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Trem
Pandora Agabo

Mariana adorava viajar de trem. A sua impressão é a de que a paisagem é apenas uma... Uma fotografia, a qual se repete várias e várias vezes. Muda-se a paisagem, muda-se a foto, e lá se vai mais uma sequência repetida de fotos. Ah! Como é incrível!

— Com licença.

Um homem se sentou ao seu lado. Carlos. Sua boa aparência e seu cheiro agradabilíssimo escondia qualquer vestígio de infelicidade. Julgando pela casca, ninguém poderia imaginar que ali dentro havia um ovo podre. Pois bem, a verdade é que Carlos estava fugindo, na esperança de ser capaz de se regenerar e poder voltar a ser um ovo útil, o qual ninguém dispensasse.

— Desculpa.

Um rapaz disse ao esbarrar a sua mochila no ombro de Carlos. Mateus. Entusiasmado por ser esta a sua primeira viagem sozinho, ele mal podia esperar chegar à casa de sua mãe, que há muito não via. “Você sabe que eu faço isso por você, não sabe?”, já dizia Raíssa. Ele entendia a ausência de sua mãe, entendia perfeitamente... Mas não significava que ele conseguia ficar bem com toda a situação. Por mais que ele fosse sentir falta de sua avó, não haveria ser humano que o convencesse de que aquele não era o melhor dia de sua vida.

— Bom dia.

Disse ao se sentar ao lado de uma mulher que aparentava ter os seus 40 anos. Sem encará-lo ou retribuir o cumprimento, Laila passou uma perna por cima da outra e cruzou os braços na altura do busto, suspirando impaciente. Só o que ela queria era poder chegar ao seu destino e fim. Por que ela estava fazendo aquela viagem? Não sabia. Para onde ela estava indo? Não importava.

— Ai!

A interjeição rude saiu da boca de um maltrapilho que chamou a atenção de Laila, que o encarou reprovadamente.
Deividson tentava passar com uma mochila gigantesca no corredor relativamente estreito. Ignorando o assento que constava em seu bilhete, ele se sentou no primeiro lugar vazio que encontrou, causando desconforto no senhor que já estava acomodado na cabine. Oscar. Olhando-o cuidadosamente para não ser flagrado, Oscar fez o pior julgamento que se poderia fazer a um ser humano. Não, ele não estava sendo injusto; na verdade, acertou em cheio! Deividson era só mais um traficante, louco para chegar ao seu destino e ganhar uma grana fácil – havia dúvidas quanto esse grau de facilidade.

O trem começou a dar movimento e Oscar ficou aliviado por ainda ter lugares vagos. Levantando-se como quem não quer nada, retirou-se daquela cabine e se sentou junto a uma família pequena, composta apenas de um casal e uma criança. Mário, Nair e Ophelia. Que família bonita! Bonita demais! Chamava, inclusive, a atenção de Sofia, a jovem da cabine ao lado, que não conseguia despregar os olhos daquele casal tão bonito e que emanava tanto amor, acompanhado de uma criança tão linda e comportada.
Sofia sempre quis uma família como essa e ainda não desistiu do sonho de conquistar algo parecido. “Tomara que o meu marido seja tão bonito quanto ele, que eu seja uma esposa tão charmosa quanto ela e que eu tenha uma filha tão fofa como essa”, pensava, “não acho que seja tão difícil encontrar alguém na faculdade que queira formar uma família assim”.
Sim, Sofia estava de mudança. Tudo já estava arranjado e só faltava chegar a seu apartamento, aguardar o início das aulas e começar a sua vida – a sua nova vida, como ela mesma já anotou diversas vezes em seu diário.

— Você ta com comida na mala?

Tamis, a melhor amiga de Sofia e sua futura colega de quarto, perguntou entediada.

— To... Mas sério que você já ta com fome?
— Não, só tava perguntando... – respondeu-a sem graça.

A verdade é que a ansiedade era tamanha, que só uma boa porção de porcaria conseguiria fazê-la "segurar a onda".
Tamis só se deixou convencer a morar com a amiga devido ao fim conturbado de namoro e o péssimo relacionamento com o seu padrasto, que insistia em convencer a sua mãe de que ela era uma inútil. Imprestável. Indecente. Imoral. Não! Ela não podia ficar mais naquela casa, naquela cidade... Mesmo não tendo um cérebro promissor como o de Sofia, Tamis sabe do seu potencial como trabalhadora e estava disposta a batalhar por um bom emprego, fazendo questão de esfregar a sua vitória na cara de seus ex-responsáveis.

Estudantes, pais de família e filhos de muitos pais. Aspirantes, arquitetos, engenheiros, médicos, dentistas, professores, artistas, artesãos, escritores, empresários, pedreiros, padeiros, empregados domésticos, funcionários públicos... Muitos funcionários públicos. Traficantes, fugitivos, deslocados, drogados e infelizes. Não necessariamente os passageiros tinham de ocupar a somente uma dessas opções.

Duas horas de viagem e a dor nas costas e nas pernas já estava incomodando. Eles não estavam nem perto de chegar ao seu destino, mal sabendo eles que jamais chegariam.


Este texto é administrado por: Sabrina Queiroz
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