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Magistério: O amor à profissão e os fatos
Flávia Patrícia Queiroz de Mattos

Ao longo dos últimos anos os professores só perderam. Perderam principalmente o direito a exercer sua função, que é trabalhar conteúdos, para atender a demandas diversas. A escola, na obrigação muito justa de ser acessível a todos, acabou se tornando a reunião das mazelas da sociedade. Desagregação familiar e caos social encontraram o lugar perfeito para se manifestarem.

Quando algumas pessoas mencionam a "boa" escola pública de antigamente, esquecem que, só para começar, não havia vagas para todos. Que a família do aluno tinha de pagar por transporte, material, uniforme, alimentação, além das taxas que algumas unidades impunham. E, principalmente, esquecem da rigidez em relação a regras e horários. A indisciplina era comumente punida com suspensão ou expulsão. As famílias apoiavam ou pelo menos respeitavam as medidas.

Hoje, o acesso à Educação Básica é garantido, com a intervenção do Poder Judiciário se necessário. As famílias não têm mais de arcar com nenhum tipo de custo, podendo denunciar qualquer cobrança indevida. E as regras foram flexibilizadas a tal ponto, que hoje praticamente só existem no papel. E é justamente por isso que não podemos comemorar os avanços dos últimos 20 anos. A desvalorização da escola, agora que tudo ficou mais fácil, significou um grande número de matrículas e pouco aprendizado.

O FUNDEF, Fundo Nacional do Ensino Fundamental, que depois foi substituído pelo FUNDEB, Fundo Nacional da Educação Básica, poderia ser um instrumento valioso para obter melhorias em todos os estados e municípios, que passaram a contar com verba federal. No entanto, o fato do repasse ser feito em função do número de matrículas simplesmente, sem fiscalização e punição adequadas caso os governos locais não oferecessem um bom ensino, acabou gerando uma série de distorções, que levaram a gastos públicos exorbitantes. Educação, assim como outros serviços essenciais como saúde, segurança e transporte, custa caro e não apresenta qualidade.

Diante de tudo isto, é realmente muito difícil alguém manter a fé na profissão que escolheu. A partir do momento em que descalabros não são punidos e, por isso mesmo, passam a fazer parte da rotina, o profissional começa até a questionar se aquela era realmente sua vocação. A greve de 2013 na rede municipal de ensina do Rio de Janeiro, a maior da América Latina e, portanto, contemplada com verbas substanciais do FUNDEB, aconteceu porque os professores se viram diante de três obstáculos intransponíveis;

O governo- Ao longo dos anos, as escolas da rede sofreram uma redução drástica de pessoal de apoio. À medida em que os profissionais se aposentavam e não eram realizados novos concursos, os professores ficaram encarregados também da disciplina, que passou a ser um grande problema, já que atrasos, faltas sem justificativa, violência e vandalismo há muito tempo ficam impunes. Todos sabiam que havia recursos mais que suficientes para mudar esse quadro. Pouco antes das eleições de 2012, a Comissão de Orçamento da Câmara Municipal denunciou ao Ministério Público o desvio de verba que ficou conhecido como cambalhota contábil. O município durante os governos Cézar Maia e Eduardo Paes pagou as despesas com educação com os recursos do FUNDEF/FUNDEB, sem investir do orçamento municipal o que é exigido por lei. O valor no final chegou a 7 bilhões de reais. No entanto, o prefeito foi reeleito com quase 70% dos votos. O que fazer? Sentar e chorar? Então em agosto de 2013 houve a greve unificada dos profissionais de educação. A primeira greve em 19 anos. Apesar das alegações do prefeito de que era um movimento político, houve inúmeras reuniões com a então secretária de educação e com ele próprio, cobrando melhorias nas escolas e o cumprimento de promessas feitas ainda na campanha eleitoral de 2008, como a climatização das salas de aula e o Plano de Cargos e Salários do Magistério.

A população- Muitos familiares de alunos reelegeram o prefeito, apesar das condições em que as escolas se encontravam. E faziam coro com a Secretaria de Educação, exigindo o fim da greve. Alguns chegaram a alegar que estavam gastando mais com alimentação porque os filhos deixaram de receber a merenda da escola. Mas, justamente para resolver esta questão, alunos muito pobres que nos dias sem aula passavam necessidade, foram criados benefícios como o Bolsa-Família.

A imprensa- A greve, que durou cerca de dois meses, poderia ter acabado em muito menos tempo se a grande mídia ao menos mencionasse a cambalhota contábil. Com certeza, seria muito mais desagradável para o prefeito os veículos de comunicação citarem a todo momento o desvio de 7 bilhões de reais do que todo o lixo acumulado durante a greve dos garis, que aconteceu no ano seguinte. Mas o argumento era sempre o mesmo: alunos prejudicados. Como se não fosse prejuízo suficiente estudar em escolas onde falta até o básico. Poucos jornalistas questionaram, por exemplo, por que o Plano de Carreira Cargos e Salários foi apresentado aos vereadores da base aliada, e somente a eles, em um almoço no Palácio da Cidade e não no plenário da Câmara, como é de praxe. Ou por que no dia da votação a Praça da Cinelândia foi fechada pela Polícia Militar, com grades cercando o Palácio Pedro Ernesto e os vereadores da oposição sendo impedidos de entrar. O prefeito, em nenhum momento, precisou prestar contas sobre o que fez com a verba do FUNDEB ou sobre como gastou o dinheiro do orçamento municipal, que deveria ser usado nas escolas.

Enfraquecidos e vilanizados, sendo até mesmo hostilizados por populares nas passeatas, os professores encerraram a greve depois da intervenção do Supremo Tribunal Federal. Aceitaram um PCCS bem diferente do que fora reivindicado e a simples reafirmação de compromissos assumidos pelo prefeito em 2008. Que até hoje não foram cumpridos.

Apesar do desrespeito a vários pontos do Acordo de Greve, houve baixíssima adesão à greve de 2014. Por não concordarem com a ausência deliberada do sindicato à audiência marcada pelo ministro Luiz Fux ou simplesmente pelo imenso desgaste do ano anterior, a maioria preferiu deixar a cargo da população a cobrança ao prefeito e à nova secretária de educação por melhorias nas escolas. As repetidas alegações, na imprensa ou pessoalmente, de que os professores só visavam seus interesses minaram a resistência da categoria.

Então, não é por falta de amor à profissão ou por serem massa de manobra de sindicatos que os professores fazem greve. Os problemas são reais. E a população continua desassistida.


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