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O barqueiro tailandês
Sonia Regina Rocha Rodrigues

Resumo:
acontecimento curioso ocorrido em um passeio ao arquipélago de Kho Pee Pee

Éramos duas turistas aventureiras em Kho Pee Pee, duas mulheres sozinhas em um país cuja língua não falávamos.
Neste arquipélago, ao criar o mundo, Deus deve ter hesitado. Ali deveria ter sido o paraíso original, e ali, certamente, Eva, ocupada a se divertir nas águas mornas cheias de peixinhos coloridos, teria mandado a serpente passear, em nada curiosa pelos frutos proibidos, mesmo porque ali nascem frutas bem mais interessantes que maçãs. Talvez por isso o divino mestre guardasse esse local para deleite das futuras gerações de netinhos do bíblico casal. Afinal, não tendo nada a ver com o pecado de nossos ancestrais, nada mais justo que nós nos deleitemos, quando o salário permite, em locais paradisíacos.
Bem, a população é outra coisa, e, a princípio, não me pareceu tão paradisíaca assim.
Nosso barqueiro, por exemplo. O tailandês era feio, magro, desdentado. Em São Paulo, eu atravessaria a rua para não cruzar com ele. No entanto, minha amiga insistiu no tal passeio em ‘bote de cauda’, praticamente uma casquinho, que, por ser pequeno, pode aproximar-se de qualquer prainha, esgueirar-se por entre quaisquer recifes, e na qual teríamos a sensação dos navegantes primitivos a singrar os mares em busca de aventuras.
Minha amiga, já se percebe, é escritora. Eu, que a acompanho em suas maluquices, desconfio ter propensão ao suicídio. E disse a ela, alegremente, que, se um tsunami nos surpreendesse ali, morreríamos sorrindo, e que, sento todos nós condenados a morrer um dia, por que não escolher Kho Pee Pee como cenário?
Voltemos a nosso medonho barqueiro, que nem de longe desconfiava do pavor que me provocava seu desdentado sorriso. Ele ajeitou à sombra nossa água, e nos guiou oceano adentro em seu barquinho frágil.
Eu, tensa, não parava de pensar que, se ele resolvesse nos matar e jogar nossos corpos ao mar, ninguém saberia. E em meus pensamentos vinham históiras terríveis de turistas desaparecidos, assassinados pelos guias. Minha própria cidade, sendo turística, tinha uma crônica de assaltos capaz de alimentar os pesadelos mais estupendos, brutasi, apavorantes. E eu ali, estressada, ao lado de minha felicíssima e relaxada amiga, que, em um remanso entre penhascos isolados, mergulhou entre um cardume de coloridos peixinhos, a procurar por Nemo.
O barqueiro, que me convidava em vão a descer do barco, cruzou os braços e olhou para o alto dos penhascos, onde, observei, havia milhares de ninhos de andorinhas. O sol, parcialmente encoberto, deixava uma parte da baía na sombra, e a outra parte, dourada. A água transparente permitia que se enxergasse cada detalhe das pedrinhas do fundo, que, naquele local, era pouco profundo, e azul como as águas dos atóis. Enquanto eu me indagava se estávamos sobre pedras ou corais, debrucei-me, relaxei, mergulhei as mãos na água, e, então, para meu terror, o barqueiro aproximou-se, acocorou-se diante de mim, olhou dentro de meus olhos e sorriu:
- Este mundo é tão lindo!
O tom com que ele disse esta frase simples foi tão inesperado que me desarmei.
- Eu venho aqui todos os dias – continuou ele – Todos os dias vejo este mundo bonito. Amo meu trabalho.
A alegria dele me contagiou e fiquei de repente muito tranqüila, e pude sentir o silêncio por detrás do som do mar, do vento, do canto dos pássaros.
Eu me senti tão bela e pura como a paisagem ao redor, e cheia de ternura por ele, por minha amiga, e até mesmo desculpei-me pela tola pessoa que sou.
Este homem me ensinou a felicidade.


Biografia:
Sonia Regina Rocha Rodrigues Ou Sonia Rodrigues, como costuma assinar, é médica e nasceu em Santos, SP, em 21 de maio de 1955. Escreve poesias, contos, crônicas e romances. Em 1996, foi classificada na fase municipal do certame Mapa Cultural Paulista, representando a cidade de Bebedouro/SP, com o conto "A auditoria". Foi co-editora do jornal literário Um Dedo de Prosa, de agosto de 1996 a dezembro de 1998 e da revista de arte Chapéu de Sol, de janeiro de 1999 a 2000. Publicou Dias de verão, contos e crônicas, pela editora Legnar, em 1998 e O que você diz a seu filho?, programação neurolinguística para pais e educadores, pela Espa Editora.Atualmente gerencia o site Alegria de Ler: http://www.alegria.deler.nom.br
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