Fio da barba do meu avô.
CAPITULO I
ÉPOCA E SEUS COSTUMES
Hoje o tempo e as coisas estão muito diferentes da época de meus avôs. Em uma época atrás, não muito distante, palavra dada valia mais do que papel passado em cartório e, homem barbado com cabelo branco, na região, era pessoa de respeito e, por sua vez, havia um velho costume transmitido de pai para filho, que quem passasse na frente de um senhor ou senhora tinha que pedir a bênção.
Porém, como as coisas não são imutáveis, à medida que o tempo passa os costumes mudam. Hoje não é o ontem, e a época já é outra, antes era dos meus avôs, o hoje é a época dos netos, sobrinhos, filhos e bisnetos.
Numa pequena vila do norte, do Ceará, vivia Estrabão: homem chistoso cheio de prosa e gaiatices e atirado para todas as moças.
Lembrando que naquele tempo, cabra que mexia com moça de respeito, ou casava com ela ou com o facão de seu pai. Todavia, Estrabão não ligava para esses costumes, gostava mesmo era de puxar galanteio para mulher moça e também para mulher casada. O que o deixava temeroso era quando a moleca o convidava para namorar no alpendre da casa dos pais. Ele sabia, caso fosse já era tratado com bolinhos, café e até uma rede para dormir e os pais da moça tinha em mente que aquela situação era meio casamento. Por isso quando a menina o convidava para o alpendre, ele, muito esperto saltava de banda.
Sempre à tarde Estrabão punha a melhor roupa que tinha na mala. No cabelo passava brilhantina e o peteava de banda, subia na égua selada, ajeitava o chapéu preto e acendia o cigarro.
CAPITULO II
A FESTA NO SALÃO DO ZÉ TORQUATO
Lá vinha Estrabão em cima da égua com brilhantina no cabelo, e no bolso tilintando cruzeiros. Por onde ele passava, era reconhecido por todos, tinha amigos em toda parte. Naquela noite, havia uma festa na vila: o fole tocou os rapazes e moças, casados e solteiros arrastavam o pé no salão do Zé Torquato. De longe ele avistou uma mulher alta, delgada cabelos liso, o único defeito era que Idalina Lucena, no dedo trazia a marca do recente matrimônio.
Idalina Lucena já o conhecia, pois ele fazia negócios com Epaminondas, comerciante da vila e esposo de Idalina. Na batida e no arrastado do salão, Estrabão a puxa para dançar. Epaminondas acha aquela situação normal, era apenas uma graça do amigo para com a esposa. Estrabão a joga de um lado para o outro com esfregado de barriga, batida de pestanas, cheiro no cangote e a mulher de tudo gostando.
Nesse vai e vem os olhares se intensificam, a ponto de despertar um velho sentimento amoroso que antes abalara os corações dos dois, quando ainda eram jovens. Para não piorar as coisas ele a solta, ele toma um trago de pinga e naquela noite não fica com ninguém, apenas com o pensamento em Idalina Lucena.
CAPITULO III
TREZENTOS CRUZEIROS DOS PORCOS.
No dia seguinte, com um pouco de receio, Estrabão foi comprar porcos e algumas novilhas na fazenda Fé em Cristo, situada no local chamado Sovaco da Serra. Na descida da serra, Idalina não saía de seu pensamento, muito menos o cheiro que estava em sua roupa. Dias depois foi até a Vila levar a carne de uns porcos para o comércio de Epaminondas, os dois negociaram o preço. Antes de sair ele resolveu pedir um dinheiro antecipado, Epaminondas gritou:
-- Idalina Lucena por favor traga trezentos cruzeiros que estão na gaveta para eu emprestar para o amigo Estrabrão.
-- Estou indo.
Quando ela ouviu aquele nome, veio aos galopes feito burro brado estrebuchando no curral, nem sentiu quando subiu os batentes. Idalina se encostou ao lado do esposo e encarou Estrabão, e ele muito brincalhão por debaixo do balcão pisou nos pés de Idalina, e quando ela lhe entregou os trezentos cruzeiros da carne dos porcos, ela muito esperta apertou bem forte sua mão de Estrabão, dando um sinal que estava apaixonada. Dali em diante a história de ambos tomou rumos diferentes. Estrabão não se reconhecia, nunca tinha se apaixonado por mulher alguma, e agora estava apaixonado por uma mulher casada.
CAPITULO IV
RUMORES DE TRAIÇÃO.
Quando se encontravam não conseguiam esconder a paixão. Aquele romance já não passava despercebido aos olhos dos moradores da vila. Até Epaminondas já ouviu rumores de que estava sendo traído e ficou muito triste ao saber que o boato se tratava de sua mulher com seu melhor amigo. De cabeça quente, pensou em matar os dois. Porém, por ser um homem muito paciente, e Estrabão ser seu melhor amigo, resolveu chama-lo para uma conversa.
Estrabão chega montando em sua égua selada e logo se apeia. Houve então a voz de Epaminondas:
-- Pode entrar Estrabão, estava esperando o amigo. Não fique ai exposto ao sol. Mandei lhe chamar porque tenho alguns negócios a tratar com você.
Estrabão respira fundo e puxa do bolso um envelope contendo os trezentos cruzeiros, acrescido dos devidos juros.
-- Boa tarde Epaminondas, vi especialmente para pagar o que lhe devo.
-- Estrabão meu amigo, eu nem estou precisando dessa quantia que lhe emprestei, na verdade o que desejo neste momento é falar sobre outro assunto, que julgo ser mais importante que qualquer dinheiro, você me entende?
Estrabão, já com as mãos frias e pernas trêmulas por saber do que se trata responde:
-- Não, mas desejo saber...
-- Eu não quero mais os trezentos cruzeiros, fique com ele e faça o que quiser, não me interessa mais.
3-- Não, eu não posso aceitar, e até posso, se você me disser o que vale mais do que qualquer quantia de dinheiro. Me diga Epaminondas, por favor.
-- O que vale mais do que dinheiro é a honra de um homem, e andam falando por aí que você estar de namorico com minha mulher.
Naquele momento o suor desceu, as pernas tremeram mais do que já tremiam. Mas rapidamente Estrabão pensou numa desculpa:
-- Epaminondas, o que estão fazendo é tentando infernizar sua vida, onde já se viu, ser verdade uma mentira dessas. Estão falando isso só porque você é um homem bem sucedido, possui varias casas, comércio, terras, poupança gorda, gado, e estão querendo ferir sua honra com essa mentira. E também onde já se viu, eu seu melhor amigo andar as ocultas se encontrando com sua esposa? Nem se fosse mulher de um desconhecido, ainda mais sendo sua mulher, pois já que você que é meu melhor amigo.
Com este argumento, Estrabão inverteu a situação, e o que parecia amargo se tornou doce, e até o próprio Epaminondas ficou constrangido com a situação.
-- Estrabão me desculpe por minhas grosserias, sei que errei ao dar ouvidos a boatos, deveria ter escutado você antes. Vamos, tome um cafezinho e coma um pedaço de bolo estar ótimo, também tem os charutos que você adora, pegue um vamos. Ah, Estrabão se precisar de mais dinheiro pode me pedir, pois sei que minha honra estar intacta, pois sou respeitado por meu melhor amigo e também sei que por minha mulher, portanto esses boatos são calúnias.
CAPITULO V
NA VILA AZEVEDO QUEIROGA
Depois da conversa todos tocam a vida como se nada tivesse acontecido. Na verdade tudo parecia resolvido, e para Estrabão o que parecia é que Epaminondas havia dado permissão para ele namorar Idalina Lucena, e que seu amor não seria mais proibido e que aconteceria as escancaras. Idalina e Escabrão se viam constantemente, na casa dos avôs paternos de Estrabrão, que encobria a fantasia amorosa do neto.
Na vila Azevedo Queiroga, no mês de junho estava em festejos em homenagens ao padroeiro da vila: São Pedro. Como de costume, Epaminondas não faltava, e como agora estava casado, desejava ir com sua esposa.
-- Idalina Lucena, apronte suas roupas que hoje vamos para o festejo na vila Azevedo Queiroga. No ano passado eu fui sozinho, rezei, bebi, dancei, me diverti e voltei, não tão feliz porque você ainda não estava comigo.
Idalina, sabendo que era costume de seu marido, todos os anos não faltar ao festejo, calculou que ficaria sozinha, por isso marcou um encontro com Estrabão em sua própria casa. Ao ser convidada por seu marido para ir ao festejo pensa numa desculpa e diz:
-- Hoje eu acordei muito cansada, minha cabeça dói como nunca, os meus olhos latejam como se fossem pular do meu rosto, estou até com a vista acinzentada, meus ossos estão doendo, minha barriga estar mal e não sei se dar para ir com você. Por que também estou sonolenta, acho que vou desmaiar.
-- Justamente hoje você foi ficar doente, parece até castigo, logo no dia em que ia levar você para conhecer os meus padrinhos, que não puderam vir ao casamento. Então me diga Idalina você me deixa ir?
-- Meu querido, você pode ir sim, vá e peça desculpas aos seus padrinhos por eu estar assim tão mal. Vou passar sua roupa, e preparar sua janta mais cedo, ah, e de antemão já separei uns trocados para você levar: o da oferta, o da bebida, o do leilão, algum para você comprar lembrancinhas e uma parte para meus pais.
Epaminondas abriu um largo sorriso, ao ver que sua esposa já tinha pensado em tudo. O dia passou, à tardinha Epaminondas tomou banho, jantou, vestiu sua roupa, subiu em sua égua selada e foi para a vila Azevedo Queiroga. Idalina ficou muito contente, pois ficara só, e sabia que estava com toda liberdade de namorar o amante Estrabão.
CAPITULO VI
AO ANOITECER
Ao anoitecer, por volta das 07:00 horas da noite, chega Estrabão na casa de Idalina Lucena. Todo perfumado, cheio de galanteio, cabelo penteado, e com um sorriso no rosto cita um trecho de um poema do poeta Castro Alves:
-- Boa noite Maria!
-- Eu vou-me embora.
-- A lua na janela bate em cheio.
-- Boa noite Maria!
-- É tarde... É tarde...
-- Não me aperte assim contra teu seio.
-- Boa noite !...
-- E tu dizes boa noite, mas não mo digas assim descobrindo o peito.
-- Mas de amor onde vagam meus desejos [...]
Completamente apaixonada, alegra-se com as palavras do galanteador, já com a porta aberta, o convida a entrar. Pondo o chapéu atrás da porta, a beija loucamente, conduzindo-a no colo até ao quarto.
No mesmo instante, lá na distante vila Azevedo Queiroga, Epaminondas bebia e dançava longe da companhia da esposa. E em um dos inúmeros goles que dava na cachaça, lembra-se das palavras de sua esposa, quando a mesma dizia que estava doente.
- Mas ela nem estava com aparência de doente, será que estava mentindo?
Joga o dinheiro no balcão, paga a bebida, compra as lembranças, leva uma parte do dinheiro para seu sogro e antes do final da festa, volta apressadamente para casa.
CAPITULO VII
VAGABUNDOS, MENTIROSOS, MEDÍOCRES: TRAIDORES.
Logo chega em casa, e pensando na possibilidade de sua esposa realmente ter mentido, chega sem fazer barulhos. Pega a chave reserva e abre a porta, depara-se com Idalina Lucena e seu melhor amigo Estrabão estavam consumando o ato de traição.
Epaminondas não sabia o que fazer, e não estava acreditando no que estava diante de seus olhos. Muito nervoso grita:
-- Vagabundos! Mentirosos! Medíocres! Vocês não valem o que comem, ambos me enganaram. E eu que achava que podia confiar em vocês, juro que não sei o que fazer, talvez posso até matar os dois. Equivoquei-me ao confiar em suas palavras, como você mesmo disse, Eu, Epaminondas Lastro Silva Costa, tenho terras e muito dinheiro, e me enganei quanto a honra. Infames, morram os dois, maldito dia e hora em que casei contigo piranha. E malditas horas em que negociei contigo seu infeliz. Por que você não me disse antes que gostava de cachorra? Assim eu teria trocado teus porcos por minha mulher canina.
Os dois apenas escutavam num canto, quietos, estavam estáticos. E de supetão, Estrabão com medo do Epaminondas iria fazer, pula da cama e sai correndo pelo o corredor, olhou para todos os lados, e viu que todas as portas e janela estavam fechadas. A única forma de fugir antes que Epaminondas o alcançasse era arrebentar uma daquelas portas, e se jogou numa janela uma, duas e três vezes, até que felizmente consegue arrebentá-la. Sai correndo desesperado por entre as carnaúbas, rasgando o pouco da roupa que carregava no corpo, pois o restante ficara pendurada no cabide no quarto de Idalina Lucena. Chegando na casa de seus avôs todo escoriado e assustado.
-- Estrabão o que aconteceu?
Perguntou o avô.
Estrabão parou, sentou e respirou ofegante, e de forma cínica respondeu que vinha da casa de Epaminondas.
-- Ora, Idalina Lucena tinha me convidado para passar a noite com ela, só não imaginávamos que Epaminondas dela voltaria logo.
-- Nós te falamos, te avisamos que isso não iria dar certo, tanto que te aconselhamos, mas infelizmente não seguiu nenhum de nossos conselhos. Desgarçou a sua vida, a vida de Idalina e com a vida e reputação do senhor Epaminondas. E agora o que será de ti? A família Queiroga é muito vingativa, rezaremos para que não te mates e nem faça mal a pobre de Idalina que caiu nas tuas cantadas.
-- Ah, meu vô e minha vó, só agora percebo o tamanho do problema que causei e da confusão que me meti. O que é que eu vou fazer??
-- Existe um meio, só que é muito perigoso.
-- Por quê?
-- Há muito tempo aqui mesmo, aconteceu algo parecido, eu ainda era garoto, menino inocente, nem sequer sabia que as pessoas morriam. No entanto, um dia fui a cidade com meu pai, deixar um encomenda no armazém, e seu bisavô que lá morava, gritou:
-- Hoje é de desafio! Dia em que honra suja será alimpada a fio de faca.
Tinha muita gente observando aquela cena assustadora que até hoje trago na memória. Dois homens com um histórico parecido ao e vocês, começaram a brigar no meio da rua, só ai entendi que as pessoas morriam.
-- É isso, amanhã vou à casa de Epaminondas e convidarei para um desafio.
E assim aconteceu. No dia seguinte, Estrabão dirige-se ate a casa do adversário e o desafia. Convite feito convite aceito. Ambos combinaram a data, local e hora: há uma semana depois, no dia 24 de junho, em frente à igreja Matriz as 08:00 horas da manhã.
Epaminondas, homem íntegro nem sequer bateu na esposa, apenas a expulsou de casa. Estava ficando quase desvairado. Já fechara as portas do comercio, não aparecia mais na rua nem falava com ninguém. Estava sequioso por vingança, contava os dias para matar o infame Estrabão.
Idalina, por ser considerada por toda a vizinhança uma mulher sem moral, que não respeitou o homem com quem havia se casado, agora estava na casa dos pais. E quando passava pelas ruas era cuspida e vaiada por muitas pessoas.
Estrabão, também tido como homem imoral que não respeita mulher alheia, mesmo que seja casada, nem mesmo a de seu melhor amigo, a quem lhe estendia a mão e lhe emprestava dinheiro quando estava apertado nos negócios, e onde costumeiramente almoçava e bebia de graça.
Assim que soube que Idalina fora expulsa de casa e que estava na casa dos pais, Estrabão, foi correndo até lá e a beija apaixonado, abraçando-lhe e fazendo juras de amor.
Os dias passaram, e o dia 24 de junho de 1899, chegou. Ambos foram ao local marcado. Epaminondas foi determinado a matar ou morrer, não queria estar vivo e ver seu agora pior inimigo sendo feliz com a mulher que um dia foi sua. Portanto, não titubeou em aceitar o desafio.
Estrabão desejava mesmo que tivesse que carregar um crime nas costas, era ficar livre e desimpedido para casar com Idalina Lucena e viver seu amor. Vinha objetivando matar, e de forma nenhuma morrer.
A rua principal, em frente à Matriz estava preparada para receber os rivais. No cemitério o coveiro já preparava a cova e o pequeno hospital da Vila se antecedera com médico, soro e ferramentas. O combate iria começar, pois o relógio da Matriz sinalizou 08:00 horas. Os dois estavam frente a frente prontos para duelar, apenas esperando a permissão do juiz. Levanta-se a arma e ouve-se o disparo.
Epaminondas tenta intimidar o adversário com ameaças.
-- Te prepara, daqui não saio sem lavar minha honra.
Só que Estrabão, muito esperto devolve as ameaças de uma forma que abala Epaminondas.
-- Ah! Daqui sairei para os braços de minha amada Idalina Lucena, antes que se vá quero que saiba que no próximo mês nos casaremos e que Idalina espera um filho meu.
CAPITULO VIII
UM QUASE FIM.
O sol bateu de cheio no cocuruto de ambos, porém, afeto mais a massa encefálica de Estrabão que apesar de tudo que havia feito se considerava o homem mais honesto do mundo. Todavia, aquele sol calcinante fez com Epaminondas refletisse na besteira que iria fazer. Ali mesmo arremessou a faca no chão, subiu no seu animal e partiu para longe, ninguém até ainda hoje não sabe onde.
Estrabão, vitorioso sem sujar as mãos segue para os braços de Idalina Lucena. E no final daquele mesmo ano os dois se casaram. E nasceu o primeiro filho do casal, e a criança foi batizada na própria igreja da Matriz. E ainda por ironia do destino, Idalina resolve atender a um desejo do ex-marido, o mesmo desejava que seu primeiro filho se chamasse Epaminondas como ele. Idalina conversa com o esposo:
-- Quero que nosso filho se chame Epaminondas, não por lembrar-se do tempo em que vivia casada com ele, apenas por que quero pagar quero pagar a promessa que fez a ele.
-- Não tenho nada contra, afinal, ele era um homem bom. Me emprestava dinheiro, nunca me ofendeu e até com sua mulher fiquei.
Assim, Estrabão e Idalina Lucena passaram a viver juntos, tiveram mais seis filhos e ambos se autodeclaravam felizes.
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