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O castelo de Pedra
José de Aguiar Junior

Resumo:
Jovens duvidam do sobrenatural e resolvem adentrar em uma antiga construção de pedras, mas não esperam pelo que vai ocorrer.


O CASTELO DE PEDRA


1ª Parte

A tensão foi tomando conta dos rapazes que passavam, àquelas altas horas da noite, em frente ao castelo. O imóvel era antigo e estava em más condições de conservação; não haviam moradores há anos, mas os deambulantes noturnos insistiam em pernoitar no local.
A noite estava fria, o sereno da madrugada caía com insistência até fazer formarem-se espelhos d'água nos pequenos buracos existentes na calçada.
Ouvia, quem pela rua passasse, ruídos estranhos e sussurros estridentes, gargalhadas ou apenas risos, nunca eram ouvidos, somente lamúrias.
Já enebriados pelo consumo de bebidas alcoólicas consumidas nos botequins centrais, os rapazes apostaram entre si para ver qual deles teria mais coragem para ultrapassar os portões do castelo. Os portões eram de ferro, carcomidos pela oxidação. As trancas do portão, pensaram, seriam fáceis de abrir, pois feitas em madeira. Apostaram 10 contos e casaram as notas, deixando o valor arrecadado com o mais amedrontado de todos e que não desejou se arriscar.
Já era mais de meia noite e os rapazes em algazarra, decidiram entrar.

2ª Parte


A cada minuto que passava o frio daquela noite ficava mais acentuado. O vento ao fazer as curvas da antiga construção produzia som semelhante ao uivo de lobos; animais estes que somente habitavam o imaginário dos jovens, pois não existiam na localidade.
Todos se diziam homens corajosos, mas nenhum dava o passo decisivo para ultrapassar o velho portão.
Ficavam, uns provocando aos outros:
- você é mocinha, vamos entre.
- você fala demais e não tem coragem para entrar.
Eram só bravatas, ninguém arriscava e todos guardavam em suas mentes o receio do inesperado, do desconhecido; tudo ao enlevo das lendas sobre o lugar..
Os ventos balançavam as velhas janelas de madeira, produzindo um ranger como o arrastar de uma pesada corrente de ferro por escadas de madeira.
Os nervos começaram a florescer na pele; todos estavam com medo, mas nenhum deles admitia.
Os sussurros vindos do interior do pequeno castelo se faziam ouvir com maior nitidez e somado ao ranger das janelas, balançadas pelo forte vento e o imaginário embalado pelas sombras que se formavam em desenhos sombrios na parede lateral do imóvel, temperado este cenário pela fértil imaginação dos rapazes, emprestava àquela empreitada um risco muito maior do que a realidade.
Certificaram-se, antes de iniciarem a empreitada, de que não haviam drogados ou andarilhos pelo interior do antigo castelo, para que não corressem riscos.

3ª Parte

Corria entre os habitantes da cidade, histórias a respeito daquele local, dando-o como assombrado pelos antigos moradores.
Conta a lenda que o castelo de pedra foi construído há mais de dois séculos por um homem muito rico e poderoso. Sua construção demorou para ser concluída, mais de dez anos, pois as pedras utilizadas em suas fundações e paredes foram trazidas de muito longe.
Seu proprietário tinha uma mineradora e uma pedreira em localidade distante. O projeto do castelo foi feito por um engenheiro que era empregado do proprietário.
Contam as histórias que o homem era muito severo com seus empregados, mandando castigar aqueles que o desafiavam. Diz-se, até mesmo, que mandava sumir com aqueles mais perturbadores da ordem de suas empresas.
Viveu em uma época onde os castigos corporais a empregados, aplicados pelos capatazes era uma coisa comum. As autoridades não interferiam na condução das empresas, visto que entre os empregados existiam escravos, imigrantes e todas sorte de pessoas menos favorecidas.
O homem era casado e pai de cinco filhos. A mulher se dedicava aos afazeres da casa e às crianças. Era auxiliada por duas serviçais, ambas estrangeiras, que além dos cuidados com as crianças, ensinavam-lhes o idioma estrangeiro.
Uma delas de origem alemã, era alta, esguia, cabelos loiros, olhos azuis; a outra, uma espanhola, era de estatura mediana, magra, usava os cabelos longos e escuros, sempre presos e em forma de coque. Ambas usavam diariamente uniforme branco com um avental preto e bordados vermelhos nas laterais.
Eram os idos do século dezenove, A mineradora e a pedreira trabalhavam sem parar, os empregados não tinham descanso; eram doze a quatorze horas de trabalho todos os dias, de segunda a domingo.
O castelo foi construído na região central da cidade, em um terreno de aproximadamente mil metros quadrados.
Aos fundos da propriedade havia um pomar com plantação de maças, pois naquela época o clima era muito frio, haviam parreiras, pessegueiros e algumas árvores frutíferas de espécimes da terra: como pitanga.
A água para consumo era retirada de um poço existente no local, próximo do pomar.
O castelo foi construído em dois pavimentos, sendo que no andar superior haviam quatro dormitórios, onde dormiam os pais em um deles, dois filhos homens em um, dois filhos homens em outro e a menina no último dormitório. Os empregados pernoitavam em dormitórios que ficavam do lado de fora, em uma espécie de edícula aos fundos do terreno.

4ª Parte

Era uma tarde de domingo, o dia estava quente e a família almoçava na grande cozinha do castelo. À tarde, o casal se reuniu no pomar, onde as crianças ficaram brincando até o anoitecer.
À noite durante o jantar e após terem consumido muito vinho e conhaque, a mulher chamou a atenção de uma das empregadas, por conta de encontros que esta vinha tendo com um homem.
A patroa acusou a mulher de estar trazendo homens para o interior do castelo, a xingou com palavras de baixo calão e a ofendeu.
Em razão da discussão, ambos os patrões, já embriagados, agrediram a empregada, que devido à surra que levou ficou acamada por vários dias.
A moça, de origem espanhola, não tinha parentes nesta terra; ao se recuperar permaneceu trabalhando no local.
Passados poucos meses, dois dos filhos do casal sentiram-se mal depois de uma festa realizada no castelo. O médico foi chamado, mas nada pode fazer, ambos morreram.
O empresário foi tomado pela revolta e culpava as serviçais pelas mortes. Ao invés de despedi-las, as manteve no castelo; as ameaçava e não as deixava irem embora. As agredia fisicamente com frequência. As brigas e discussões no castelo eram diárias, até que uma das serviçais, a de origem alemã, foi embora. Somente a espanhola ficou com a família, pois não tinha alternativas.
A perda dos filhos, de forma tão inesperada e dolorosa, fez com que a mãe ficasse ainda mais severa com os empregados.
A mulher passava os dias e as noites chorando copiosamente, chamava pelos filhos, colocava as louças deles na mesa para se alimentarem, corria no pomar e chamava por eles: estava desnorteada.
Passados menos de dois anos da morte dos filhos, a menina, filha do casal, foi acometida por uma grave doença e faleceu. A origem da peste que vitimou a criança era desconhecida e causou a morte de mais de uma centena de pessoas na cidade.
A mulher mergulhou em um oceano de tristeza, não se alimentava, passava noites em claro, saia durante a noite e ficava perambulando pela propriedade, como sem destino certo; o pai, entregou-se completamente ao consumo de bebidas alcoólicas e ao vício do jogo; se tornou um homem amargo e mais violento do que jå era. Não demorou: foi à falência, perdeu as empresas e parte de sua fortuna. Ficou com algumas propriedades na cidade, muitas joias e dinheiro guardado, o que garantia a manutenção da família, não nas mesmas condições anteriores, mas de uma forma não tanto difícil.
Três anos depois da morte da filha o homem se suicidou saltando do alto da pedreira.
No castelo ficaram a mulher, os dois filhos, já adolescentes e a espanhola.
Sobreviviam com o penhor de algumas jóias e com as economias e propriedades deixadas pelo marido.
Alguns anos depois a serviçal faleceu. Dizem que foi morta por um dos filhos do casal. O mais velho tinha 23 anos e o outro 20; a mãe se aproximava do 45 anos. Viviam a sós no castelo e as discussões por dinheiro e disputa pela herança do pai eram comuns.



5° Parte

Já haviam se passado pelo menos duas horas, desde a aposta para ver quem adentraria os portões do antigo castelo.
Após muitos anos, mais de um século, a antiga construção ja não se apresentava tão grandiosa e imponente como no passado, mas seu aspecto era presentemente assustador.
As histórias sobre assombrações que habitariam o lugar eram publicadas em jornais, contadas por vizinhos, que diziam ouvir gritos no local, lamúrias, alguns falavam terem visto a mãe procurando pelos filhos mortos e que a serviçal espanhola assustava aqueles que tentavam invadir o local.
Esses comentários eram assustadores e mesmo sem qualquer proteção adicional, não se sabe o porque do local jamais ter sido invadido.
Poucos foram os moradores, depois da morte dos últimos descendentes do proprietário; os moradores sempre abandonavam o local sem ser vistos pelos vizinhos, o que aumentava o medo dos moradores da região. Eram vistos, apenas, no lugar, drogados e andarilhos, mas nenhum deles se fixava no castelo.
As lendas sobre assombrações eram temperadas pela história de que a mãe teria sido morta a tiros por um dos filhos, ao tentar proteger o outro contra agressões. Ante as ameaças do filho mais novo, a mãe entrou entre os brigões para protegê-los e apartar a briga, mas ocorreui um disparo de arma de fogo que acertou a mulher no peito. Ela morreu instantaneamente. O outro filho, ao ver a mãe baleada se abaixou para socorre-la, sendo morto pelo outro com um tiro na nuca.
A polícia jamais conseguiu desvendar o enigma, pois o autor dos disparos foi encontrado morto com um tiro na nuca e outro no lado esquerdo da cabeça, sendo localizada no local apenas uma arma de fogo e os três cadáveres.
Não foram sequer encontrados vestígios da presença de uma quarta pessoa no local.
No imaginário popular, contam que a serviçal espanhola se vingou do filho e da família, atormentando-o para que matasse a mãe e o outro irmão, para depois matá-lo e se libertar de seu calvário.

6° Parte

Os rapazes decidiram entrar todos juntos, mas um deles, aquele que estava com o dinheiro da aposta, tomou coragem e disse que entraria sozinho, mas que ficaria com todo o dinheiro.
Houve uma gargalhada geral entre eles, pois sabiam que o rapaz era o mais medroso de todos.
Em seguida, todos concordaram, pensando cada um, que depois gozariam dele, quando se borrasse de medo.
O rapaz, franzino e baixinho em relação aos demais, tomou a frente e arvorando-se de herói, bradou:
-vou entrar e irei dentro do castelo conquistá-lo; vou expulsar de lá todos os fantasmas...
Colocou as mãos na tranca de madeira e o imenso portão de ferro, corroído pela ferrugem, deu um rangido estridente, como se estivesse dilacerando as dobradiças de ferro; se abriu sem esforço.
Foi o que faltava para que todos se assustassem, mas não incomodou o pequeno rapaz. Ao que indica, ele estava mais interessado em ficar com os 40 contos da aposta.
Ao dar os primeiros passos portão a dentro, os outros se reuniram do lado de fora e combinaram dar-lhe um grande susto.
Esperaram que ele desaparecesse no escuro interior do castelo e entraram atrás dele.
O rapaz ultrapassou o portão e acessou os batentes de madeira da porta de entrada. Haviam somente os batentes, porque a porta não existia mais.
Os outros se dividiram em duplas e seguiram: uma foi em direção do lugar onde ficava o antigo pomar; hoje, um lugar tomado pelo mato, mas com uma bananeira e uma goiabeira, toda retorcida; a outra dupla seguiu pela lateral do castelo, onde dava acesso à antiga cozinha.
Nenhum deles podia mais ver o rapazinho que primeiro entrou. Naquela madrugada não haviam no lugar usuários de drogas, os rapazes estavam sozinhos no castelo. Antes de apostarem se certificaram de que não havia ninguém no lugar.

7° Parte

Eram duas e meia da madrugada, o sereno se transformou em garoa, que veio acompanhada por densa neblina.
O nevoeiro ocupou todos os cantos da cidade e ao castelo, emprestou uma atmosfera fantasmagórica.
Os rapazes, em dupla, iniciaram o plano para assustar o outro. Produziam urros, vociferavam alterando a voz, como se estivessem discutindo, arrastavam pedaços de latas tentando produzir o som de correntes se arrastando e tudo o mais para assustá-lo. Pouco tempo depois os barulhos cessaram.
Sem que as duplas fizessem qualquer barulho, todos perceberam a passagem de vultos pelo castelo. No início pensaram se tratar de drogados ou do rapaz que entrou só. Estavam enganados!
Aqueles que estavam próximos ao antigo pomar nada podiam ver, pois a neblina os impedia; aqueles que estavam ao lado do castelo, espremidos entre a parede e o muro, nada viam, sequer conseguiam caminhar, visto a quantidade de entulho no local.
O frio cortava a carne e o silêncio avassalador assustava. Os corações pareciam saltar para fora do peito.
Os rapazes tentaram sair do lugar, mas não conseguiram, parecia estarem sendo impedidos por uma força desconhecida. Começaram a ouvir sussurros, choros e pedidos de ajuda ... ficaram apavorados, o suor lhes corria frio pelas costas.
Saíram em fuga do desconhecido ao atropelo, tropeçando no entulho, caindo no lamaçal formado pela forte garoa; os outros, que estavam no antigo pomar, enroscaram-se no mato, caíram e se engalfinharam um no outro. Somente dois, de todos eles, chegaram ao portão, os outros dois haviam desaparecido. Os que chegaram começaram a gritar pelos outros, mas não obtiveram respostas. Suas roupas estavam rasgadas e sujas.
Chamaram e esperaram pelos outros até o amanhecer, mas não os viram e nem mesmo obtiveram resposta aos seus chamados.
Pediram ajuda na rua, dizendo que três de seus amigos estavam no castelo e que haviam sumido.
As pessoas que passaram na rua, devido ao apavoramento dos dois rapazes, resolveram chamar a polícia, que após ouvir os relatos dos jovens e desconfiados de que haviam consumido drogas, os conduziram ao pronto socorro.
Por volta de onze horas, os jovens acompanhados  dos policiais, retornaram ao local para procurarem os amigos. Ao chegarem no portão demonstraram grande pavor por estarem novamente no local.
Os policiais entraram no castelo e o vasculharam por mais de uma hora, mas não localizaram os rapazes. Vistoriaram todos os cômodos e não encontraram ninguém.
Ao saírem, trouxeram um relógio, parado quando apontava duas e meia, e uma pulseira, feita de prata, objetos estes que foram reconhecidos como pertencentes a dois dos rapazes que haviam desaparecido.
Os policiais acionaram o corpo de bombeiros, que vasculhou todos os compartimentos do castelo, inclusive sua torre de pedra, o porão e o poço, já seco e com lama ao fundo.
Localizaram no fundo do poço, um esqueleto humano, com uma corda amarrada no pescoço e com as mãos presas para trás. Os restos, pelas vestes, pertenciam a uma mulher.
No pomar, acharam somente um rastro estranho, que se assemelhava ao arrastar de dois ou três corpos; as marcas conduziam a uma velha edícula, em ruínas, e nada foi encontrado em seu interior.
No local, e já por volta de seis horas da tarde, enquanto aguardavam as autoridades vasculharem o castelo, uma mulher de estatura mediana, branca, cabelos escuros e longos, amarrados em forma de coque, vestida com uniforme branco e avental escuro com bordados vermelhos, veio conversar com os dois jovens e após ouvir a história contada por eles, deu apenas um longo sorriso e lhes recomendou não voltassem mais no lugar.
Os dois jovens jamais voltaram a ver seus amigos, e por medo, nunca mais passaram em frente ao antigo castelo.
Em sonhos, sempre viam a mulher com a qual conversaram, mas jamais souberam quem seria ela.


Biografia:
José de Aguiar Junior, paulistano, escritor de contos, histórias e crônicas.
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