Querem que professores e diretores tomem providências. Mas com as mãos amarradas. A máxima "dois pesos, duas medidas" é uma constante. Na verdade, vários pesos e várias medidas, pois situações idênticas podem ter desfechos completamente diferentes, de acordo com a conveniência. A escola está falhando na sua função de ser o caminho para a inclusão social. Crianças e adolescentes pobres são chamados de "sementinha do mal", cometendo delitos cada vez mais cedo. O mau-comportamento, não sendo corrigido, será constantemente repetido. Os alunos sentem o ambiente permissivo (há um cabedal de regras mas, na prática, não há punição) e as consequências são cada vez mais graves.
Ficam inúmeras perguntas sem resposta: A escola tem que ensinar e educar? Como fazer isso com o professor sendo desautorizado ao advertir o aluno que está prejudicando a si mesmo e aos demais? Em um tempo de aula de 50 minutos é possível equalizar conflitos e ainda trabalhar os conteúdos? Quem se dedica a ensinar, até o que não é sua obrigação, é obrigado a conviver com interferências constantes em seu trabalho. Alguns casos ocorridos na rede municipal do Rio de Janeiro.
- "Responsáveis"
1- Um aluno reclama com a professora que está morrendo (sic) de dor de dente. É autorizado a ligar para o responsável. De volta à sala, liberado das tarefas por estar com dor, brinca, conversa e atrapalha os colegas. Quando a mãe chega para buscá-lo, é informada sobre seu comportamento. Ela saiu mais cedo do trabalho, acreditando na história dele. Ouve tudo sem dizer uma palavra, demonstrando estar muito irritada. Com a professora.
2- Um pai chega à secretaria da escola querendo esclarecimentos porque a filha havia dito em casa que fora proibida de comer pela professora. Esta é chamada e esclarece que nunca proibiu ninguém de comer. O pai parece acreditar, mas em nenhum momento adverte a filha ou pede desculpas.
3- Três filhos de uma senhora, com idades entre 9 e 14 anos, estão matriculados em uma turma de aceleração de aprendizagem por não saberem ler. A mãe também não sabe e defende a todo custo os dois filhos e diz que a única filha não vale m... nenhuma. E fala para a professora: "A senhora veja as marcas no corpinho dela para ver se eu não dou educação".
4- A mãe de um aluno da Educação Infantil questiona a professora cada vez que não há aula. Em época de Copa do Mundo, perguntou quando as aulas seriam repostas (o país inteiro parou, não apenas as escolas). Ficou indignada com a licença da professora (grávida de 38 semanas). E certa vez chegou a passar mais de 3 horas sentada no pátio da escola, sob o sol de dezembro, para verificar se os professores estavam mesmo em Conselho de Classe. Só não demonstra a mesma preocupação com o futuro da filha mais velha que já pode ficar sozinha.
5- Uma aluna de 8 anos é colocada como ouvinte em uma turma de crianças de 6 anos para ser alfabetizada. Mas ela é debochada com a professora e agressiva com as crianças. De volta à turma no último bimestre (por exigência dos pais da outra turma), continua com as mesmas atitudes. Ao ser comunicada que a filha seria reprovada, a culpa a professora: "Ela não gosta de você." Pergunta da professora, que ficou sem resposta: "E de quem ela gosta?"
- Superiores hierárquicos
6- Como no caso anterior, um aluno de 8 anos é colocado junto com crianças em idade de alfabetização e atrapalha a aula o tempo inteiro com deboches e agressões. A professora o leva à secretaria, onde é tratado carinhosamente pela diretora, que ignora a queixa sobre desrespeito e fala com doçura: "Você não tem culpa por não saber ler".
7- A diretora de uma escola não aceita as atitudes de uma professora por considerá-la muito rígida. Especialmente com uma turma onde mais da metade dos alunos está abaixo da nota mínima e os pais não se convencem que isso é resultado do péssimo comportamento. Diagnóstico da diretora: "Acho que faltam sorrisos e abraços na sua relação com a turma." Pergunta da professora: "E qual professor sai sorridente daquela sala?" Silêncio sepulcral.
8- Uma professora que é regente de turma em uma matrícula e está lotada em uma das Coordenadorias Regionais de Educação na outra é questionada pelos colegas regentes sobre o que fazer quando o aluno chega à escola com mais de 2 horas de atraso, não faz nenhuma atividade, destrói o material, fornecido pela escola, agride as pessoas e comete atos de vandalismo. Acaba admitindo que o aluno da rede não pode ser suspenso, não importando a situação.
- "Especialistas"
9- Para quem não permanece mais do que 2 horas em uma escola pública cheia de problemas (isso quando não opina à distância), é muito fácil demonstrar simpatia por que desrespeita os profissionais que ali trabalham e têm de responder não só pelo desempenho mas também pela própria integridade física dos alunos. Então causou indignação, mas não surpresa, a entrevista com a presidente de um instituto que desenvolve projetos na área educacional afirmando que os professores arrumam desculpas para não trabalhar e que, se o aluno falta, o professor deve ir á casa dele. Só que essa senhora foi, durante anos, muito bem remunerada pela Secretaria Municipal de Educação, além de outros órgãos públicos de outros municípios e estados, além de empresas. Solidariedade com lucros.
10- O funcionário de outra ONG, que durante muito tempo também recebeu verbas substanciais do município, é extremamente crítico ao falar dos professores que, na sua opinião, tolhem os alunos. e acrescenta: "Eu fui o aluno que não deu certo e cheguei à faculdade". Quando vai fazer uma atividade com crianças de 6 anos, em menos de meia hora, um aluno tira a lâmina do apontador e corta a perna do colega.
A sociedade brasileira ainda não definiu o verdadeiro papel da escola. É fato que, quanto maior o grau de instrução de uma população, melhores serão as condições de vida naquela localidade. Ao mesmo tempo em que se critica a escola pelo baixo rendimento dos alunos e pela má qualificação dos trabalhadores, algumas pessoas ainda insistem em acrescentar atribuições à escola, que não fazem parte do processo de ensino e aprendizagem.
Ao ter de cumprir a chamada função social, o que implica receber alunos até em caso de falta de água, luz e gás e em meio a tiroteios, ou ter de ficar com alunos extremamente indisciplinados, que desrespeitam o direito fundamental à educação dos outros, a escola se desvia de sua função fundamental e primordial: ensinar os conteúdos.
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