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A Carruagem
José de Aguiar Junior

Em um ano desconhecido, temperatura fria e atmosfera lúgubre, estava caminhando por uma rua de calçamento de pedras; era uma subida, não íngreme, mas uma subida que ao chegar ao final a respiração se tornava ofegante; não sabia se por conta da idade, se por conta da falta de condicionamento físico, ou mesmo se em razão do ar seco que eu inspirava e ressecava as narinas, mas sei que a respiração ficava ofegante e os batimentos cardíacos sensivelmente mais rápidos. Lá no final da rua havia uma bodega muito estilosa. Sua fachada era na cor marrom avermelhada, com um pórtico de entrada que alcançava pelo menos dois metros e meio de altura, com portas e batentes talhadas em madeira de lei, envelhecidas, mas muito bem conservada. Uma das laterais fazia divisa com a rua que levava ao centro do lugar e naquele lado haviam grandes vitrais, com vidros delicadamente desenhados e coloridos, o que dava ao interior da bodega uma atmosfera interessante. O lugar era conhecido e muito bem frequentado; era eu cliente assíduo, confraternizando com amigos pelo menos três vezes por semana, sempre no horário depois das dezoito horas. Os petiscos oferecidos eram deliciosos e a bebida atendia a todos os paladares. Naquela tarde de sexta feira, depois do trabalho, estava subindo a rua em direção da bodega, onde pretendia me encontrar com amigos e bebericar alguns copos de vermute, minha bebida preferida. Trabalhava em um escritório, que ficava próximo do centro, para onde podia ir a pé. O deslocamento para as localidades mais distantes se fazia por meio de bondes; algumas pessoas ainda se utilizavam de semoventes para fazê-lo, mas nós, que trabalhávamos em escritórios na cidade, nos utilizávamos dos cavalos de aço, movidos a eletricidade. O trânsito destas máquinas em meio das ruas do lugar, invariavelmente fazia vítimas fatais, pois seus freios não eram eficazes. Depois do trabalho, às seis da tarde, sai em direção da bodega, andando com tranquilidade, mas ansioso para chegar, pois sabia que meus amigos aguardavam para a comemoração do aniversário de um deles. Havíamos combinado dias antes que faríamos uma rodada de petiscos e vermute e ficaríamos até o fechamento do lugar. Estava contente, pois havia sido promovido no trabalho; um outro amigo estava feliz, pelo nascimento do primeiro filho e queria comemorar, o outro estava contente pelo seu aniversário e outro, bem, o outro, estava alegre pelo contentamento dos outros. Naquela noite a lua nova brilhava no céu, com uma brancura especial que iluminava cada fresta de viela do lugar; as estrelas forravam o céu, dando um colorido azul celeste muito lindo. Chegamos à bodega, todos ao mesmo tempo e escolhemos uma mesa próxima da grande janela lateral; o interior do estabelecimento era iluminado a partir de lamparinas dependuradas no teto. O pé direito tinha mais de quatro metros de altura e as paredes internas na cor flamingo refletiam a luz emprestando tom um pouco amarelado. Do interior do estabelecimento era possível ver a rua e os bondes passando a uma velocidade alucinante. Era por volta de nove e meia da noite e o consumo do vermute já fazia efeito inebriante em todos, quando resolvemos parar de beber, mas ficar conversando mais um pouco, na esperança de que o sentir-se zonzo passasse. Sem que percebêssemos, o clima se modificou, a lua nova se escondeu por de trás de nuvens negras, carregadas, as estrelas parecem tê-la seguido, pois também desapareceram. A noite fechou e escureceu de uma forma que nem mesmo as luminárias públicas eram capazes de clarear; aquela temperatura amena de aproximadamente vinte graus caiu rapidamente e a temperatura esfriou. Em poucos minutos seguiu-se uma garoa fina, acompanhada de uma neblina densa que chegava a esconder os bondes negreiros que naquela hora ainda circulavam. Resolvemos sair e ir para casa. Nos despedimos, parabenizamos o aniversariante e o novo papai e cada um seguiu o rumo de sua casa. Mesmo sem entender o porquê, aquela atmosfera provocante, de garoa fina e neblina densa me encantava e assim resolvi andar pelo lugar para aproveitar a noite. Trazia um casaco de lã nas mãos e o coloquei, abri um guarda-chuvas que peguei emprestado e fui caminhar. Vi quando o bonde que me levaria para casa, o último daquela noite, passou, mas não dei com a mão para que parasse, simplesmente queria ficar perambulando pelas ruas de pedras cascalhadas ou de paralelepípedos. Andei por um bom tempo em direção do centro, quando um barulho de carruagem despertou minha atenção. Pensei: quem poderia estar de carruagem àquela hora? Tentava olhar em direção de onde provinha o barulho, mas nada conseguia ver, pois a neblina impedia. Continuei a andar e apreciar a atmosfera e novamente ouvi o barulho dos animais galopando e das rodas da carruagem virando vagarosamente nas ruas de pedras, como se estivesse me seguindo. Havia tomado alguns vermutes a mais e conclui que fosse minha imaginação ébria que estivesse causando aquela impressão. Andei mais um pouco e o mesmo barulho foi ouvido. Voltei-me e caminhei em direção da carruagem e parecia que ela se afastava, quando mais eu tentava me aproximar, mais sentia que ela se afastava. Intrigado com aquela situação, resolvi caminhar em direção de minha casa, mas estava muito longe. Ao entrar em algumas ruas estreitas do centro, novamente ouvi o barulho dos animais e das rodas da carruagem, quando resolvi andar apressadamente e me esconder em alguma viela para ver quem era. Fiquei escondido entre duas construções por mais de vinte minutos e não vi ninguém, nenhuma carruagem ou cavalos. Sai de onde estava voltei a caminhar pelo centro, quando cheguei à praça central. No meio da praça tinha um púlpito, em forma arredondada, de mais ou menos dois metros de altura. A praça era rodeada por árvores e flores, onde aos domingos, pela manhã, o pároco realizava as missas para a comunidade. Ao atravessar a praça, novamente ouvi os barulhos dos animais, mas por mais que eu buscasse localizá-los, não conseguia. Continuei minha caminhada e ouvi o relinchar de um cavalo, seguido por uma voz característica de ordem de parada da carruagem. Naquele momento pensei: vou pedir ao condutor da carruagem que me leve para casa, mesmo que eu tenha que pagar. Com ela não levarei mais de uma hora para chegar e ainda não vou me cansar. Mas onde encontrá-la? Passei a procurar a carruagem; atravessei a praça e quando cheguei do outro lado pude ver no ponto de parada uma carruagem muito luxuosa, com detalhes prateados nas portas e tecido aveludado vermelho no banco do condutor. Os cavalos eram muito grandes, pretos e fortes, suas viseiras eram confeccionadas em couro, com detalhes em metal prateado. Os animais estavam cobertos por um tecido azulado escuro, que estava entre a cor preta e o azul marinho. O condutor era um homem de estatura média, estava de roupa escura e chapéu, o que impedia ver sua face. Ao me aproximar da carruagem o homem não emitiu nenhum som ou mesmo olhou em minha direção. Podia ver a ofegância da respiração dos animais, pois uma fumaça em forma de vapor saia de suas narinas. Cumprimentei o homem dizendo boa noite e não recebi resposta, nem mesmo um aceno de cabeça. Percebi que o homem continuava segurando com firmeza as rédeas dos animais e seu pé esquerdo pressionava fortemente o freio da carruagem. Olhei discretamente no interior da carruagem e não haviam pessoas, estava vazia. Mesmo sem nunca ter visto aquela carruagem, pois as outras todas que traziam os viajantes chegavam sempre no período da manhã, solicitei ao homem que me levasse para casa. Disse onde morava e que pagaria pela viagem. Ele nada respondeu e a porta da carruagem se abriu para que eu pudesse entrar. Pensei que havia algum mecanismo de abertura da porta. Ao entrar pude ver todo o luxo interno da carruagem e o bom gosto de seu acabamento; me sentei e praticamente desapareci em meio do banco de passageiros, extremamente macio; não houve outro desfecho, adormeci! Acordei com o ranger da abertura da porta da carruagem, já em frente de minha casa. Desci da carruagem e dei ao homem uma moeda de cem, prateada, que levava no bolso interno de meu casaco de lã. O homem saiu e rapidamente a carruagem desapareceu em meio da neblina. No dia seguinte, já no trabalho, fui ler as notícias do único jornal que circulava na cidade, quando para minha surpresa descobri que uma carruagem que trazia barões para a cidade e que deveria chegar dois dias antes, se acidentou no caminho e todos morreram, inclusive os animais que puxavam a carruagem. Fiquei pensativo a respeito e não tive outras notícias do acidente fatal, mas pelas características da carruagem descritas no periódico, fiquei com a sensação de que era a mesma que me conduziu até em casa. Durante noites seguidas sai bem tarde do trabalho e jamais voltei a ver aquela carruagem pela cidade.



Biografia:
José de Aguiar Junior, paulistano, escritor de contos, histórias e crônicas.
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