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As margaridas de Deise Capitulo três
Reginaldo Ferreira

CAPÍTULO TRÊS

Como a casa de Frederica ficava a meia légua da cidade, mas perto das flores mais bonitas já vistas por Deise, não se demorou a caminhada. Descendo pela estrada de chão, ela chegou à ponte e imaginou se algum dia o pai deixaria que ela se banhasse naquelas águas cristalinas do rio, perenes e frias. Já tinham ido tantas vezes no vilarejo, mas no rio, o pai nunca deixava que ela banhasse. Dizia ele que era por causa das piranhas.
- Ora, papai, não tenho medo de peixes – falou certa vez Deise.
- Então tenha medo dos tubarões.
- Não há tubarões no rio, papai. Pensa que me engana?
- Como você sabe? Nunca nadou em um!
- Mas li nos livros que eles vivem no mar e são grandões, não poderiam caber no nosso rio.
- Pois bem, não permito assim mesmo. Ora essa, não sei quando você deu para ser esperta assim. Se sua mãe a visse falando essas coisas! Riria muito, muito mesmo.

Ela levava consigo uma cesta, onde botou as margaridas e as violetas. Entoava uma musica atrás da outra, todas que ela lembrava da época em que sua mãe cantava, nas tardes ao pé do fogão. Uma delas era mais ou menos assim:

Menina bela
Quem te deu o direito de roubar meu coração?
Agora que o tens, faz beicinho
Não quer o meu carinho
Não quer me dar a mão
Menina bela
Dá-me teu coração

Rubens entretera-se com algumas borboletas, armando pulos e tentando agarra-las no ar. Mas perdia o gosto pela coisa e entretia-se com uma ou outra lagartixa que aparecia.
Passava por ali um menino negro, assobiando e carregando dois baldes metidos num pedaço de pau, posto nas costas, levando-os sem muito esforço. Ele avistou Deise colhendo as flores e parou. Pôs os baldes no chão e gritou de lá:
- Já colheu muitas, princesa?
Deise estremeceu e olhou por cima do ombro. Viu o garoto fitando-a, sorrindo pelos cantos da boca.
- Não é da sua conta – disse ela.
- Ora, e é uma princesa muito mal educada – disse o garoto.
- O que tenho eu contigo? Não me aborreça!
Rubens eriçou o pelo, mostrando os dentes.
- E tens um soldado pronto a defende-la – divertiu-se ele. - Acho que estou enrascado.
- Saia daqui – ordenou Deise. – Meu pai disse que não posso falar com estranhos, ainda mais se forem de cor.
O menino pegou os baldes e os pôs nas costas.
- Não tenho culpa de ser preto, princesa. Mas você tem por ser malcriada. Adeus.
Deise queria ter sentido uma ponta de raiva na voz do menino, mas ele parecia não se importar. Ela nunca tinha visto um negro assim, falante e, apesar da intromissão, bem educado.
Ela continuou agachada até o garoto desaparecer no caminho, que serpenteava entre as árvores. Depois de colher as flores, levantou-se e disse:
- Vamos, Rubens. Terminamos aqui. Agora vamos visitar a mamãe.
Andaram um bocado, contornado a propriedade do senhor Egídio. Depois desceram uma pequena depressão e avistaram os muros do cemitério. Era costume de Deise visitar o tumulo da mãe, que ficava não tão distante da cidade e não tão distante do vilarejo, permitindo caminhada a pé.
Os moradores locais haviam feito reformas em todo o cemitério, pintando-lhe e plantando novas árvores. Diante do portão, Rubens estancou, não passaria dali.
- Ah, esqueci – disse Deise. – Você não gosta do cemitério. Mas eu preciso entrar, então fique aí e não vá para longe.
O gato pareceu entender e inclinou o rosto rechonchudo.
Deise parou e agachou-se em frente a uma lápide. Estava lá escrito em letras entalhadas na pedra:
“Ângela, amada mãe e esposa”.
Seus olhos brilharam e ela juntou as flores que colhera, pondo-as sobre o tumulo.
- Tenho muitas novidades, mamãe – disse ela. – O papai cismou de ir embora, pois diz que aqui não está bom. Mas eu não concordo, se lá ao menos as nuvens fossem de algodão doce, tudo bem, mas ele foi em busca de trabalho. Mas nunca nos faltou nada em casa. Eu não sei o que se passa na cabeça dos adultos, mamãe! Onde já se viu, deixar-me aqui, com aquela velha Frederica! E tem mais, mamãe, encontrei um negro hoje. Um menino que sabia falar como nós e cheio de si. Só não o mandei catar coquinhos porque a senhora não gostava desses ditados.
Deise suspirou.
- Agora vou indo, pois senhora a Frederica disse-me que não me demorasse muito. Fez sopa, e os legumes foi eu quem cortou. Ela disse que moças como eu têm de aprender a cuidar de uma casa desde cedo, para quando casar, não passar por apertos. Sinto saudade, mamãe. A senhora nunca iria deixar-me pegar em uma faca. Amo-te. Até amanhã, mamãe.
Deise beijou a mão e deitou-a na lápide, virando-se em seguida para sair. Do lado de fora, viu Rubens perseguir uma lagartixa. Quando ela olhou para o horizonte, viu o sol desaparecendo e entendeu que estava na hora de voltar para casa.
- Vamos, Rubens – disse ela. E o gatinho a seguiu.


Biografia:
Escritor amador. Leio de tudo um pouco, mas amante de mistério e terror, como as historias de Stepben King, Poe e Neil Gaiman. Junto a estas, também Tolkien e CS Lewis, com uma boa dose de Machado de Assis e Graciliano Ramos.
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