Para a maioria das pessoas, o grande problema e desafio não é a degradação cultural ou social, é o cheiro. No dizer de Ivaldino Tasca, “Estamos aqui para sentir o aroma que vem da cozinha... sentir cheiros alucinantes... O cotidiano é um eterno sentir”. Encontro pela vida versões clássicas de aromas e pergunto: um cheiro muda tudo?
No ar o odor marca novo ciclo de crescimento, conhecimento e expansão. É favorável à lembrança; fortalece meu espírito nutrindo-me com as sensações trazidas por ele, como em Pedro Du Bois, “... um ramalhete simples / enfeita a sala de visitas // tenho a visão do jardim de ontem // aspiro o perfume / como sonho encontrado / de situações futuras...”.
Ao lembrar, lanço o olhar sobre o passado; vejo os encontros ao redor da mesa, onde sempre havia alguém que se sentia desconfortável com o aroma exalado pela comida, mas também havia os que se sentiam atraídos e felizes por estarem dividindo o espaço com pratos “cheios de personalidades” que exalavam cheiro de plenitude e felicidade, pois, como dizem os poetas, “... a vida vale / pelas pequenas / lembranças”.
Penso nesses momentos para compreender a importância do cheiro e para sentir, novamente, a agradável sensação de poder reviver o preparo das comidas, como quando o pai Moacyr preparava o Coelho ao molho de Laranja; a avó Carola, Peverada com noz moscada; D. Lenita, as suas maravilhosas panquecas e a mãe Annita, seu arroz com galinha.
A vida tem muitos sabores que se apresentam em deliciosas versões no dia a dia, como: a pipoca tem aroma de alegria; o bolo da Marina tem cheiro de férias; o jasmim lembra os amigos; o cafezinho, encontros. Perfumes são fragrâncias de amor e liberdade. Carlos Drummond de Andrade expressa, “... E tudo fica um pouco. / Oh abre os vidros da loção / e abafa / o insuportável mau cheiro da memória”.
Um cheiro muda tudo, principalmente quando vem acompanhado do sabor de festa; tristeza e melancolia desbravam cheiros desagradáveis, que tento evitar em minha ordem dos dias, como demonstram os escritores Ivaldino Tasca no conto Perfumes e Cheiros; e Pedro Du Bois no poema, “sou quem traz as flores / buquê em mãos / palavras ditas / pétalas no chão / na emoção do abraço / meras palavras / perfumando o caminho...”.
Questiono os aromas por que eles se revelam na densidade da vida e também desvelam fantasias. Levam-me ao delírio ao me fazerem pensar que certas coisas são sempre iguais, como a dor da saudade e a emoção do encontro. Adriana Lima escreve que “Meu amor antigo / tem cheiro adocicado / da infância / fruta perfumada / de lembrança e / sem pressa de viver. // percebo desde então, / sofro por antecipação / sentindo o sabor da saudade / e o cheiro de jasmim limão...”; ainda, ressalto Fernando Sabino com O Encontro Marcado, romance publicado em 1956.
Diante dos odores, observo as reações das pessoas, entusiasmadas ou não, que elas demonstram a verdade dos fatos na ilustração de suas vidas. Os aromas as influenciam e inspiram os escritores, principalmente os poetas, a ilustrarem a vida, o que me faz repetir: um cheiro muda tudo?
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Biografia: Pedagoga. Articulista e cronista. Textos publicados em sites e blogs.Participante e colaboradora do Projeto Passo Fundo. Autora dos livros: Amantes nas Entrelinhas, O Exercício das Vozes, Autópsia do Invisível, Comércio de Ilusões, O Eco dos Objetos - cabides da memória , Arte em Movimento, Vidas Desamarradas, Entrelaços,Eles em Diferentes Dias e
A Linguagem da Diferença. |