelos colegas de faculdade - inclusos na conta alguns professores -, vizinhos de prédio, o antigo analista, verdadeiro maníaco sexual que só optara por estudar psicologia para ficar mais perto das mentes sórdidas que andavam vagando por aí. Por isso, política de boa vizinhança, emprestava suas cenas sem traumas. Em recompensa, os amigos indicavam novas cenas de filmes que acabavam de estrear no cinema ou acabavam de ser lançadas no mercado de vídeo.

"Já viu aquele filme com a Kate Winslet em que ela usa um maiô vermelho e leva o filho pra piscina, conhece um vizinho pintoso, chove e eles vão pra casa dela correndo pra fugir da tempestade e..."

"Tem aquela da Nicole Kidman trocando de roupa no início do De Olhos bem Fechados, do Kubrick. Conhece, não? Benza Deus!".

"Procure uma atriz chamada Asia Argento. Ela é especialista nesse tipo de cena que você tá procurando. E nos filmes do pai dela volta e meia também rola uma sacanagem".

"Eu ontem assisti uma ótima num filme de guerra. Como é que era o nome do filme mesmo? Hã? Soldado Anônimo. Acho que era isso. A mulher manda pro marido que está na base militar uma fita do filme O Franco Atirador. Depois que mostra o título do filme, aparece ela com o melhor amigo do cara transando na casa dele. Demais!"

A quantidade de dicas foi se tornando tão grande que ele acabou montando um blog, uma espécie de lista onde todos os interessados poderiam dar sugestões, aumentando assim o acervo do colecionador. Virou uma febre! Todo dia Bráulio recebia mais de 50 mensagens com nomes de filmes e descrições de cenas, mas muitas delas eram filmes medíocres, produções B feitas sem o menor capricho. E ele não queria baixar o nível de sua coleção.

Suas duas últimas namoradas é que não gostavam nada do colecionismo dele e não à toa largaram-no depois de 8 meses e um ano e meio de relacionamento, respectivamente.

Mas nada para Bráulio tinha mais importância do que sua videoteca particular. Era mais do que uma paixão. Tratava-se de uma especialização. A única coisa em que ele era bom, que realmente sabia fazer, era reunir aquele material.

Daí nasceu o festival de curtas eróticos, em que seriam aceitas inscrições de filmes que trouxessem novas interpretações a cenas clássicas do gênero, como a antológica cena de 9 semanas e meia de amor, com Kim Bassinger provando todos os sabores oferecidos pelo galã Mickey Rourke. Ou a dupla Antonio Banderas e Angelina Jolie na banheira em Pecado Original. E até mesmo a Rainha dos Baixinhos, Xuxa, no memorável e inesquecível Amor, estranho amor.

A seleção levou meses. Muitos colegas produziram de forma caseira, algumas com alto nível técnico, editadas em Movie Maker com qualidade impressionante de visualização. Houve até quem pedisse conselhos a produtoras de renome, tudo para faturar o grande prêmio que eram cópias de todas as cenas da coleção particular de Bráulio.

"Essa é minha e ninguém tasca".

"Espera sentado, balofo, pra não cansar".

"O bom de sonhar é que é gratuito. Pelo menos, a decepção será menor pra vocês dois quando eu faturar essa coleção".

Começa o festival: 125 filmes, apenas uma categoria (Bráulio entendeu que quanto mais categorias houvesse seria pior, pois mais pessoas iam querer cópias de sua coleção e ele não desejava muitos concorrentes).

Foram 10 dias de festa, com apresentações de bandas de rock independente, shows de malabares, saraus, leituras de roteiros para futuros projetos (eróticos, é claro!), fãs da sexy arte de toda a cidade, impersonators, até empresas do ramo de filmes pornográficos apareceram oferecendo seus produtos, que ficaram encalhados já que o lance ali não era vulgaridade, mas sim estilo.

O bate-boca durou toda a competição e dois filmes estavam dividindo as opiniões sobre quem deveria levar o prêmio e não havia premiações para segundo e terceiro lugar: "Doidivana", de Arthur de Lima, uma versão lésbica da cena de Beleza Americana em que o pai de família vê a melhor amiga da filha na cama cheia de pétalas de rosas (na nova produção era a professora de educação física que imaginava a menina e se alisava numa cadeira de balanço) e "Cowgirls", da dupla Alexandra Novais e Victor Ferreti, em que as stripers do porno soft Showgirls, de Paul Verhoeven, viram vaqueiras de rodeio e fazem a dança do colo em homens que queriam tirar de uma vez por todas a dúvida sobre se eram homossexuais ou não.

As torcidas, frenéticas, elevaram o nível da competição até o último minuto. Quando a comissão julgadora - formada por Ananias Martelli, diretor da escola municipal da cidade, Augusto Moraes, um empreiteiro que vinha ajudando no crescimento da região com a construção de prédios comerciais e shoppings e Analice Rosendo, uma ex-vedete hoje professora de ensino médio - abriu o envelope, pessoas se benziam e outros conclamavam São Judas Tadeu em nome do seu favorito.

"Por favor, São Judas, não me desampare nessa hora!"

E chega o momento fatídico:

"E o vencedor é... Doidivana", revelou Ananias com direito a pausa dramática e tudo.

A torcida de Cowgirls, furiosa, atirou objetos os mais variados em direção à mesa julgadora, tendo um desses atingido Analice na bochecha. A turma do deixa disso entra na disputa e os ãnimos são arrefecidos, enquanto o diretor vitorioso sobe ao púlpito para receber o troféu e a caixa com as cópias das cenas.

Polêmicas à parte, o evento é um sucesso e já se fala numa segunda edição para daqui a dois meses. Dessa vez Bráulio pretende contemplar o vencedor com uma câmera digital portátil (encontra-se nos últimos acertos com uma empresa patrocinadora)

Nota: Durante a exibição dos filmes foram ouvidos gritos de protesto contra o realizador do evento. Motivo: alguns curtas teriam sido desclassificados somente pelo fato de seus realizadores serem desafetos de Bráulio Fonseca, criador do festival. Nada foi confirmado até o momento e as investigações prosseguem sem mais novidades. O curador do evento, Bráulio Fonseca, recusou-se a prestar declarações á imprensa. Disse apenas que futuramente, caso necessário, fará um comunicado oficial.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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