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As Ferramentas do Escritor
Lasana Lukata

Há mais ou menos um mês coloquei dois galetos na frangueira para assar, mas até agora não tive coragem de tirá-los. Ainda não estão no ponto. Minha frangueira é lenta. Já que a literatura é universal, ponhamos mais um pouco de orégano para o cheirinho ir bem longe, por exemplo, Divino, Carangola, Leopoldina, Itabira, até os confins da terra... Enquanto não ficam assados conversemos, amigos, conversemos que depois esses dois franguinhos irão nos compensar.
Meu pai era pedreiro e acordava sempre às cinco da manhã para ir trabalhar. Aposentou-se. Quando ia começar uma obra nova acordava mais cedo, quatro da matina para arrumar a bolsa de ferramentas e eu ficava olhando: talhadeira, ponteiro, colher de pedreiro, marreta, marretinha, martelo, metro... Saía com aquela pesada bolsa de ferramentas dentro da escuridade. Muitas vezes me levou para ajudá-lo. Quando eu entrava na sala de aula e iniciava a escrita, percebia como um lápis é bem mais leve do que um ponteiro. Enquanto eu precisava apenas de dois, no máximo três dedos para firmar o lápis no papel, meu pai utilizava todos para fincar o ponteiro nas grossas paredes a serem derrubadas. Os lápis do pedreiro e do escritor constroem uma obra e às vezes ficam para sempre. Somos trabalhadores.
Mas o que ficou daquelas madrugadas foi a bolsa de ferramentas.
Quem deseja escrever precisa de ferramentas. O escritor também possui a sua bolsa de ferramentas. Não basta vir de Minas, aparecer na mídia e dizer: “Sou escritor, sou poeta”. O escritor trabalha a linguagem. Revela. Emociona.
Carlos Drummond de Andrade veio de Minas Gerais para o Rio, mas trouxe a sua bolsa de ferramentas. Quando indagado se era sábio, disse que não largava os dicionários e enciclopédias. Eis aí as ferramentas do escritor: dicionários, boas gramáticas, boas leituras, enciclopédias e muita imaginação.
Um dia os poetas Jefferson e Mariel me levaram para visitar o poeta Ferreira Gullar e quando lá chegamos, estava ele debruçado sobre um dicionário. Ele e o saudoso gatinho. Não é vergonha nenhuma usar dicionários, gramáticas, enciclopédias desde que nós, como disse Gullar na oficina da UERJ, transfiguremos a linguagem.
Quando um poeta ou um escritor entrega seu livro a alguém para ser revisado, deve-se ter o cuidado para não entregar a sua obra na mão de pessoas despreparadas. Outro dia comentei, aqui, sobre um livro em que o revisor deu provas de que não tinha uma bolsa de ferramentas, porque deixou passar erros básicos da língua. Mergulhando um pouco mais, vi que o revisor também era escritor, poeta, cronista, era muita coisa no cenário da literatura científica e ficcional da Baixada Fluminense e no entanto, cego! Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no abismo. Observando os escritos do revisor percebi erros como: em vez de dizer “Ao encontro de” diz “De encontro a”. O primeiro é favorável e o segundo é contra! Há prefeito nomeando gente que escreve contra ele, mas vamos adiante que há mais: Pronuncia e escreve, respectivamente, sem temor, os cacófatos, “Da vez passada” (Vespa Assada) e “Por razões” (Porrazões é obsceno, Dr.). Sem dúvidas há cacófatos incontornáveis, mas estes dois, Napoleão, dá para contornar por: (Da vez anterior, da outra vez), (Por tais motivos, por tais razões).
Há excelentes professores de língua portuguesa nesse país. Em São João de Meriti há vários, por exemplo, o professor, poeta e escritor, Arnaldo de Castro. Se não acionarmos esses talentos, certamente, a prefeitura de Meriti, a exemplo do Museu da Imagem e do Som, vai ter que construir o Museu da Cacofonia e dos Cacófatos na cidade.
Há de se ter cuidado com os napoleões da Cultura baixadense que ficam inflamando a publicar livros e livros. Não interessa se na Baixada não se publica muito. O critério não é quantidade e sim: qualidade. Acho que os dois galetos já estão no ponto, amigos, vamos comê-los. Ih, já os comemos, mas quem quiser roer os ossinhos... O sabor da carne estava divino, maneiro.


Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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