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Piriguete Capítulo 6
Pandora Agabo

Estávamos sentadas em uma mesa de bar, conversando sobre coisas banais – na verdade a Mariana estava nos contando sobre seu ex e prolongando a sua dor de cotovelo, então é, coisas banais.

— Dá pra parar? – essa foi a Mari apelando com uma das minhas brincadeiras... Acho que pela oitava vez.
— Que?
— É Isa, já chega. No começo tava engraçado, mas agora a Mari ta ficando irritada, então dá um tempo aí. – a Gabi assumiu o papel de advogada da minha irmã.
— Ok, já parei. Só não to entendendo essa insistência toda em seguir falando disso, se você mesma disse que ta determinada a deixar essa história pra trás.
— Ai cara, acontece que não é assim. Eu preciso sentir a dor. Será que dá pra você respeitar isso?

Acho que a Mariana estava começando a ficar alterada e preferi não levar adiante aquela conversa, então deixei passar olhando pro lado e tendo a minha atenção atraída por um casal, no mínimo, peculiar, que estava se cumprimentando. Pela pouca intimidade e os sorrisos sem graça, eu chutei que eles haviam acabado de se conhecer.

— Quando eu pedi pra você parar, eu não quis dizer que era pra você me ignorar completamente. – a Mariana empurrou meu braço, brigando comigo; definitivamente ela tava um tanto alta.
— Peraí! – resmunguei – Olhem aquilo ali... – e indiquei com a cabeça a mesa que o casal-peculiar ocupava – Acho que alguém ganhou na loteria.

A minha risada debochada não foi tão bem recebida, assim como a minha piadinha, que talvez se eu tivesse mais sóbria teria tido o bom senso de nem ao menos tê-la soltado, porque ela realmente foi de mau gosto e preconceituosa.

— Como você é malvada, Isa. – a Gabi foi a primeira a me criticar.
— É... E ele até que é bonitinho, vai. – sim, a Mariana sempre é a que defende os coitadinhos e por isso acabava saindo com aqueles que nem a atraía tanto assim.
— Você só pode estar brincando.
— Ah, fala aí, Gabi: ele é tão ruim assim? Sério, olha lá e repara bem.

Estávamos as três com os olhos voltados pra interação desajeitada dos dois.

A Gabriela sempre foi o meio termo entre nós três. Enquanto eu fico com a pose de exigente e a Mariana com a de sem critério, a Gabi ponderava esses extremos e sabia ver os prós e os contras de todo mundo.

— Se ele trocasse aquele penteado com gel e se vestisse um pouco melhor, acho que daria um bom caldo.
— Fala sério. – revirei os olhos, porque eu nunca tive muita paciência pra esse tipo de polimento – Agora vocês querem me dizer que o cara é gato?
— Você é muito da hipócrita, isso sim. Fica toda putinha quando os homens são superficiais na hora de escolherem as parceiras, mas você fica cheia das exigências com os caras também. - a Mariana estourou.

Eu não queria esse tipo de conversa no bar, embora eu tivesse uma boa defesa pra isso – ou não tão boa assim – e deixei o assunto morrer... Pelo menos pra mim, já que a Mariana e a Gabriela desenvolveram o assunto ao fundo. Eu continuei observando a interação do casal-peculiar e concluí que eles não tinham a menor química enquanto conversavam. E pelo visto a moça chegou à mesma conclusão, porque em um momento ela se levantou, como que pedindo licença pra ir ao banheiro, só que levando sua bolsa. E até que ela caminhou em direção aos sanitários, mas sempre olhando pra trás e quando o carinha se distraiu, ela cantou pneu e vazou.

— Ih gente. - como em um reflexo, anunciei na hora que saquei o que estava acontecendo – A mulher que tava com o esquisitinho deu um bolo nele com o truque do banheiro.
— Sério? – sentida, a Mari olhou em direção à mesa – Tadinho!
— Que vaca. - essa foi a forma que a Gabi expressou seus sentimentos pelo bichinho.
— Sim, uma escrota. - me levantei e ajeitei a minha roupa – E pra vocês não dizerem que eu sou uma também, vou, pessoalmente, dar a notícia pro jovem gafanhoto.
— Não Isa, não faz isso... - a Mari tentou me impedir.
— Por que não? - a Gabi não entendeu.
— É. Você quer que ele fique plantado naquela mesa pra sempre? É melhor falar logo e cortar o mal pela raiz. Licença. - e saí em direção à mesa do carinha.

Sem querer assustá-lo, fiz minha cara de solidária e pousei minha mão delicadamente em seu ombro, com um sorriso bastante simpático de acompanhamento.

— Ah, desculpa. A cadeira ta ocupada. - ele disse educadamente de volta.
— É... É sobre isso que eu vim falar. Acho que a moça que tava com você saiu há pouco do bar.

As sobrancelhas do cara começaram a se unir e, lentamente, ele foi ajeitando sua postura.

— Que? - ele não quis acreditar.
— Sinto muito.

Agora em um processo inverso, sua postura voltou a ficar amuada e suas sobrancelhas caíram como que em uma profunda tristeza.

— Você não vai chorar não, vai? – eu estava com medo que isso acontecesse. 
— Não. - ele disse desdenhoso – É só que… - e balançou a cabeça, chateado demais pra ficar dando explicações pra uma estranha – Deixa pra lá. 

Ele teria vazado do bar naquele instante se eu não o tivesse segurado pelo braço:

— Cara, você saiu de casa hoje só pra esse encontro, num foi? 

Ele ergueu os ombros, abriu os olhos e balançou a cabeça, transmitindo uma mensagem mais ou menos como "descobriu sozinha, campeã?". Um abusado!Mas eu respirei fundo e aceitei a grosseria só porque ele devia estar se sentindo mal. 

— Vai ser uma merda se você for pra casa e ficar pensando no que aconteceu, vai por mim. Você pode sentar comigo e com as minhas amigas se quiser. Não estrague sua noite por uma coisa que aconteceu, sendo que nem foi culpa sua. 
— Mas a culpa foi minha…

Puxando-o atrás de mim, sem nem dar espaço para que ele ficasse pensando e tentando recusar o meu convite quando queria aceitar, já lhe dei logo um importante aviso:

— Não temos paciência com baixa autoestima. 

Quando parei ao lado da nossa mesa, agora acompanhada, tanto a Mariana quanto a Gabriela abriram um sorriso amigável.
 
— Poxa cara, sinto muito. - Mariana foi a primeira a dizer algo. 
—  Olha só… - e a Gabriela, já sentindo muita pena do cara, disse com aquela expressão que não ajudava em nada. 
— Todo mundo já sabe que eu levei um toco? É isso? – ele tentou brincar, mas eu sei que ele ficou sentido com isso. 
— Ah, não se preocupe. Você não foi o único. – Mari dividiu suas dores – Senta aí… 
— Tales. - ele se apresentou, esticando a mão pra ela. 
— Ah! – ela apertou de volta – Mariana. 

Os olhinhos de um brilhou pro outro e a Gabi e eu já sorríamos entre nós, imaginando no que aquilo poderia dar. 

— Eu sou a Gabriela. - ela se apresentou quando o Tales esticou a mão em sua direção. 
— Isa. Não que você tenha perguntado, mas né… - disse só pra não ficar de fora. 
— Nossa, desculpa. - ele esticou a mão em minha direção também – Isa de Isabel? De Isabela? – perguntou gentilmente, já querendo puxar assunto antes de se sentar à mesa. 
— Isa de Isa. 
— Só Isa? – ele parecia surpreso. 
— Uhum. - afirmei, também me sentando. 
— A nossa mãe queria um nome tão simples quanto a gravidez, que ela nem mesmo percebeu. 
— Que? – ele soltou uma risada, achando que era uma piada e que estávamos tirando com a cara dele – Vocês são irmãs? 
— Somos. – Mariana confirmou. 
— E eu sou a prima. – Gabriela ressaltou. 
— Sério? – ele estava admirado – Ta, agora voltem: como assim a mãe de vocês não notou a gravidez? 
— Eu fui um acidente e a minha mãe só descobriu que tava grávida no dia que a bolsa estourou, daí ela foi pro hospital, crente que tava morrendo e foi quando avisaram que ela tava em trabalho de parto. 

Ele olhou desconfiado pra todas nós e afastou a cabeça pra trás. 

— Mentira…
— Verdade. - a Gabi confirmou – A minha mãe disse que ninguém na família desconfiou que a tia Eliza tava grávida. Rolava até algumas brincadeiras, porque já fazia um tempinho que ela tava casada com o Tio Chico, mas desconfiar mesmo, não. 
— Gente, mas e a barriga? E a menstruação? 
— Ela quase não teve barriga e ela disse que a menstruação continuou descendo normalmente. - a Mari esclareceu. 
— Nossa, que loucura! – ele sorria animado. 
— Pelo visto foi uma boa ideia ter te chamado pra cá. Você até se esqueceu do fora que acabou de levar, né? - comentei achando que ele tinha superado o problema e já estava preparado pra fazer piadas sobre o assunto. 
— Você tinha mesmo que me lembrar? – mas eu estava enganada. 

Só que isso não foi um grande drama. Modéstia à parte, nosso carisma acabou o distraindo novamente e até aposto que ele se divertiu mais com a gente do que teria se divertido se aquela mulher tivesse ficado pro encontro. 

— Mas quem é a mais velha? 
— Ela. - a Mariana apontou pra mim. 
— E a Gabi? 
— Eu to entre as duas. - respondeu sem rodeios. 
— Hum… A Mariana é a caçulinha então. - ele brincou. 
— Mas não tão caçula quanto você pensa. - desafiou-o. 
— Eu sei que é uma tremenda falta de educação perguntar idade, mas é que eu realmente to curioso…
— Que bom que você sabe que é falta de educação. - finalizei o tópico com esse comentário, que só serviu pra aumentar o clima de descontração.
 
Na medida em que dávamos prosseguimento à conversa, mais entornados no chopp estávamos. No começo parecia que a Mariana que ia levar o Tales-levou-toco pra casa, com o tempo parecia que a Gabriela é que ia se dar bem essa noite, mas a noite já estava ficando decadente e as chances de ela fazerem sexo com o Tales estava se aproximando de zero. 

— Isa, foi mal, mas eu já quero ir pra casa. - a Mariana disse com os olhos pesados. 
— Que? Mas já? – reclamei. 
— E eu também. 
— Ah gente! – choraminguei.

O Tales, embora tenha ficado calado, sei que compartilhava da minha opinião e queria que elas permanecessem. 

— Como assim? Ta tarde já e o bar vai fechar daqui a pouco. - a Gabriela tentou se explicar. 
— Como vocês são estraga prazeres. - reclamei novamente, pegando a carteira na minha bolsa.

Acabou que fechamos a conta e fomos todos para o ponto de táxi que ficava bastante próximo do bar. 

— Vocês querem ir lá pra casa? – perguntei enquanto eu mexia na minha bolsa, procurando a carteira que não fazia nem cinco minutos que eu a havia guardado. 
— Ah não. 
— Hoje não. 
— Quero. - o Tales respondeu achando que faria coro com as meninas. 

Nossas risadas eram tão sincronizadas, que pareciam risos de fundo de séries de comédia.
 
— Ah não, eu pensei que vocês iam dormir lá em casa! - resmunguei com a boca mole. 
— Não, não mesmo. Hoje eu quero a minha cama, o meu travesseiro, o meu cobertor...
— É! Eu também não to pra tua casa imunda hoje, na boa. - Gabriela, quando fica bêbada, perde o filtro da educação se deu pra perceber. 
— Credo Gabriela, assim você vai espantar a minha única companhia pra noite. - disse em tom de brincadeira, apontando pro Tales. 
— Desde que a sua única coisa imunda seja sua casa, a gente pode dar um jeito. - o Tales disse isso se curvando e deixando a cabeça cair em meu ombro. 

Mais uma sessão de risadas e as meninas, me incentivando a aproveitar a noite, entraram no primeiro táxi que parou e me deixaram sozinha com o Tales.

— Tem certeza que quer ir lá pra casa? - perguntei só pra confirmar, até porque palavras de bêbado não são das mais confiáveis. 
— Eu não quero é ir pra minha! 
— Então ta. - entendi isso como um "sim", peguei em sua mão e o guiei para o outro táxi que parou, como que se eu não estivesse tão bêbada quanto ele. 

A corrida não demoraria nem 20 minutos, mas de toda forma não quisemos perder tempo. Com o braço do Tales em volta do meu ombro, ele já facilitou os meus movimentos e comecei a beijá-lo, me esquecendo até mesmo que ele não era o cara mais atraente do mundo. Não extravasamos muito, até porque ele não deu muita vazão pra isso, só que esses beijinhos foram suficientes para que eu descobrisse que sua aparência não fazia jus a sua habilidade lingual… Sim, o cara manjava muito de beijo! Eu até que estava acesa praquela noite, mas depois desse beijo, eu fiquei acesona. 

Depois de pagarmos o taxista, subimos para o meu apartamento e nem me incomodei em acender às luzes pra ele não ter de se deparar com as minhas montanhas de roupas espalhadas. Guiei-o até o meu santuário imediatamente, o único lugar livre de roupas: a minha cama. Empurrei-o para o colchão e subindo em cima dele, interrompi o beijo para perguntar:

— Tem camisinha? 
— Putz! – ele apertou os olhos com força, desacreditado na gafe. 
— Você vai pra um encontro sem camisinha? Que espécie de cara você… - não valia a pena, não naquela hora – Acho que eu devo ter alguma. Rapidão. - e me levantei, corri para o meu armário e procurei por alguma na minha gaveta de calcinhas. 

A minha relutância em acender à luz foi um grande erro e eu só descobri isso depois de demorar uns 5 minutos até que eu encontrasse a bendita camisinha, voltasse pra cama e me deparasse com o Tales dormindo. 

— Não, não, não, não… - por mais que eu estivesse falando baixinho, eu vivi um momento de desespero – Acorda! Acorda! Acorda! – disse enquanto mexia em seu rosto. Nada. 

Levantei revoltada da vida e, só de raiva, me recusei a dormir na mesma cama que esse fulano.

Enquanto eu pegava uma camisola qualquer no meu guarda-roupa, eu resmungava:

— Vai, Isa! É nisso que dá querer fazer com quem ta na cara que não ta acostumado. 

Pelo menos minhas roupas amontoadas no sofá dão ótimos travesseiros. 


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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