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O mito que incomoda
Copyright© 2016 by Otaviano Maciel de Alencar Filho
otaviano maciel de alencar filho


No início da década de 1970, no município de Fortaleza, capital do estado do Ceará, foi inaugurado, aquele que seria, para a época, o maior conjunto Habitacional da América Latina. O empreendimento foi realizado na gestão do então prefeito da cidade, José Walter Cavalcante. Em sua homenagem o conjunto residencial recebeu seu nome.
Naquela época o contingente populacional não tinha expressividade numérica que situasse a cidade como uma cidade de grande porte. O número de cidadãos fortalezenses era inferior a um milhão de habitantes, bem diferente da realidade de hoje em dia: Fortaleza tem aproximadamente três milhões de habitantes e conta com um parque industrial e comercial de significativa relevância econômica, o que a coloca entre as cinco maiores regiões metropolitanas do país. A cidade até então era conhecida como uma cidadezinha de pescadores, onde a indústria e o comércio eram incipientes.
A partir de então houve um grande avanço nestes setores da economia com a implantação de indústrias, gerando, dessa forma, um incremento na área comercial, e assim o município começou a receber trabalhadores vindos do interior do estado, e até mesmo de estados vizinhos para comporem a mão de obra necessária à manutenção dos respectivos setores, alavancando, dessa forma, o progresso municipal.
A população começou a aumentar e o conjunto José Walter passou a receber seus primeiros moradores. Muitos passavam o dia trabalhando no centro da cidade ou em locais mais distantes do bairro onde o conjunto se localizava.
Devido à localização distante da sede do município, - o conjunto situa-se na zona sul da cidade - passou a ser conhecido por “Cidade dormitório”, já que alguns moradores só voltavam ali tarde da noite para dormirem e no outro dia, de madrugada, retornavam às empresas onde trabalhavam. Outros trabalhadores passavam dias sem retornarem a seus lares. Nessa época não existiam vias recortando a cidade como nos dias atuais, tampouco um sistema de transporte público eficiente.
Com a ausência dos maridos em casa, as esposas ficavam sozinhas o dia inteiro e isso serviu de motivo para que surgisse uma lenda por parte das pessoas: Diziam elas que os maridos estavam sendo “traídos no matrimônio”, de vez que as mulheres não suportando muito tempo sem a presença do parceiro passavam a receberem a visita do “negão”, do “Ricardão”, do “pé de pano” e por ai vai. Outra lenda reza que por serem todas as casas iguais às outras, o marido quando retornava do trabalho, muitas vezes errava de casa, adentrando em outra que não a sua. Existem várias outras hipóteses para o surgimento desse mito, cada um mais extravagante que o outro.
A partir de então os homens passaram a ser tachados de “cornos”, “chifrudso” e coisas do gênero. O bairro passou a ter a fama de ser um local onde quem ali morasse ficava conhecido pela difamatória alcunha de “corno”.
A fama do bairro foi tanta que ultrapassou os limites do município e hoje o “Zé Walter” é conhecido no Brasil inteiro e até no exterior.
Surgiram, então, várias piadas a respeito do conjunto, por exemplo, a que diz que se houvesse uma chuva de argolas nenhuma cairia no chão. Outra diz que com tantas “antenas” no bairro todas as estações de rádio e televisão, inclusive as estrangeiras, seriam captadas sem problema algum. Outra assevera que se contassem as casas no sentido de ida existiria um corno em uma e outra não e no sentido de volta aconteceria o mesmo. Já se cogita que a NASA estaria recrutando os homens da região para participarem de um projeto de busca de vida em outras galáxias. A participação se daria da seguinte forma: Formar-se-ia um grande círculo com os homens que, de mãos dadas, e estes por sua vez ligados a modernos computadores, apontariam suas potentes “antenas” em direção ao espaço esperando algum sinal a ser registrado pelos equipamentos.
Existe até uma associação. Isso mesmo: Associação dos Homens Mal-Amados do Ceará. O sócio tem direito a assistência jurídica e psicológica entre outros serviços. Um dos grandes desafios é encontrar um presidente para a associação, pois o atual vai deixar o cargo que ocupa há mais de quinze anos. O problema é que até o momento não apareceu candidato algum.
Outro dia, andando pelo centro da cidade, resolvi parar e observar dois homens que, pelo jeito que se comportavam, eram amigos que não se viam há bastante tempo. Conversavam animadamente:
- Faz tempo que não te vejo, Mário. Como está você e a família?
- Estou bem, Claudio, obrigado pela atenção dispensada!
- Está morando muito longe de onde morava?
- Estou morando lá no Mondubim.
Claudio, notando em Mário certo constrangimento ao responder a pergunta, aproveitou a ocasião para tirar um chiste.
- Ah! Você tá morando no “Zé Walter”, né?
- Não, é no Mondubim, um bairro vizinho ao “Zé Walter”. - Sentenciou Mário.
- Deixa de “besteira” Mário, o José Walter é um bairro bom para morar, por que não diz logo que está morando lá?
Impaciente e desconsertado com a conversa, Mário redarguiu:
- Já te disse que não moro lá, tá achando que sou “corno” para morar no “Zé Walter”?
- Não, não é isso... – Falou Claudio, morrendo de rir da atitude do amigo.
Os dois continuaram a conversa e eu saí pensando: o cearense é mesmo um sujeito bem-humorado, pois até de uma situação ruim ele sempre tira motivos para risos.


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