_ Bem... o Sr. está com um adenocarcinoma de próstata... Hoje em dia temos tratamentos excelentes para esta patologia e as suas possibilidades são boas. Vou lhe indicar para a cirurgia.... Logo depois, o médico passa a conversar sobre o me espera, trazendo estatísticas, possíveis tratamentos e possibilidades. Não guardo muito do que me foi dito e saio atordoado com a inesperada notícia. Está quente, quase no fim da primavera, sol a pino, e me dirijo para casa, com o diálogo interno em grande ebulição. As palavras do médico me deixaram confuso e desorientado e apesar de saber que os procedimentos médicos de hoje propiciam uma longa sobrevida e até a possível cura aos portadores desta doença, a situação é difícil de encarar. Na verdade, este flerte inesperado com a morte me assustou, embora tenha sido até hoje muito mais um curioso sobre o “gran finale” de todos nós, do que um sujeito preocupado com a ideia de que um dia vai morrer. Surgem do nada pensamentos a respeito do que deu errado e do porque isto está acontecendo. Genética, hábitos alimentares não muito saudáveis, sedentarismo, azar, karma... Sei que a coisa tem que ser enfrentada, mas por vezes o desânimo prevalece e fico pensando se vai valer a pena enfrentar a via-crucis que provavelmente terei pela frente. Serão meses de espera, intermináveis, dolorosos e humilhantes exames, cirurgias, hospitais, médicos impessoais e frios, preocupações dos familiares e amigos... Ou quem sabe a coisa se resolva de “per sí” e não seja preciso fazer nada... São as peças que a mente me prega através dos mecanismos de defesa, e racionalizo, nego e distorço o que me é doloroso enfrentar. Ainda não sei muito bem o que fazer a respeito e de que maneira estes acontecimentos que me esperam em um futuro próximo vão trazer no meu dia a dia. Com certeza, a necessidade de profundas reflexões sobre o viver... E o morrer... Percebo que certas coisas e situações passaram a me chamar a atenção e a me atrair mais, tal como as transformações que o jardim de casa exibe a cada troca de estação, as cores e o canto dos passarinhos, gestos e palavras das pessoas amadas... Como disse Saramago algum dia, o observar do antes não percebido talvez seja apenas a preparação inconsciente para a morte, uma redescoberta de valores não vistos ou não valorizados, um balanço de referenciais esquecidos, mas que agora passam a ser entendidos e sentidos como preciosos e relevantes. Pode ser que seja apenas um organizar da bagagem existencial para a viagem final e inevitável, e estejamos escolhendo o essencial e o realmente importante. De qualquer modo, esta situação em que de repente me vi metido me deixou mais sensível á coisas e pessoas, embora ainda me seja difícil expressar e manifestar com palavras ou gestos os meus sentimentos. Acredito que a inteligência criadora do universo tem um lugar para cada um de nós em seu plano, e embora não tenhamos a possibilidade de compreensão da comédia humana em sua plenitude, deve haver algum sentido nisto tudo. Tentando espiar os fatos sobre outra ótica, pode ser a hora de repensar a existência e revisar conceitos, pois a finitude do ser talvez contenha, em seu aparente nada, perspectivas muito mais amplas e inimagináveis. Egoisticamente, fico elaborando pensamentos sobre o que fazer, agora que me encontro nesta encruzilhada, mas não há como fugir desta realidade. De qualquer modo, a fila da vida anda e talvez esteja me preocupando á toa, pois no fim das contas, tenho que concordar com Neruda, que confessou que viveu, sim senhor! E eu também! Valeu e está valendo a pena, tanto pelo que vivi e ainda vivo, mas muito mais pela gratificante companhia daqueles que estão por perto e que me acompanham pela fascinante e complexa viagem da existência. E eis Neruda outra vez, pois lembro de algo que vi rabiscado em um muro na Calle Medron,em Buenos Aires quando perambulava um dia sem rumo em Palermo: "Se nada nos salva da morte, que pelo menos o amor nos salve da vida"..... Viva a vida! L.C. Rivera. S. Livramento -- 2011
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