Loucos e loucuras sempre me chamaram muito a atenção. Estes seres diferenciados que me surpreendiam pelos comportamentos, vestes estranhas, frases e gestos incompreensíveis, povoaram a minha infância vivida na histórica cidade de Rio grande de São Pedro e pelo fascínio que tão estranhas pessoas exerceram sobre mim, talvez tenham de certa forma me direcionado na escolha da profissão. Os deserdados da sorte e da razão perambulavam pelas ruas e praças da minha cidade carregando suas misérias e sofrimentos e faziam parte do meu cotidiano de menino. Lembro muito bem de alguns... Perto da rua onde morei quando criança, habitava o Professor Scoott: era um homem de meia-idade, longos cabelos brancos desgrenhados e que usava sempre um capote comprido e meio sujo... Deambulava incessantemente de um lado para o outro em frente a sua casa, mãos ás costas e resmungando coisas que não entendíamos. Alguém disse que o Prof. Scoott enlouqueceu por ter estudado demais... Faz sentido, até porque o Professor era vagamente parecido com o homem da relatividade! Tínhamos também o “feitiço”, que vagava pelas ruas com estranhas e chamativas indumentárias e um megafone, com o qual amplificava o seu desconexo discurso, dirigido sabe-se lá para quem... Do outro lado da cidade morava o “Zé Bode”, que tinha o estranho ( e artístico...)costume de moldar estatuetas coloridas com materiais recolhidos do lixo urbano, com o que ornamentava a sua moradia, dando ao lugar ares misteriosos e mágicos. Talvez tenha sido um dos nossos primeiros recicladores... Tínhamos que ter todo o cuidado com o “Saratoga”, um negro alto e forte, sujeito de maus-bofes que reagia agressivamente sempre que desconfiava de qualquer coisa da gurizada. O negócio era ser cauteloso e disparar para longe ao menor sinal de que o Saratoga estava á fim de encrenca. Ali pelo centro da cidade aparecia um sujeito que nos tempos de chumbo da ditadura, pegava o orelhão e “telefonava” diretamente ao ditador de plantão lá em Brasília, usando um linguajar repleto de baixarias e palavrões, se bem que entremeado de verdades que a imprensa da época não ousava publicar. Na fila do cinema, era inevitável a presença da “Babona”, sempre de mão estendida á espera de alguma esmola. O apelido da pobre mulher era em função da mesma manter a boca permanentemente aberta e da salivação abundante! Um outro que não conheci, a não ser através da sua “obra”, foi o “Cabo Bidi”! Paredes, portas e janelas, muros e calçadas, postes e tapumes foram cobertos com a misteriosa inscrição “mataram o Cabo Bidi”. Até hoje não sei a razão de tal comportamento, embora tenha escutado uma série de versões desencontradas sobre o que levou o sujeito a escrever pelas paredes da cidade o seu desabafo ou denúncia... Em uma movimentada esquina ficava o lugar favorito da Maria, ou “Maria do Balanço” como era conhecida uma outra personagem diferente. Pois a Maria se movimentava por horas á fio empenhada em uma dança infernal e frenética que poderia durar quase que o dia inteiro, sempre entoando desconhecidas cantigas de ninar para um bebê imaginário que levava ao colo! Lá pelo calçadão perambulava o “Arredondo”, cuja característica principal era declarar em altíssimos brados o seu amor pelas moças que ali passavam ou trabalhavam. Era comum escutar o famoso “eu te amo” do Arredondo ecoando pelas ruas do centro da cidade... Sempre juntos e apaixonados, o “casal 20”, homem e mulher arrebatados um pelo outro em permanente delírio alcoólico, num “continuum” de loucura, paixão e miséria entremeado por ardentes demonstrações amorosas ou agressivas e manifestadas em qualquer hora e em qualquer lugar da histórica urbe... Lembro do “Ligeirinho”, do “Zé Macaco”, do Bugio, da “Mariana” e de tantos outros... Voltei a encontrar algumas destas pessoas mais tarde em função da minha atividade profissional e apesar de podermos entender o comportamento destes seres tão diferentes através de outra ótica, os malucos da minha infância nunca perderam a capacidade de me encantar que sempre tiveram. Enquanto criança, eram para mim apenas pessoas diferentes, como se fossem habitantes de outros mundos ou outros planetas... Na Europa dos anos sessenta, os pioneiros da contracultura e da anti - psiquiatria diziam que os ditos “loucos” eram apenas pessoas que se comportavam de maneira diferente da usual e que tinham o pleno direito á isso, embora tenham assinalado também que “para enlouquecer em uma sociedade como a nossa, o indivíduo teria que ser muito cuidadoso”, pois correria o sério risco de se tornar passageiro permanente de alguma “nau dos insensatos” moderna se não fosse discreto ao expressar seus estranhos comportamentos. Foram ainda mais longe, ao comentar que os “psicóticos seriam os revolucionários da doença mental”, pois os neuróticos eram apenas prisioneiros da repressão social, acomodados (des) confortavelmente aos seus comportamentos “normais” ou “quase normais” e opondo-se diretamente ao Dr. Freud, o qual afirmou que “sem repressão não há civilização”. Para estes pioneiros pensadores da contracultura, caberia aos ditos “loucos” a ingrata tarefa de desafiar os padrões ditos normais e de alguma forma, promover mudanças de atitudes e comportamentos. Quem sabe? De qualquer modo, quando nos deparamos com a obra do genial “louco” Artur Bispo do Rosário, exposta no “Museu do Inconsciente”, com certeza vamos sair de lá com as nossas convicções sobre saúde e doença, normalidade e patologia, loucura e genialidade, bastante abaladas... Esquizofrênico paranóide? Artista plástico genial e futurista? Visionário? Gostaria que a coisa toda fosse um pouco mais simples como cantavam os Mutantes: “Mais louco é quem me diz... Que não é feliz”! Algo que vi em alguma Instituição, um destes lugares para onde estas pessoas “diferentes” são levados quando são diagnosticados como muito “diferentes”, me deixou pensando... Estava toscamente rabiscado em um quadro pendurado na parede da sala de eletroconvulsoterapia e dizia mais ou menos assim: “Nem todos os que aqui estão, são... Nem todos os que são, aqui estão..” Sábias palavras...
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